Um novo mundo emerge com as faculdades
pouco usuais demonstrada por alguns humanos. Essas faculdades são
previstas pela Doutrina Espírita como manifestações
da liberdade do Espírito. Porém, alguns pesquisadores
que estudaram o fenômeno depois de Kardec, criaram nomes diferentes
para a fenomenologia psíquica, principalmente aquela relacionada
às “manifestações anímicas”.
De fato, surgiu uma mistura de termos que envolvem conceitos como
“subconsciente”, “inconsciente” e “mente”.
Por exemplo, tornou-se popular entre os adeptos entusiastas da parapsicologia
o termo “poderes do subconsciente” ou “poderes
da mente”.
O que seria isso? O prefixo “sub” evoca vagamente o
que estaria “abaixo” do consciente, como se este último
fosse uma coisa distribuída no espaço, talvez em camadas.
Porém, o impacto do significado desses nomes na cabeça
de quem os recebe depende da imagem, ideia ou conceito que ele faz
desses termos, pouco claros em princípio. Para os espíritas,
os “poderes da mente” ou do “subconsciente”
nada mais são do que termos que fazem referência a
fenômenos anômalos, todos eles com causa real no Espírito
(e, portanto, não no corpo) e que foram tratados por Kardec
genericamente como “emancipações da alma”
(ver Capítulo 8 de “O Livro dos
Espíritos”, LE, 1).
Por que insistimos nisso? Porque, em toda e qualquer disciplina
que pretenda ser científica é preciso definir de forma
não ambígua ou clara o significado de seus termos.
No nosso entendimento, uma vez aceita a existência do Espírito
como origem da consciência, fica fácil interpretar
o significado de alguns desses termos:
- espírito (LE Q #23): é o princípio
inteligente, origem da inteligência. Em princípio,
esse termo sintetiza o máximo que podemos saber sobre a
origem do Espírito;
- Espírito (LE Q#78 e sua nota): designação
dada ao espírito dotado de consciência de si, liberto
de ligações com a matéria;
- alma (LE Q#134): um Espírito encarnado.
Nesse caso, a alma deve ser usada para designar a parte do ser
humano responsável por sua consciência;
- consciência: fluxo de pensamentos, percepções
e cognições do Espírito. No estado encarnado,
a consciência possui faculdades mais limitadas do que a
do estado desencarnado. Liberto da matéria, a alma tem
também sua consciência, muito mais ampliada porque
pode acessar o seu passado;
- mente: seria um termo mais genérico que
substituiria em significado a alma. Assim, em certo sentido “mente”
e “alma” seriam sinônimos, pois dizem respeito
à manifestação do Espírito encarnado.
Apenas por uma extensão de significado, talvez fosse possível
falar em “mente do Espírito”, quando, para
nós, o termo "mente" deve se referir ao seu espírito;
- cérebro (e sistema nervoso): contraparte
material que está ligada ao espírito por meio de
uma interface semi-material, o períspirito, e que exerce
grande influência sobre as manifestações da
alma. O cérebro tem papel de filtro da consciência
integral do Espírito, servindo como meio de transmissão
dessa consciência para o mundo material e levando ao Espírito
informação através dos diversos sentidos
ordinários. As manifestações de consciência
de um encarnado seriam apenas uma pequena parcela de sua consciência
espiritual.
Consciente,
subconsciente e inconsciente
Como poderíamos entender
do ponto de vista espírita, termos como “inconsciente”
ou “subconsciente”? Para isso, é necessário
consultar primeiro o significado moderno desses termos (2),
o que nos leva a avaliar melhor a distância semântica
entre eles e os conceitos espíritas e a constatar, de forma
natural, que há uma diferença de objetivos no uso
desses termos. De fato, mais recentemente, na psicologia usa-se:
- consciente: é o estado de vigília,
em que estamos acordados e temos “consciência”
daquilo que nos rodeia. Veja que aqui o termo “consciência”
não significa a mesma coisa expressa anteriormente. Em
inglês usa-se “awareness” para designar esse
estado, uma palavra que não tem tradução
em português. “Consciente” refere-se a um “estado
da mente”, portanto, “consciência” é
simplesmente uma propriedade do estado consciente. Quando olho
para um objeto em cima de uma mesa, a percepção
de sua forma, a constatação de sua cor, a avaliação
mental que faço de seu peso (que nada tem a ver com seu
peso “real”) etc, indicam que estou “consciente“
dele. A percepção daquele objeto penetrou na minha
mente e, nesse instante, faço ideia do que ele seja;
- subconsciente: designa a percepção
de um estado mental quando não tenho minha atenção
“focada” em determinada coisa, objeto ou situação.
