Ademir
L. Xavier Jr.
> Crenças Céticas XV - Máquinas que
pensam?
Certa vez, observava com atenção
a reação de uma platéia de crianças
(com idade entre 4 a 6 anos) em numa apresentação
de fantoches em um lugar público. Admirei-me ao ver como
uma reforçava a reação da outra ao seu lado,
ao ver o comportamento dos bonecos no teatrinho. Dava para se ver,
no brilho dos olhos, que realmente acreditavam que aqueles bonequinhos
estavam ali, vindos de algum lugar encantado, para contar histórias
divertidas. Eles tinham reações engraçadas,
alegria, tristeza, raiva, contentamento. Elas se identificavam com
eles, percebendo o quanto a maneira de ser dos bonecos não
diferenciava muito da mãe ou do pai ao seu lado.
Nossa sociedade aprendeu cada vez mais a depender de dispositivos
tecnológicos por uma variedade de razões, tanto comerciais
como pragmáticas. Desde da prensa de Gütemberg até
os modernos sistemas de inteligência
artificial (IA), sistemas automáticos auxiliam a realização
de uma variedade grande de tarefas. Mais recentemente, porém,
sistemas eletrônicos incorporaram funções interativas
com os humanos, além da descomunal expansão de capacidade
de informação por que passaram, o que fez reacender
o debate sobre o quão inteligente tais sistemas poderiam
ser (ver filme abaixo que mostra um robô tocando violino).
O nome 'inteligência artificial' tornou-se assim um símbolo
para possibilidades ainda mais futurísticas como a de sistemas
artificiais exibirem consciência do mesmo grau de
tipo dos humanos.
Mecanismo robótico da TOYOTA
tocando violino (2007).
A legenda diz que o sistema é parte de um esforço
demonstrativo de como tais sistemas poderiam ser usados em casas,
hospitais e lugares públicos. Embora a similaridade espantosa
observada com humanos, trata-se de um sistema que apenas executa
instruções pré-programadas, não diferindo,
assim, de um marionetes sem cordas. http://youtu.be/EzjkBwZtxp4
Recentemente um dos pais fundadores da idéia
de inteligência artificial, Marvin
Minsky, foi entrevistado e o resultado pode ser visto no artigo
com título sugestivo: 'As
máquinas já PENSAM'(1).
O assunto é complexo o suficiente para exaltar ânimos
entre os proponentes da chamada 'strong AI' (IA forte),
ou hipótese que afirmar ser possível a sistemas artificiais
pensarem e terem uma mente (com uma consciência junto), e
os que não pensam assim, advogando uma forma branda de 'computacionalismo'
ou 'weak AI' (IA fraca) que afirmar ser possível programar
sistemas que apenas parecem executar atividades inteligentes.
Embora seja possível achar que os proponentes da IA forte
teriam algum interesse não apenas 'científico' na
continuação das pesquisas nessa direção,
pesquisas em IA se sustentarão comercialmente por muito tempo
ainda, diante da capacidade de se utilizar tais sistemas para resolver
problemas práticos. Logo, o assunto 'IA' tem um grande futuro
comercial ainda que não se acredite em IA forte.
Obviamente o debate entre as duas formas de se abordar IA tem implicações
com as concepções atuais sobre o que é a consciência
e o que é o ser humano. Para nós, as esperanças
da IA forte são uma aplicação prática
da maneira materialista de se ver o mundo e os seres humanos. Como
tal crença demonstra desprezo pelas noções
espiritualistas, trata-se assim de mais uma crença cética.
Cabe a nós, assim, estudar e compreender quais são
os fundamentos que suportam a IA forte.
Comentamos abaixo a entrevista citada acima feita por um repórter
da revista EXAME. As questões feitas pelo repórter
são excelentes e estão grafadas em itálico.
1) Algum dia computadores
serão capazes de pensar?
Eles já pensam de um certo modo, mas não de outros.
Um dia, quando entendermos como funcionam outros tipos de pensamento
no homem, então poderemos construí-los nas máquinas.
Todas as esperanças
de IA forte repousam no futuro. É como se acreditássemos
que o futuro fosse uma espécie de 'caixa mágica' de
onde se pode tirar qualquer coisa. Como não sabemos como
uma coisa funciona hoje, então, quando soubermos amanhã
isso será possível. Esse tipo de argumentação
é muito fraca pois estabelece o desconhecido como fundamento
para o que não se sabe.
2) Muita gente diz
que os computadores não fazem mais que seguir instruções
mais rápido que qualquer ser humano. O que pode compensar
essa má reputação da inteligência artificial?
