William
James (1842-1910) foi um dos pais fundadores da psicologia
norte americana. Em uma palestra entitulada “Lecture on Human
Immortality” (2), James chama a atenção para
uma particularidade interessante entre os tipos de função
e sua relação com objetos ou dispositivos que as geram.
Ele explora essa particularidade na compreensão da gênese
da consciência humana. Em particular, W. James nota que fisiologistas
(ou neurocientistas mais recentemente) costumam considerar a consciência
como ‘gerada pelo cérebro’ do mesmo modo que
o movimento é gerado pelo trabalho do motor de um automóvel
ou, para usar o exemplo dado por James, ‘como o vapor é
gerado pela água fervente na chaleira’ ou como a música
é produzida pelo instrumento musical. Dessa forma, a consciência
seria gerada pelo cérebro da mesma forma como a digestão
do alimento é feita pelo estômago ou o metabolismo
de substâncias tóxicas é feito pelo fígado.
“Conforme a função, assim é o órgão”,
como se diz. Acho que poucos discordariam que essa é a ideia
dominante entre especialistas no assunto, gozando inclusive de larga
popularidade.
Porém, afirma James, essa não é a única
maneira de se entender como uma função está
aparentemente relacionada ao objeto que a produz. Há também
as funções transmissivas que se contrapõem
à ‘função produtiva’ como no caso
do som e instrumento musical que o produz. O que seria isso? Alguns
exemplos simples são suficientes para esclarecer: o teclado
do órgão não produz o som, que é na
verdade gerado no interior dos tubos por onde passa o ar sob pressão.
Nesse caso, o teclado é apenas um veículo para transmissão
da informação que irá produzir o som. Do mesmo
modo, lentes ou sistemas ópticos não geram os padrões
de luz, mas apenas transmitem e modificam a luz original que neles
penetra. Seria errôneo acreditar que a luz é produzida
no interior desses dispositivos. Mais recentemente poderíamos
incluir a televisão e o telefone como exemplos de funções
transmissivas: ninguém realmente acredita que os sons e imagens
gerados por esses equipamentos sejam efetivamente gerados
no interior deles.
No que isso pode ajudar a esclarecer o problema da consciência
e imortalidade? Aqui fazemos uso de um exemplo que chamamos de ‘Prisma
de James’ (Fig. 1). Todos
sabemos que luz branca, ao passar por um prisma é refratada
e se decompõe em diversas cores (um fenômeno chamado
‘espectro’).
Destacamos:
Fazendo uso dessa analogia simples afirmamos nossa comparação
(Fig. 1):
“A personalidade humana (espectro)
é uma manifestação da consciência (luz
branca), ou seja, o prisma (cérebro) não gera as
cores (personalidade humana, comportamentos, psicologia etc) que
preexiste na luz branca (consciência). Ou, de outro modo:
o prisma (cérebro) tem função transmissiva,
permitindo que a luz branca (consciência) se manifeste de
várias cores (personalidade), conforme a disposição
geométrica e material do prisma (cérebro)."
Essa analogia é muito interessante pois,
tanto no caso do prisma como no caso do cérebro é
muito difícil separar as duas coisas, o instrumento,
órgão ou dispositivo, da fonte original
que é independente e inacessível. É
impossível separar as cores sem usar um prisma (ou uma
rede
de difração), da mesma forma como não
é possível acessar o Espírito ou a consciência
sem o cérebro. Repetimos: as cores são propriedades
da luz e não do prisma, assim como a personalidade é
gerada pelo Espírito e não pelo cérebro (com
todas as considerações de 'carga genética'
junto...).
Assim, materialistas que consideram a consciência um produto
da atividade cerebral estão erroneamente tomando o instrumento
como causa. É como se acreditassem que o prisma gera
as cores.
E, também, qualquer modificação aparente no
espectro visível (aquilo que é tangível) pode
ser explicada como um processo de modulação da fonte
original por alguma mudança intrínseca no dispositivo:
colorindo-se o cristal do prisma faz-se o espectro desaparecer exceto
pela cor escolhida. A atuação de substâncias
neuroquímicas não produz, de fato, a alteração
da consciência, mas apenas igualmente modula sua fonte original
produzindo um comportamento diferente. A luz não desaparece
no interior do prisma pela coloração desse, da mesma
forma como a consciência ou Espírito não desaparece
no cérebro, mas antes sua manifestação é
suprimida ou amplificada pela atuação dessas substâncias
ou por outros motivos.
Conclusão
Será que o cérebro é o único órgão
que tem função transmissiva? A resposta é não.
Os nervos, por exemplo, transferem impulsos elétricos –
que têm claramente origem no cérebro – e não
são primariamente responsáveis pelos movimentos dos
músculos. O sistema nervoso periférico tem assim uma
função gradativamente transmissiva, passando pelo
sistema nervoso central até a fonte original de tudo
que é a consciência ou Espírito. Esse, por sua
vez, permanece e sobrevive à desintegração
do cérebro tal como a luz branca continua a existir ainda
que suas cores não sejam plenamente visíveis por causa
da destruição do prisma.
O cérebro tem papel nos processos mentais como o de um filtro
óptico ou sistema de transmissão. Em que pese todos
os esforços no sentido do mapeamento de funções
mentais em compartimentos bem definidos no cérebro, isso
nada significa realmente no sentido de estarmos acessando a fonte
original dessas funções (3).
Portanto, até o momento, a ideia ou noção
de que o cérebro é a fonte original da consciência
somente pode ser defendida como uma hipótese que depende
da validade da teoria produtiva aplicada ao cérebro.
Para torná-la completamente válida, seria necessário
explicar ou ‘reduzir’ os processos mentais a operações
elementares no cérebro, um passo que não para na bioquímica,
talvez envolva a física e está muito longe de ser
feito.
O prisma de James é uma metáfora para entender a origem
da consciência. Ela torna compreensível uma via para
entender o dualismo, mas é limitada. Discutiremos no futuro
outras considerações e detalhes pertinentes em direção
a uma explicação mais completa e abrangente para o
problema.