“Nimbus II” (Berndnaut Smilde)
Muitas vezes, na apresentação
da fenomenologia espírita (mediúnica ou psíquica)
somos indagados a respeito de 'explicações mais detalhadas'
para uma grande variedade de fenômenos. Por exemplo, há
pessoas que acreditam que a tese espiritualista apenas será
'comprovada' quando pudermos quantificar e medir a fonte de informação
espiritual por meio de alguma ideia que explique essa fonte (o Espírito),
seja por algum tipo de matéria sutil formada por partículas
invisíveis etc.
Daí surgem muitas tentativas de se utilizar conceitos primitivos
da física com os fenômenos anômalos ou psíquicos.
Parece natural querer explicar a influência espiritual por
meio da invocação de conceitos como campo sutil, energias
de diversos tipos etc.
Ainda que não sendo exatamente
das teorias da física que seremos capazes de fazer o conhecimento
a respeito das ciências psíquicas avançar, não
podemos deixar de concordar que a
epistemologia
da física nos fornece exemplos excelentes
sobre modelos de teorias, a fim de que possamos compreender a situação
presente com essa fenomenologia psíquica. Nesse sentido é
importante considerar a existência (do ponto de vista epistemológico)
de dois tipos bem distintos de teorias. Recorremos para isso do
artigo "
Teorias construtivas e teorias fenomenológicas"
de S. Chibeni:
Teorias fenomenológicas.
Classificam-se como tais as teorias cujas
proposições se refiram exclusivamente a propriedades
e relações empiricamente acessíveis entre
os fenômenos (fenômeno: aquilo que aparece aos sentidos).
Essas proposições descrevem, conectam e integram
os fenômenos, permitindo a dedução de consequências
empiricamente observáveis. Exemplos importantes de teorias
fenomenológicas são a termodinâmica, a teoria
da relatividade especial e a teoria da seleção natural
de Darwin.
Teorias construtivas. Em
contraste com as teorias fenomenológicas, as teorias
construtivas envolvem proposições referentes a
entidades e processos inacessíveis à observação
direta, que são postulados com o objetivo de explicar
os fenômenos por sua “construção”
a partir dessa suposta estrutura fundamental subjacente. Exemplos
característicos desse tipo de teoria são a mecânica
quântica, a mecânica estatística, o eletromagnetismo,
a genética molecular e grande parte das teorias químicas.
É possível distinguir
os tipos de explicação em duas classes: a das teorias
fenomenológicas (entendido está que um 'fenômeno'
é aquilo que é acessível aos sentidos). São
explicações que partem de princípios estabelecidos
e que procuram derivar previsões ou descrições
para diversos fenômenos. As teorias construtivas (esse nome
foi criado por A. Einstein, 1954) procuram estabelecer explicações
a partir da proposta de leis e princípios para 'entidades
não acessíveis à observação direta'
(não observáveis). Dessa forma, a química explica
os fenômenos de reatividade entre elementos a partir da postulação
(Nota 1) da existência
de átomos.
A teoria da relatividade de Einstein (assim como a Mecânica
clássica) é uma teoria fenomenológica. Mas
o exemplo mais famoso de teoria fenomenológica que existe
é a termodinâmica, ou a parte da física que
explica o funcionamento de processos térmicos ou termodinâmicos.
Um cientista termodinâmico estará muito feliz em explicar
seus fenômenos usando os princípios gerais de sua ciência
(a primeira e segunda lei termodinâmica). Ele
não
precisa de átomos para isso (com relação
a essa classificação para a Medicina,
ver
Nota 2).
Mas quais seriam as vantagens e desvantagens de cada uma dessas
abordagens epistemológicas? É natural imaginar que
a ciência começa fenomenológica e atinge seu
auge de forma construtiva? Isso também foi respondido por
Einstein (1954):
As vantagens das teorias construtivas
são a completude, adaptabilidade e clareza. As vantagens
das teorias de princípios (fenomenológicas) são
a perfeição lógica e a segurança de
fundamentos.
Explicações
baseadas em princípios gerais são mais bem estabelecidas
(sofrem menor abalo os fundamentos) e permitem aplicação
mais direta da lógica. Já as explicações
construtivistas permitem maior adaptação (explicam
extensões de fenômenos) e são mais completas.
Com relação às previsões possíveis
com explicações científicas, ambas as classes
de teorias permitem previsões (que é um tipo diferente
de explicação aplicada a fenômenos ainda não
descobertos). A história da física mostrou que muitas
explicações começaram como fenomenológicas
e atingiram um ponto de maturação como explicações
construtivas. No caso que já discutimos, o da termodinâmica
(que permanece como uma teoria independente) foi consideravelmente
ampliada por teorias que admitiram a existência do átomo.
Assim, muitos princípios termodinâmicos podem ser
'explicados' como derivados de leis mais profundas que regulam
a interação e dinâmica de átomos.
E no caso da fenomenologia
psíquica?
