Se a física é a ciência
que trata da estrutura íntima da matéria, a energia
(do grego antigo: energeia
ou "atividade", "operação") é
a quantidade física de menor semelhança com qualquer
coisa sólida ou material que se possa imaginar. Por isso mesmo,
ela tem sido utilizada - de forma inapropriada - por grandes grupos
de espiritualistas (de várias vertentes, cultos, crenças
e nacionalidades) em suas narrativas de fenômenos ou eventos
de natureza 'espiritual', ou mesmo fatos corriqueiros sem qualquer
significado transcendente. Fala-se em 'energias espirituais', 'energias
curativas' ou 'curas energéticas'. Existe ainda as 'energias
positivas e negativas' e por ai vai.
Nosso objetivo aqui não é criticar o uso desta palavra
nesses contextos, mas esclarecer o significado de 'energia' que é
utilizado em muitas disciplinas acadêmicas como a física,
química e biologia. De fato, não somente entre espiritualistas
(veja a frase de B. Russel acima), a palavra 'energia' recebe acepções
muito diferentes para muitos grupos, sendo talvez o exemplo mais contundente
de polissemia que se pode dar. Nosso objetivo aqui é resgatar
o sentido original dessa palavra.
O que é energia? Todos temos
algum contato com algum tipo de processo ou sistema que faz uso de
energia. Na vida moderna, televisores, computadores, telefones celulares,
carros etc são exemplos de equipamentos que, para funcionarem,
precisam de energia. Sabemos que, se não forem supridos com
ela, seu funcionamento é paralisado. Também nossos corpos
precisam de energia. A privação do alimento leva à
inanição e mesmo à morte. Mas, todos sabemos
que, para funcionar, tais equipamentos e mesmo nossos corpos não
são 'alimentados' com nada 'sutil', 'invisível' ou imponderável.
Sabemos que, para funcionar, um carro precisa de combustível
que se apresenta na forma líquida, na maior parte das condições
climáticas que habitamos. Para continuarmos vivendo ingerimos
alimentos, na forma sólida ou líquida, nada aparentemente
sutil - pelo menos no que diz respeito ao quanto tais coisas podem
sensibilizar nossos sentidos.
Energia em física, química
e biologia, é um termo essencialmente técnico que se
refere a algo imponderável (não podemos 'captar' ou
perceber a energia com nossos 5 sentidos), mas que pode ser medido.
Trata-se de uma medida de capacidade ou propensidade de um sistema
ou processo em realizar trabalho. Energia e trabalho são
termos irmãos. O termo 'trabalho' ordinariamente é utilizada
com significado totalmente diferente. Falamos em 'hoje não
vou trabalhar' para se referir à atividade ou meio de produção
a que me dedico diariamente. Entretanto 'trabalho' no sentido dado
pela física é uma medida de variação de
energia de um sistema.
Energia pode-se apresentar nas formas mais variadas: fala-se em energia
nuclear (quando trabalho é extraído do interior do núcleo
atômico), energia química (quando trabalho é extraído
da eletrosfera dos átomos), energia luminosa (quando luz pode
ser usada para produzir trabalho), energia elétrica (quando
cargas em movimento realizam trabalho), energia hidroelétrica
(quando trabalho pode ser extraído da vazão e queda
de grandes volumes de água através de geradores elétricos),
energia potencial (quando a capacidade de um sistema em produzir trabalho
está armazenada de forma potencial, isto é, não
'cinética'), energia térmica (quando trabalho pode ser
extraído do movimento de moléculas) etc. Mais importante
do que compreender que existem diversos tipos de energia é
saber que a ela está associada um valor que as fazem todas
equivalerem entre si quantitativamente.
Exemplos de transformações energéticas
entre sistemas físicos.
Por causa disso, fala-se em transformar 'energia elétrica'
em 'energia cinética' (em motores elétricos) ou vice-versa
(em geradores elétricos), em transformar energia química
em eletricidade (em baterias elétricas) ou vice-versa (quando
se 'carregam' as baterias) e assim por diante. Até hoje ainda
não se conseguiu encontrar nenhum sistema para o qual a lei
de 'conservação de energia' não possa ser aplicada.
Uma vez gerada, energia não pode ser destruída, embora
uma fração da energia presente em um sistema físico
(qualquer que seja ele) se perde de forma irreversível, fazendo
com que não possamos extraír toda a energia potencial
associada a esse sistema. Isso dá origem ao termo 'eficiência'
(uma porcentagem) que mede o trabalho máximo que se pode
produzir por um sistema que é sempre menor do que o disponíbilizado
por sua fonte energética. Por exemplo, baterias solares tem
eficiência de 14%, o que significa que apenas 14% da energia
solar é convertida em eletricidade nessas baterias.
De qualquer forma, energia não se refere a 'algo' que exista
concretamente, que se possa ver ou tocar (o que é diferente
do 'Espírito' que é algo que existe embora de forma
'incorpórea'). Quando sentimos o calor na proximidades de
uma chapa quente, não estamos 'sentindo energia térmica'.
Há certa quantidade de energia armazenada na chapa (a uma
temperatura acima da ambiente) que é transferida para as
moléculas em torno da chapa. Essas moléculas (de ar)
adquirem velocidades superiores às velocidades médias
das moléculas que estão à temperatura ambiente.
Nossa pele tem 'células' capazes de sentir a colisão
dessas moléculas mais rápidas, o que que se manifesta
em nós como uma sensação do calor.
Do ponto de vista semântico, assim, a palavra energia não
se refere, na física, biologia ou química a nada que
se possa ver ou tocar. Desta forma, luz não é 'energia'
tecnicamente falando, pois a luz é considerada um tipo de
radiação ou movimento de ondas de natureza definida
pela teoria física. Entretanto, talvez por não se
referir a algo ponderável, o termo adquiriu outra conotação
quando caiu no gosto popular. Assim, é comum ouvir-se que
'luz é um tipo de energia'.
Energia tornou-se um dos termos mais polissêmicos na atualidade
por representar uma 'novidade' que confere atualização
ou modernidade para a linguagem de muitos movimentos espiritualistas,
mas que não tem nenhuma relação com sua acepção
original. Colocado dessa maneira, seu uso não representa
endosso das várias disciplinas acadêmicas para as novas
formas de 'energia' que se está a propor.
Referências
Para saber mais sobre polissemias veja A.
P. Chagas,'Polissemias
no Espiritismo'. Revista Internacional de Espiritismo,
setembro de 1996, pp. 247-49.
Comentários:
Ótima idéia esclarecer
sobre o significado da palavra energia. Já ouvi palestras
espíritas em que o orador, mesmo bem intencionado, afirmou
que poderia explicar que o Espírito, em sua essência,
é uma energia. Se energia pode se transformar de um tipo
para outro, então estamos perdidos se em essência nós
somos energia...
Uma forma de apresentar o que é energia
que considero bem bacana está registrada no Wikipedia, e
atribuída a Richard Feyman:
"There is a fact, or if you wish, a law, governing all natural
phenomena that are known to date. There is no known exception to
this law—it is exact so far as we know. The law is called
the conservation of energy. It states that there is a certain quantity,
which we call energy, that does not change in manifold changes which
nature undergoes. That is a most abstract idea, because it is a
mathematical principle; it says that there is a numerical quantity
which does not change when something happens. It is not a description
of a
mechanism, or anything concrete; it is just a strange fact that
we can calculate some number and when we finish watching nature
go through her tricks and calculate the number again, it is the
same. —The Feynman Lectures on Physics"
Tirado de http://en.wikipedia.org/wiki/Energy
Um abraço,
Alexandre Fonseca"