"Existem duas maneiras de ser
enganado: uma é acreditar no que não é
verdade e a outra é recusar-se a acreditar naquilo
é."
Søren Kierkegaard

O que é ceticismo? Hoje,
é comum encontrar argumentos céticos em grupos que
discutem ou rebatem a possibilidade de fenômenos anômalos
(os eventos psíquicos são apenas um subconjunto desses
que engloba também as ocorrências de objetos voadores
não identificados ou, simplesmente, OVNIS dentre outros).
Segundo esse grupo de pessoas, a Ciência - entendida em uma
concepção particular - não sustenta, aprova
ou comprova a existência desses fenômenos. Em outras
palavras, os céticos das anomalias clamam para si a autoridade
da ciência para fundamentar sua opinião.
Mas, enquanto esse movimento cético pode parecer hoje em
dia algo bem moderno, isso não é verdade. Os que duvidam
sempre seguiram lado a lado com os que creram desde a mais remonta
antiguidade. Como a dúvida é a ausência da crença,
para se estabelecer como verdade um determinado fato (não
importa qual seja ele), é preciso fundamentar a dúvida
em princípios e são esses princípios que pretendemos
discutir aqui.
Na filosofia estabelecida como disciplina de estudo, conta-se que
Pirro de Elis (~ 300 a. C) pregava a postura da
ataraxia (paz da mente) ou falta de preocupação
com relação ao conhecimento das coisas, pois ele duvidava
que pudéssemos em realidade conhecer qualquer coisa. Pirro
pregava dessa forma a acatalepsia ou impossibilidade de
qualquer conhecimento. O ceticismo filosófico origina-se
assim da crença dos Skeptikoi ou escola de filósofos
que não afirmavam absolutamente nada, mas apenas davam sua
opinião. A atuação dos céticos foi importante
para o desenvolvimento da filosofia. No hinduísmo, a escola
Karvaka (por volta de 500 a. C) pregava a linha de pensamento materialista
ou de oposição a qualquer tipo de crença. Vê-se
assim que a argumentação cética que se contrapõe
à crença de qualquer tipo ou à possibilidade
de conhecimento não é coisa moderna.
Nas ciências - entendida como atividade dos cientistas tendo
suas próprias regras e proposições de raciocínio
- o ceticismo é comumente acreditado como tendo um papel
importante. É comum - embora incorreto - dizer que os cientistas
são céticos. A postura cética, dependendo do
momento e da maneira como é feita, pode tanto ajudar como
prejudicar o desenvolvimento científico. Há vários
exemplos na História da Ciência sobre isso.
Ao se estabelecerem como verdades provisórias, as teorias
científicas precisam erguer sistemas de proteção
que impeçam a modificação não desejada
desses princípios. Justamente por não ser necessário
'comprovar' sempre determinadas verdades é que se organizam
as ciências na forma de um corpo de princípios ou 'doutrina'.
Essa doutrina científica - que é, em essência
a teoria, não pode ser modificada ao longo do processo de
investigação na medida em que mais fatos a corrorborarem.
Existe assim uma orientação (ou heurística)
que impede que as ciências sejam modificadas. Muitas vezes,
essa heurística orientadora de proteção dos
princípios de conhecimento é confundida com o ceticismo.
Ela é, na verdade, uma postura de proteção,
pois sua tarefa é proteger o conhecimento, sem fechá-lo
a novas investigações.
Para que seja genuíno em sua aplicação, essa
postura tem que se expressar na forma de uma linguagem ou teoria
científica. Qualquer coisa fora disso pode ser considerado
ceticismo ordinário e não guarda qualquer
relação com a Ciência. Assim, podemos definir
o cético de forma geral (de acordo com o Webster's
Revised Unabridged Dictionary) como alguém que:
"Não está decidido
quanto ao que é verdadeiro, alguém que está
buscando o que é a verdade, um pesquisador de fatos e raciocínios."
Aqui, no ceticismo ordinário, como postura de direito inalienável
de cada um diante de fatos do mundo, existem uma infinidade de posicionamentos.
Para cada posicionamento, uma virtude ou defeito gerará essa
ou aquela consequência para a crença individual. Como
o referêncial de verdade é, muitas vezes, a própria
individualidade (embora muitos céticos digam que é
a Ciência), há que se julgar a postura cética
de acordo com as consequências que ela gera.