Ao ter consciência do objeto em cima da mesa, não
tenho simultaneamente lembrança alguma do que fiz no café
da manhã do dia anterior, mas posso “me lembrar”
caso faça um esforço nesse sentido. Assim, a extensão
da “informação subconsciente” é
muito maior do que aquela meramente consciente. Também
por subconsciente designa-se o estado mental que me faz caminhar
da minha casa ao trabalho, todos os dias, a prestar mínima
atenção ao que se passa ao redor de mim. Essa “automatização”
de atos, pelos quais faço algo “pensando em outra
coisa”, tem sua causa na ação do subconsciente.
O terreno ou “campo” da mente seria assim o “subconsciente”,
sendo que sua “consciência” seria semelhante
ao foco de uma lanterna dirigida para certo canto desse terreno;
- inconsciente: do ponto de vista da psicologia,
esse termo refere-se a algo ainda controverso. Designaria um repositório
de desejos, lembranças, sentidos instintivos que não
podem ser acessados facilmente, ou seja, que não podem
ser transformados em “objetos mentais conscientes”.
Um acontecimento traumático ocorrido em tenra infância,
segundo a moderna psicologia, pode permanecer para sempre inacessível
no inconsciente. Clama-se que esse acontecimento poderia afetar
o desenrolar da vida consciente do indivíduo por meio de
tendências psicológicas negativas inexplicáveis,
por exemplo.
Há espaço para uma
“interpretação” espírita desses
termos? Acreditamos que sim. Talvez a noção de “inconsciente”
tenha sido avançada indiretamente no Espiritismo como consequência
natural da comparação entre o estado de encarnado
e o de Espírito liberto. O comparativo "como Espírito”
é frequentemente encontrado em várias passagens de
"O Livro dos Espíritos" (grifos meus abaixo):
Em cada
uma de suas existências corporais o Espírito adquire
um acréscimo de conhecimentos e de experiência. Esquece-os
parcialmente, quando encarnado em matéria por demais grosseira,
porém deles se recorda como Espírito.
(2a Parte, "Do mundo espírita
ou mundo dos Espíritos", Cap. 8, parágrafo
455.)
Q# 858. Por que razão os que pressentem a morte a temem
geralmente menos do que os outros?
“Quem teme a morte é o homem,
não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais
como Espírito do que como homem. Compreende
ser ela a sua libertação e espera-a calmamente.”
Q# 221. Dever-se-ão atribuir a uma lembrança retrospectiva
o sentimento instintivo que o homem, mesmo quando selvagem, possui
da existência de Deus e o pressentimento da vida futura?
"É uma lembrança que ele conserva do que
sabia como Espírito antes de encarnar. Mas o orgulho
amiúde abafa esse sentimento."
Nessas respostas fica claro que o resultado das ações
conscientes do Espírito pode depender de seu estado, se encarnado
ou parcialmente desdobrado, quando ele acessa parte de suas memórias,
desejos e aspirações como Espírito imortal.
Portanto, o “inconsciente” existe e designa o conjunto
de lembranças, memórias e comportamentos do Espírito
integral, produto do processo evolutivo em múltiplas existências.
Não só traumas da existência atual, mas outros,
muito mais marcantes poderiam ter impacto na vida presente de um
encarnado. Isso parece ser validado por pesquisas recentes sobre
memórias de vidas anteriores.

Fig 1. Uma interpretação
espírita para os conceitos de 'inconsciente' e 'subconsciente'.
