Todo
ser aspira, em virtude de sua constituição, ao alvo
de sua existência. O homem tende à perfeição
intelectual e espiritual! Se o homem é destinado a conhecer
o Universo, que eleve seus olhos e seus pensamentos para o céu
que o cerca e para os Mundos que voam por cima de si. É um
quadro, um espelho em que ele pode contemplar e ler as formas e as
leis do bem supremo, o plano e a organização de um perfeito
connjunto...Estudar a ordem sublime dos Mundos e dos entes que se
reúnem em coro para constar a grandeza de seu Senhor, é
a ocupação mais digna de nossas inteligências.
(Giordano Bruno, 1591, "De Immenso
et Innumerabilibus".)
A época
que vivemos é muito especial para a Astronomia. Temos visto
notícias fascinantes, sobre a descobertas de novos mundos,
novos astros, novas Terras. Em pouco tempo, cresceram as conclusões
do mundo científico em direção à realidade
de outros planetas fora de nosso sistema solar.
A velocidade com que essa constatação
é feita só não é maior do que a expressividade
com que ela é confirmada: quantos seriam os planetas fora
de nosso sistema solar disponíveis? Até pouquíssimo
tempo, havia a esperança de que talvez fossemos capaz de
descobrir alguns planetas parecidos com a Terra no enorme redemoinho
de estrelas que constitui a chamada 'Via-Láctea'. Agora,
a realidade é bem diferente.
A Via-Láctea (Fig. 1) é um turbilhão
composto de aproximadamente 300, quiçá 400, bilhões
de estrelas (isso mesmo 'bilhões', o número exato
não é conhecido, Nota 1) unidas por uma força
coesiva em direção ao seu centro. A dimensão
desse sistema é coisa inimaginável: um raio de luz
partindo de uma borda levaria cerca de 100 mil anos para chegar
a outra borda. Esse mesmo raio de luz viaja a outros inimagináveis
valores de velocidade, de forma a atravessar 10 trilhões
de quilômetros em 1 ano (o que equivale a 300 mil quilômetros
por segundo). As escalas são grandes demais, tudo é
inconcebível para a mente humana. Por exemplo, o Sol viajando
a impressivos 250 quilômetros por segundo em torno de seu
centro leva cerca de 250 milhões de ano para completar uma
revolução completa (o chamado 'ano galáctico').
As dimensões da escala galáctica atestam a dificuldade
e insignificante probabilidade de conseguirmos detectar diretamente
um mundo como nosso orbitando uma estrela desse sistema colossal.

Fig. 1 Concepção artística
moderna da Via-Lactéa vista 'do topo'.
Um sistema estelar com quase meio trilhão de estrelas e,
agora, quase um trilhão de planetas.
O sol localiza-se a 30 mil anos luz do centro no chamado 'braço
de Órion'.
Crédito da Imagem: R. Hurt, SSC.
Mas esses não seriam os únicos
números colossais que a Astronomia iria revelar sobre a Via-Láctea.
Em um artigo recente (Cassan, 2012), um time de astrônomos usando
modernas técnicas indiretas de 'microlentes gravitacionais'
demonstraram que o número médio de planetas orbitando
estrelas na nossa galáxia é estimado como maior que
1, possivelmente 2 (ou mais). Essa quantidade varia conforme o tamanho
do planeta (planetas menores que Júpiter seriam mais numerosos).
Dado um limiar superior de meio trilhão de estrelas na Via
Láctea, há implicações diretas sobre o
número total de planetas existentes em toda galáxia:
talvez algo próximo a 1 trilhão de planetas!
A heresia de Giordano Bruno (Nota 2) se torna realidade. Embora a
dificuldade na medida das dimensões de planetas do tamanho
da Terra, já foram descobertos diversos planetas externos (ver
Fig. 2) pela missão Kepler,
baseando-se em buscas em estrelas muito próximas ao Sol.
De fato, o que o time liderado por Arnaud Cassan (Cassan, 2012) mostrou
é que planetas são regra e não exceção
("We conclude that stars are orbited by planets as a rule,
rather than the exception"). As forças que arregimentam
a matéria no processo de formação estelar quase
sempre deixam restos que se torna planetas. Diante desse novo número
astronômico, as perspectivas de se encontrar vida como a nossa
em outros planetas tornam-se incontestáveis.
Uma ideia antiga que o Espiritismo
tem como princípio.
A ideia de que existiriam outros mundos
semelhantes à Terra e de que eles seriam habitados não
é nova (Nota 3). Mas, certamente,
tal noção não foi muito popular ao longo dos
séculos, pois contava com o obstáculo de que não
se tinha uma ideia precisa do que eram as estrelas. No ocidente, a
noção arraigada de que os astros seriam luminares feitos
para 'adornar a noite dos homens' certamente deu força às
concepções geocêntricas, da unicidade e especialidade
do homem no Universo. A pluralidade dos mundos habitados carecia de
qualquer fundamento e era claramente contrária a princípios
religiosos que reservam um lugar especial ao homem pela Divindade.