Nas considerações sobre o ceticismo, é preciso
antes discutir onde estão os alicerces para o estabelecimento
de afirmações sobre o mundo. De forma muito simples,
ao longo da história das ciências e da filosofia foi
possível ver que os fundamentos para o conhecimento estão
estabelecidos na autoridade - seja de determinados textos considerados
sagrados ou na pessoa de cientistas de renome. Veremos com certo
detalhe essa questão da autoridade mais adiante, quando estudarmos
os verdadeiros alicerces que fundamentam o conhecimento científico
genuíno.
Muitas vezes também o ceticismo tem como força motriz
a própria individualidade ou personalidade do cético
e ai deve-se invocar considerações sobre psicologia,
quando paixões humanas mais elementares tais como orgulho
ou a inveja entram em cena. Há pessoas que duvidam simplesmente
pelo prazer de se duvidar, sendo que a busca pela verdade quase
que nenhum papel toma parte. Outras se admiram com a atenção
dispensada pela maioria a determinadas pessoas envolvidas com fenômenos
anômalos (como é o caso dos eventos psíquicos,
os médiums) e passam a atacar de forma sistemática
a personalidade do envolvido. Essa admiração gera
a raiva que se prende à inveja ou desejo de atrair a mesma
atenção para si. Veremos também alguns fundamentos
psicológicos para as crenças céticas.
Pseudoceticismo
‘A Ciência ainda não
comprovou que existe vida após a morte nem que existem
Espíritos’.
No pseudoceticismo parte-se de premissas que invocam a autoridade
da ciência para contradizer ou invalidar explicações
para muitos eventos psíquicos (mas não a esses restritos)
tais como: possibilidade da sobrevivência, comunicação
com inteligências incorpóreas, experiências ou
vivências variadas anômalas como as de quase morte que
afirmam a independência da consciência do funcionamento
do cérebro, dentre outras.
Uma simples análise pelos campos bem definidos do conhecimento
científico atual mostra que inexistem disciplinas associadas
ou criadas para estudar os fenômenos anômalos. Ou seja,
temos aqui o problema do objeto de estudo. Como podem céticos
dogmáticos invocar a autoridade da Ciência para invalidar
explicações ou mesmo negar certos fatos que as ciências
comuns não estudam? A única ciência que se pode
invocar nesses casos é a que eles criam segundo suas próprias
crenças, as crenças céticas.
Com relaçao a anomalias, é importante dizer que existem
dois tipos:
1. Anomalias que ocorrem dentro
de um determinado paradigma científico ou teoria;
2. Anomalias que não se relacionam a qualquer teoria científica,
caracterizando eventos de natureza diferente do escopo de aplicação
das ciências ordinárias.
As anomalias do primeiro tipo são
tratadas de forma específica dentro do desenvolvimento de
uma ciência bem estabelecida. Isso porque são descritas
em termos de uma linguagem específica, a linguagem da teoria.
Elas levam a uma situação de crise dentro do paradigma
aceito que é resolvido pela proposição audaciosa
de novas explicações. Ao se incorporarem na forma
de novos paradigmas, tornam-se fatos que suportam novas teorias.
As anomalias do segundo tipo, sendo órfãs de uma disciplina
científica específica, são território
selvagem, ou seja, terras novas onde novos objetos de estudo peculiares
devem ser reconhecidos. Mas reconhecidos por quem? Pelos cientistas
das ciências que não estudam esses fenômenos?
Então só podem ser validados e estudados por quem
se disponha a aceitá-los primeiramente tais quais se apresentem.
Invocar a autoridade das ciências que se estabeleceram para
estudar assuntos específicos para invalidar ou contradizer
fatos considerados anômalos ou que contradigam a experiência
ordinária é o mesmo que pretender usar um médico
como revisor de um trabalho de física, ou um físico
para aprovar certas considerações de um biólogo.
Em tudo há a necessidade de se consultar especialistas, mas,
no caso dos fenômenos psíquicos e espíritas
eles não podem ser encontrados entre os especialistas das
ciências ordinárias como querem muitos céticos
dogmáticos. Isso é um absurdo lógico que passa
despercebido em muitas discussões céticas.
Mas qual a causa disso? Uma análise simples revela que a
causa é a necessidade de invocar sobre si uma autoridade,
para que sua argumetação tenha valor. Em suma, a Ciência
e sua autoridade são invocadas para validar as crenças
céticas.