O Espírito encarnado é como um mergulhador (em seu
"escafandro de carne"), no grande oceano do inconsciente,
que é a memória integral e multissecular do Espírito.
Nesse oceano, um pequeno mar representa seu subconsciente, que dispõe
de toda informação de sua atual existência,
mas não diretamente acessível.
Viver significar acender uma lanterna que ilumina parte desse mar
e cujo foco é a atividade consciente, nosso "awareness"
ou consciência.
Muitas representações
em blocos da divisão entre inconsciente, subconsciente e
consciente estão erradas ao separar esses conceitos em camadas,
como se fossem ambientes contíguos. Na verdade, a consciência
do Espírito é o grande oceano "inconsciente"
do encarnado. Nesse oceanos encontram-se todas as lembranças,
memórias e experiências já vividas de sua vida
espiritual. Em algum canto dele, condicionado por seu estado encarnado,
um minúsculo mar existe, de experiências acumuladas
durante a vida presente a formar sua subconsciência. Nadando
com certa dificuldade nesse mar, vai a mente encarnada, dispondo
de uma lanterna a iluminar uma parcela ainda menor desse mar, que
confere a ela - enquanto encarnado - sua vivência consciente,
seu sentido de awareness, em suma, uma consciência bastante
limitada de sua existência no mundo (Fig.
1).
Por isso existe espaço para se dizer que, em certa medida,
a mente encarnada não dispõe de livre arbítrio
integral: ela está condicionada ao determinismo de sua vida
maior, aos interesses multisseculares de seu Espírito imortal.
Esse, por sua vez, é quem realmente toma as escolhas livres,
conforme subordina seus desejos e interesses de evolução,
ponderando suas próximas ações em consonância
com seus grandes dramas existenciais.
Outras observações
Não existem quaisquer divergências entre as concepções
espíritas sobre consciência, mente ou estados mentais
e as da moderna psicologia. O que se constata são significados
diferentes, frutos de uma diferença de concepção
do ser humano. A psicologia se interessa pelas manifestações
da consciência encarnada, enquanto que o Espiritismo avança
nas relações entre os Espíritos e o mundo material.
Pela identificação de causas ocultas – o Espírito
e suas múltiplas existências anteriores – é
possível expandir nossa compreensão sobre eventuais
ocorrências pregressas que têm impacto na vida encarnada.
Estamos assim diante de possibilidades de avanços significativos
para a psicologia.
É importante considerar que, de acordo com a literatura espírita,
a condição de “awareness” do Espírito
se assemelha à de seu estado encarnado (LE,
Q# 238). Assim, a descrição via “consciente”,
“subconsciente” e “inconsciente” talvez
possa ser estendida para os desencarnados dentro de certa aproximação.
Como desencarnado, o Espírito não mais se encontra
sob influência da matéria e portanto, pode acessar
conteúdo anterior ao de sua última existência.
Para Espíritos a partir de certo estágio de desenvolvimento,
a ideia de inconsciente desapareça totalmente (LE,Q
# 242, #305) e suas lembranças tornam-se acessível
integralmente, restando apenas o consciente e o subconsciente (ver
Questão #306a, 307 de “O Livro dos Espíritos”).
Como Espíritos, nossas percepções são
mais dilatadas (LE, Q# 237), portanto
podemos também concluir que as manifestações
de “awareness” do Espírito tenha uma dinâmica
bastante diferente daquela de seu estado encarnado. Vislumbres desse
novo consciente podem ser observados nos diversos fenômenos
psíquicos considerados “anímicos”, como
a “psicometria” (acesso a memórias associadas
a objetos), “telestesia” (consciência de fatos
distantes), “telepatia” (acesso a imagens e memórias
de outros Espíritos), dentro outros, que exigem, para sua
manifestação, que as percepções de vigília
estejam alteradas ou, de outra forma, que a influência do
organismo seja reduzida (LE, Q# 370).
Compreende-se que assim deva ser, porque a matéria (lê-se
cérebro) tem grande influência sobre as manifestações
da alma. Como são eles produtos de uma mesma causa, estamos
diante da explicação unificada para esses fenômenos.