A heresia (Nota 3) foi contudo cultivada
por alguns poucos e, de todas as ideias já classificadas como
hereges, a pluralidade dos mundos habitados é a que terá
um fim mais notável em direção a sua realidade.
A noção foi ostensivamente afirmada pelo Espíritos
já em 1857 na questão 55 e muitas outras como as questões
56, 57, 58, 234, 235, 236 do "Livro dos Espíritos"
e é um tema recorrente em diversas assuntos tratados nele (ver
questão 172 abaixo). Há um artigo sobre a Pluralidade
dos Mundos Habitados na Revue Spirite de Março de
1858. Foi o Espiritismo que também interpretou nesse sentido
as palavras altamente figuradas do Evangelho de João no Capítulo
14, versículos 1 e 2: "Não se turbe o vosso
coração. – Credes em Deus, crede também
em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai". Isso
acontece porque a pluralidade dos mundos é uma necessidade
diante da nova dinâmica espiritual revelada pelos fundamentos
da Doutrina Espírita:
Questão #172. As nossas diversas
existências corporais se verificam todas na Terra?
“Não; vivemo-las em diferentes
mundos. As que aqui passamos não são as primeiras,
nem as últimas; são, porém, das mais materiais
e das mais distantes da perfeição.”
Poucos perceberam a extensão das
implicações da existência de muitos mundos do
ponto de vista espiritual. Desde que a consciência não
se limita à matéria, diante da lei das vidas sucessivas,
a migrações de Espíritos entre diversos mundos
é uma necessidade. Tal lei nunca foi representada, nem mesmo
de forma alegórica, pela maioria das religiões. Essa
possibilidade era reduzida diante da necessidade de se 'demonstrar'
efetivamente a realidade da existência desses mundos. Agora,
com quase 1 trilhão de mundos disponíveis só
na Via-Láctea, quem sabe religiosos mais dogmáticos
compreendam a extensão dessa descoberta para suas crenças.
Fig. 2 Comparação de dimensões
de diversas 'Terras' ou planetas rochosos com dimensões semelhantes
à da Terra que já foram descobertos. Para comparação,
a Terra (Earth) e marte (Mars) são mostrados na figura. Crédito
da imagem: NASA/JPL-Caltech.
Notas
1 - Ver .
N
Wethington (2008). How Many Stars are in the Milky Way? Interessante
sobre isso é ler a nota de rodapé de A. Kardec em 'A
Gênese', Capítulo 6, "Uranografia Geral", "Os
desertos do espaço", que traz a concepção
do século XIX dessa descrição que fazemos aqui:
"A nossa Via-Láctea é uma dessas nebulosas.
Conta perto de 30 milhões de estrelas ou sóis que ocupam
nada menos de algumas centenas de trilhões de léguas
de extensão e, entretanto, não é a maior. Suponhamos
uma média de 20 planetas habitados circulando em torno de cada
sol: teremos 600 milhões de mundos só para o nosso grupo.
Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para outra,
aí estaríamos como em meio da nossa Via-Láctea,
porém com um céu estrelado de aspecto inteiramente diverso
e este, malgrado às suas dimensões colossais, nos pareceria,
de longe, um pequenino floco lenticular perdido no infinito. Mas,
antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos qual viajante
que deixa uma cidade e percorre vasto país inabitado, antes
que chegue a outra cidade. Teríamos transposto incomensuráveis
espaços desprovidos de estrelas e de mundos, o que Galileu
denominou os desertos do espaço. À medida que avançássemos,
veríamos a nossa nebulosa afastar-se atrás de nós,
diminuindo de extensão às nossas vistas, ao mesmo tempo
que, diante de nós, se apresentaria aquela para a qual nos
dirigíssemos, cada vez mais distinta, semelhante à massa
de centelhas de bomba de fogos de artifício. Transportando-nos
pelo pensamento às regiões do espaço além
do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em torno de nós
milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas
contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões
de mundos habitados". Tal descrição é
condizente o estado do conhecimento astronômico e com os recursos
tecnológicos disponíveis naquele tempo. Hoje, descobriu-se
que a maior parte da matéria não pode ser observada
diretamente, o que não era conhecido na época de Kardec.
2 - Dizemos 'heresia' pois Giordano
Bruno (1548-1600) foi queimado vivo por defendê-la.
Dentre as muitas 'heresias' de Bruno estavam a crença na reencarnação,
a ideia de que o Universo era infinito, de que as estrelas eram outros
sóis e de que cada uma delas tinha planetas abrigando vida
inteligente.
3 - A ideia remonta às discussões filosóficas
dos antigos gregos. No século XIX um grande popularizador da
ideia foi Camille
Flammarion (1842-1925) grande admirador de Allan Kardec.