Podemos tentar classificar os tipos
de explicações que se inventaram para a imensa variedade
de fenômenos psíquicos existentes. Por exemplo, explicações
de origem parapsicológica (mais recentemente rebatizada de
'psicologia anomalística')
tem aversão a 'princípios' e procuram montar explicações
puramente factuais dos fenômenos. Grande parte do insucesso
da parapsicologia - do ponto de vista dos céticos - foi sua
incapacidade de prover uma explicação naturalista
dos fenômenos. Por isso entendem eles que as ciências
psi deveriam fornecer explicações para os fatos psíquicos
usando princípios largamente aceitos (sejam eles fenomenológicos
ou construtivos). A parapsicologia demonstrou ser apenas uma maneira
diferente de se descrever determinadas ocorrências consideradas
anômalas. Por exemplo, psi-theta (rebatizado para fenômenos
de efeitos físicos) e psi-gamma (rebatizado para fenômenos
de efeitos intelectuais) são tão somente nomes pitorescos
para classes de fenômenos psíquicos distintos na sua
variedade de manifestação e que foram bem descritos
antes do final do século 19.
A história das ciências
psi depois do Espiritismo tem sido mais uma arte criativa de invenção
de nomes diferentes e aparentemente sérios numa tentativa
desesperada de convencer céticos da realidade dos fenômenos.
Mais recentemente há nova
tentativa de se montar explicações para os fenômenos
psíquicos que partem de teorias construtivas. Assim, ao se
utilizar ideias como 'emaranhamento quântico' na explicação
da transmissão de pensamento (rebatizado de telepatia), os
proponentes (Radin, 2006) são obrigados extrapolar conceitos
muito específicos de entidades inobserváveis da física
para se ter uma explicação considerada satisfatória.
Mas, podemos nos perguntar se isso é uma explicação
satisfatória, no sentido de conseguir fazer o conhecimento
avançar realmente ou se, na verdade, estão apenas
realizando novo rebatizo, em termo do qual tudo seria mais facilmente
aceito pelos céticos. Assim, aparentemente, ainda estamos
na fase de 'pré-ciência' em se tratando de fornecer
nomes diferentes ao invés de explicações em
termos das quais os fenômenos psíquicos seriam finalmente
comprovados 'cientificamente' (isto é, "aceitos pelos
céticos").

As explicações para os fenômenos psíquicos
em 'O Livro dos Médiuns' constituem princípios de
uma teoria fenomenológica
Vimos que, para que seja uma boa explicação, uma teoria
não necessariamente tem que ser feita em termos de princípios
construtivos. É preciso, além disso, saber separar
o que há de verborragia e de princípios fundamentais
subjacente em uma explicação de um determinado fenômeno
psíquico. Não podemos nos esquecer que muitos dos
fenômenos psíquicos foram estudados nos albores do
Espiritismo por A. Kardec, que chegou a formular uma teoria fenomenológica
para eles. Essa teoria está contida em '
O
Livro dos Médiuns'. Os princípios dela
são:
1. Sobrevivência do ser
em outra unidade (Espírito) que carrega informação
além do corpo material;
2. Comunicabilidade: possibilidade de comunicação
entre essas unidades envolvendo mecanismos não materiais;
3. Influência do organismo material no processo de comunicação;
Esses são os princípios que permitem uma grande estabilidade
e coerência lógica na obtenção de explicações
(desde que se tenha competência para isso). A partir deles
e de outras regras empíricas é possível obter
e prever fenômenos distintos. Não
precisamos nenhuma explicação adicional
- a respeito, por exemplo, do mecanismo (construtivo)
que viabilize o princípio 2 - para aplicá-los na explicação
de ocorrências específicas.
Agora, muitos que rejeitam esses
princípios o fazem porque acham que
dos
fenômenos se deve derivar as causas, ou porque
se tem interesse
em convencer céticos.
O primeiro problema é uma visão equivocada do processo
de geração de conhecimento (sobre o que já
tratamos anteriormente, ver post sobre o
positivismo lógico e o indutivismo ingênuo
e
Nota 3). Quanto
à segunda postura, ela claramente envolve um objetivo que
não é o de fazer o conhecimento progredir, mas o de
convencer os céticos antes de tudo.
Portanto, cremos que não será possível fazer
o conhecimento a respeito dos fenômenos mediúnicos
e psíquicos andar sem teorias inicialmente fenomenológicas,
calcadas em princípios que tornem tais explicações
estáveis o suficiente para possibilitar o progresso científico.
Por outro lado, acreditamos também que, no futuro, tais explicações
serão suplantadas por teorias construtivas que embasarão
e explicarão os princípios das teorias precedentes
(que são reconhecidamente incompletas). Não temos
elementos no presente para desenvolver tais teorias construtivas
para os fenômenos psíquicos.
Novo comentário acrescentado em 16/4/2012
O que distingue teorias fenomenológicas das teorias construtivas
não é exclusivamente o fato de as últimas se
basearem em entidades não observáveis. As teorias
fenomenológicas se baseiam em princípios que se estabelecem
como relações entre fenômenos. Já as
teorias construtivas postulam princípios entre entidades
não necessariamente observáveis, mas a partir das
quais fenômenos são derivados. Portanto, teorias construtivas
são mais 'completas' no sentido de permitirem maior amplitude
de previsão e capacidade de explicação do que
as teorias puramente fenomenológicas. Estas, por sua vez,
por tratarem princípios que se relacionam diretamente a fenômenos,
gozam de maior estabilidade, pois não se podem negar fatos
ou ocorrências experimentais, o que é facilmente feito
com outros tipos de entidades que são objeto das teorias
construtivas.