A partir desse post, faremos um curto 'manual'
sobre falácias não formais do ponto de vista da lógica,
usando exemplos abundantes da comunidade cética. Uma falácia
lógica é, essencialmente, um erro de raciocínio
ou de argumentação (1).
Falácias podem ser divididas em dois tipos: (i) as falácias
não formais (que nos interessa aqui) e as falácias formais.
Sabe-se que não é possível chegar a verdade alguma
tão só usando argumentação lógica.
Construções de raciocínio complexas (teorias científicas)
são necessárias para se chegar à verdade a respeito
de fatos frequentemente bem simples. Do ponto de vista lógico,
é possível, inclusive, chegar a conclusões plenamente
verdadeiras partindo de premissas falsas. O que interessa aos lógicos
é a validade dos argumentos do ponto de vista das regras da lógica,
a confirmação de verdade é apenas uma característica
a mais.
Por inspeção em documentos online é possível
ver que há muitos textos e artigos de céticos (ver, principalmente,
os chamados "pseudocéticos") contra falácias
cometidas por crentes. Porém, os mesmos erros lógicos
são cometidos por céticos que, em geral, gostam de ressaltar
os erros de argumentação de crentes na falsa presunção
de que estão mais próximos da verdade, de que são
mais 'científicos' do que os que lhe são contrários,
em fim, de que têm a ciência e a lógica a seu favor.
Nosso objetivo aqui é expor alguns tipos de falácias não
formais para aqueles que tiverem interesse em aprender um pouco sobre
esse capítulo da lógica usando exemplos da argumentação
cética contra fenômenos psíquicos, médiuns,
evidências de vida a pós a morte, reencarnação
etc. Quantos tipos de falácia serão tratadas? Infelizmente,
inexiste uma lista suficientemente abrangente de tipos possíveis,
porque não há limite para o equívoco humano. Porém,
algumas das mais famosas e recorrentes são obrigatórias
em nosso estudo.
Qualquer pessoa pode cometer erros de argumentação, como
parte do processo de ação e interação humanas.
O que não pode acontecer é pessoas ficarem acostumadas
com esses erros e, muito menos, fazer uso deles de uma forma sistemática
e proposital. Esperamos que estes posts possam ajudar a chamar
a atenção para alguns desses equívocos.
Sobre argumentos
De uma forma simples, um argumento lógico
envolve um certo número de declarações (chamadas
premissas) e uma última afirmação (chamada conclusão)
que deve, necessariamente decorrer das premissas. Consideremos o conjunto
de frases a seguir:
Exemplo 1
I - A ciência é feita por cientistas;
II - Alguns cientistas são materialistas; :.
III - A ciência é materialista.
A declaração I e II constituem premissas. A última
sentença III pretende ser uma consequência lógica
(dai o símbolo :.) das primeiras. No caso específico,
as duas premissas são verdadeiras, enquanto que a conclusão
é falsa. Isso é possível porque este argumento
está errado do ponto de vista lógico (basta atentar para
a presença do qualificativo 'alguns' em II que gera uma generalização
incorreta). Mas, mesmo que o argumento estivesse correto, sua conclusão
seria equivocada.
- clique para ampliar -
Não é difícil ver como opera o processo de geração
de falhas de argumentação ou mesmo como podem aparecer
conclusões equivocadas. O problema é que, mesmo se o argumento
é válido (isto é, está correto do ponto
de vista lógico), a conclusão que lhe segue pode não
ser verdadeira (Fig. 1). Não é
difícil ver a razão para isso, dado que se faça
uso de premissas que sejam muito gerais ou que não descrevam
completamente objetos a que se referem.
Exemplo 2
I - Cientistas são as pessoas mais indicadas
para julgar cientificamente os fatos;
II - Eu não sou um cientistas; :.
III - Eu não sou a pessoa mais indicada para julgar cientificamente
um fato;
Não há erro neste argumento. Certamente, poucos contestariam
as premissas. Entretanto, ele está escrito em termos tão
gerais que seu caráter de verdade é uma ilusão.
