Falácia
de relevância: Argumentum ad Autoritatem
É importante dizer que o argumento
da autoridade não constitui sempre uma falácia. A base
do argumento é que determinada afirmação é
verdadeira porque alguém, entendido no assunto, disse que assim
é ou não é. O problema com esse tipo de argumento
ocorre quando a autoridade não está absolutamente
garantida ou quando ela é falsa. Portanto, a validade
do argumento é uma probabilidade que vai a zero quando o argumento
tem base em falsa autoridade. Em assuntos onde essa autoridade é
aplicável, o argumento é válido sob determinadas
condições.
A Fig. 1 é um exemplo interessante e até cômico
disso. Trata-se de uma propaganda antiga do cigarro Camel. A imagem
é de um médico com um cigarro (justaposta a uma imagem
da marca). A propaganda pretende induzir fumantes a consumirem o cigarro
Camel porque ele é o mais fumado entre médicos. Há
várias mensagens implícitas nessa propaganda. Uma delas
é que médicos também fumam, o que significa que
fumar não seria tão ruim assim para a saúde.
Mas, como a imagem do cigarro está associada à perda
progressiva de saúde, então, fumar cigarro dessa marca
é preferível porque médicos, os especialistas
em saúde humana, fumam mais dele!
É costume também chamar esse tipo de falácia
de argumentum ad vericundiam (ref. 1, recurso à autoridade
desqualificada, Fig.2). Simplesmente porque alguém é
uma grande autoridade qualificada em determinado assunto (principalmente
quando esse assunto é considerado relevante), não dá
a ela autoridade sobre qualquer outro.
Disso surgem inúmeros usos indevidos, na defesa dos mais diferentes
pontos de vista. No campo das controvérsias científicas
ou assuntos de fronteira, a aplicação desse argumento
é generalizada.
Fig. 2 A base da falácia está no
fato de que Y, embora seja autoridade em alguma coisa, não
está qualificada para julgar a proposição X.
No campo
da fenomenologia psíquica...
Dentre os argumentos listados em (2), encontramos este, que representa
a opinião típica expressada por céticos dos fenômenos
mediúnicos ou psíquicos:
Não
me interessa quão boa a sua evidência é, não
acredito nela até que a maioria dos cientistas também
a aceite. A evidência que você apresenta não
pode estar certa porque isso significa que centenas de livros texto
ou milhares de especialistas estão errados. (3)
A base do argumento é, claramente,
a opinião de especialistas que teriam uma suposta autoridade
na qualificação ou não de uma evidência.
Aqui temos um exemplo que se confunde com a falácia ad
Populum, uma variedade de falácia com base na quantidade
dos que sustentam opinião contrária. Na mesma linha,
encontramos (4):
Sua evidência não pode
ser real porque não é possível que milhares
de pesquisadores não a tenham percebido antes durante todos
esses anos. Se sua descoberta fosse real, cientistas que trabalham
nesse campo já estariam sabendo.
Não importa se a evidência
está relacionada a um evento raro ou se exige condições
especialíssimas (que nunca foram obtidas por estudos acadêmicos
em momento algum do passado), esse tipo de argumento parece fazer
sentido aos que se ligam ao argumento da autoridade. É um tipo
de enceguecimento da mente, que obsta uma compreensão dilatada
das coisas, e que cria uma separação entre a realidade
e aquilo que é popularmente aceito, que acaba valendo mais
no contexto das opiniões prontas do momento.
Embora esse argumento seja logicamente equivocado, não deixa
de ter profunda influência na cabeça de muitas pessoas
e atinge até decisões de investimento quando se trata
de definir áreas de investigação na fronteira
do conhecimento ou em campos potenciais onde a pesquisa científica
financiada publicamente jamais se aventurou.
Kardec sobre o argumento.
Também na época de Kardec, houve céticos
que invocaram o argumento da autoridade para desqualificar tanto a
teoria espírita dos fenômenos como eles próprios.
Sobre isso, Kardec pondera (5):
Com relação às
coisas notórias, a opinião dos cientistas é,
com toda razão, fidedigna, porquanto eles sabem mais e melhor
do que o vulgo. Mas, no tocante a princípios novos, a coisas
desconhecidas, essa opinião quase nunca é mais do
que hipotética, visto que eles não se acham, menos
que os outros, sujeitos a preconceitos. Direi mesmo que o cientista
tem, talvez, mais preconceitos que qualquer outro, porque uma propensão
natural o leva a subordinar tudo ao ponto de vista donde mais aprofundou
os seus conhecimentos: o matemático não vê prova
senão numa demonstração algébrica, o
químico refere tudo à ação dos elementos,
etc. Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias
à especialidade que adotou. Tirai-o daí e o vereis
quase sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho:
conseqüência da fraqueza humana. Assim, pois, consultarei,
do melhor grado e com a maior confiança, um químico
sobre uma questão de análise, um físico sobre
a potência elétrica, um mecânico sobre uma força
motriz. Hão, porém, de permitir-me, sem que isto afete
a estima a que lhes dá direito o seu saber especial, que
eu não tenha em melhor conta suas opiniões negativas
acerca do Espiritismo, do que o parecer de um arquiteto sobre uma
questão de música. (Grifos nossos)
Essa passagem demonstra que Kardec
já expressava talvez a opinião mais lúcida de
sua época com relação a críticos que insistem
em contrapor a autoridade científica a fenômenos que
não fazem parte de seu escopo (pelos quais ela não se
interessa). É bastante evidente que a especialização,
embora tenha a enorme vantagem de prover tempo dedicado ao estudo
de um determinado assunto, limita a abrangência ou visão
com relação a quaisquer fatos ou fenômenos fora
dela.
Isso acontece frequentemente mesmo dentro da atividade acadêmica
normal, onde a opinião de um cientista de uma determinada área
pode se mostrar deficiente se aplicada a outros tipos de fenômenos
(os que são verdadeiramente sensatos reconhecem suas limitações).
Imaginemos agora o que poderíamos esperar com fenômenos
totalmente diversos daqueles observados na natureza material.
(5) Kardec A. "O Livro dos Espíritos",
Introdução ao estudo da Doutrina Espírita , VII.
Texto de www.ipeak.com.br