O que se entende por um 'fato' que deva ser cientificamente julgado
(em relação a que, qual teoria, qual visão de mundo
etc)? E, uma vez realizado o julgamento, quem disse que, pelo fato dele
ser ele científico será necessariamente mais verdadeiro
do que qualquer outro julgamento que se fizer dele?
Na construção de erros de argumentação,
tanto falhas no processo de inferência lógica como extrapolação
no significado de termos estão envolvidos. Mas, há erros
de argumentação tão claros que eles deixam de ter
qualquer relação com a lógica. Quando isso acontece,
eles se tornam falácias.
Tipos de falácia quanto a sua natureza.
Dentro do grupo de falácias não formais,
pode-se ainda distinguir dois grupos (1):
1. Falácias de relevância:
as premissas são logicamente irrelevantes para as conclusões;
2. Falácias de ambiguidade (ou de clareza): a construção
do argumento envolve palavras que têm mais de um significado.
Em geral, falácias não
formais pretendem convencer não por apelo à razão,
mas à emoção. Frequentemente, ocorre um
vínculo emotivo entre quem profere a falácia e sua audiência.
Em qualquer que seja o caso, o leitor deve guardar bem o fato de que
o instrumento que se faz uso numa falácia é emocional
e não racional. Vamos inicialmente ver alguns exemplos,
principalmente do primeiro tipo.
Falácias de relevância: argumentum
ad baculum
Literalmente significa apelo à força. É o mesmo
tipo de estratégia usada quando se pretende que uma ação
seja executada, com a diferença de que a 'ação'
é substituída pela aceitação de uma conclusão.
Tivemos recentemente um comentário adicionado ao vídeo
de Érico Bomfim tocando uma peça de Chopin recebida por
Rosemary Brown (2):
"Pois é, depois que eles
morrem regridem musicalmente, claro que você vai reter meu comentário,
e se fizer isso, vou copiar seu vídeo numa conta qualquer e
postar comentários".
Outro que podemos citar também na mesma linha (de novo, o uso
da força jamais funcionará como premissa válida)
foi o comentário de Dauro Mendes (3):
Se você apagar esses comentários
eu escolherei os temas mais populares dos seu blog e publicarei neles,
todos os dias, esses textos acima, todos eles!!! Mantenha publicado
as minhas respostas aos seus equívocos, aprenda a ser correto!!!
Esses não não são
bem argumentos, pois seus autores queriam que seus comentários
não fossem retidos ou apagados. É mais uma ameaça
- um apelo à emoção - na esperança de que
o que sustentam tenha validade de alguma forma.
Em geral, quando não se tem argumentos convincentes do ponto
de vista lógico ou se tem pressa em convencer, o argumento ad
baculum é usado. Mas, mais pela primeira razão do que
pela segunda, já que é trabalhoso e pouco eficiente, as
vezes, tentar convencer seu opositor tão só pelo uso de
argumentos. Isso é, por exemplo, o que a maioria dos pais fazem
com as crianças, o que constitui um problema de educação.
Idealmente, crianças deveriam aprender a arte argumentativa,
mas, muita vezes, a paciência se esgota antes que qualquer outro
recurso seja usado e pais acabam usando a força.
Dizem que a maior argumentação à força já
feita na história da Ciência foi contra Galileu Galilei.
O tribunal da Inquisição o fez negar suas teses do movimento
da Terra sob ameaça de morte. Com outros, como no caso de Giordano
Bruno, chegaram as vias de fato.
Continua no próximo post
Referências
(1) - Irving M. Copi (1978). Introdução
à lógica. Editora Mestre Jou.
(2) - Ver comentário por "Berliozini" do vídeo
http://www.youtube.com/watch?v=LU23pOwb2uY.
(3) No post 'Vácuo Quantico na obra de Chico Xavier'.