Errado. Computadores podem seguir outros tipos de processos. Quando
programadores não sabem resolver um problema, eles podem
programar o computador para realizar uma "pesquisa evolutiva".
Ele tenta muitas possibilidades para ver qual funciona melhor.
Isto é, claramente, o que fazem as pessoas: resolvem problemas
por "tentativa e erro".
O repórter da Exame
aqui se esqueceu de dar alguns nomes para 'muita gente' em sua questão.
Na verdade, os maiores especialistas em assuntos de consciência
e cognição pertence a esse grupo. A resposta de Minsky
não poderia ter sido mais evasiva. Obviamente que para se
fazer uma máquina realizar 'pesquisa evolutiva', ela tem
que ser programada, e isso é feito a partir de instruções
simples que computadores sabem realizar rapidamente. Aqui começa
a transparecer um argumento que é frequentemente usado por
proponentes de IA forte: o de que basta um sistema executar algo
que se pareça com o que um humano faça para que ele
seja classificado como consciente. Além disso, pessoas
não se escoram em 'tentativa e erro' para resolver problemas.
Essa é uma noção muito limitada do aprendizado
humano.
3) Mas algum dia as
máquinas desenvolverão algo comparável à
consciência?
Acho que, se consciência quer dizer a capacidade de um cérebro
pensar sobre suas próprias atividades, sim. Muitos programas
de computador já fazem algo parecido, portanto já
são conscientes em um certo grau.
O conceito de consciência
- embora tenha sido usado marginalmente no desenvolvimento
tecnológico de sistemas de IA (2)
- é relevante para se dar uma
resposta convincente à questão colocada. A resposta
dada, como se baseia em ideia errônea do que é algo
consciente, naturalmente levou à conclusão (igualmente
errada) de que computadores já pensam. Mas serviu para dar
um título sensasionalista à entrevista.
4) Qual será o impacto
disso nos negócios?
Em primeiro lugar, teremos maior
produtividade em todos os setores. No entanto, quando computadores
começarem a pensar tão bem quanto pessoas - e melhor
que as pessoas -, as coisas mudarão de formas que não
podemos imaginar.
O aumento de produtividade através
do uso de sistemas automáticos já é realidade,
independente de terem consciência ou não. Como as esperanças
são colocadas sobre algo que não se sabe, tudo é
realmente possível.
5) O senhor diz que não
há muita diferença entre o pensamento comum e o
pensamento criativo. As empresas estão erradas ao procurar
executivos criativos?
Não há muita diferença entre as pessoas mais
criativas e as mais comuns, exceto por aquelas serem capazes de
descobrir novos modos de pensar. Claro que pequenas diferenças
ao pensar podem fazer muita diferença em quantos problemas
a pessoa pode resolver. Um engenheiro muito bom vale por uma centena
de engenheiros medíocres, por isso às vezes ele
ganha o dobro.
A única diferença
entre os que são criativos e os que não são,
é que os primeiros criam mais coisas novas. Além da
obviedade na primeira frase, é necessário explicar
porque o ser humano exibe capacidades tão diferentes e discordantes
entre indivíduos. Embora sejamos todos geneticamente idênticos,
as diferença de comportamento e de capacidade criativa são
muito grandes. "Mas isso pode muito bem ser apenas uma maneira
equivocada de se ver as coisas", diria um defensor de IA forte.
Para Minsky, 'pequenas diferenças no pensar' criam grandes
diferenças na hora de se resolver problemas. Por causa disso,
um 'bom engenheiro que vale por 100 engenheiros medíocres'
ganha apenas o dobro e não 100 vezes o salário de
um engenheiro medíocre...
6) Os defensores da inteligência
artificial não cometem um erro ao descartar o livre arbítrio
como ilusão?
Quando você diz "usei
meu livre arbítrio para tomar uma decisão",
isso só quer dizer "não sei o bastante sobre
minha mente para entender como tomei esta decisão".
Essa foi a melhor questão
da entrevista. Com a resposta podemos ler o que se passou na mente
de Minsky: 'E por acaso você sabe o que é livre-arbítrio?'
Mesmo assim, temos que reconhecer, Minsky deu uma resposta educada,
embora 'tangencial' à questão proposta.
7) Quais as implicações
éticas de produzir cérebros em linha de montagem?
O senhor não teme algo como o Admirável Mundo Novo,
de Aldous Huxley?
Diria que podemos antecipar o oposto. As primeiras máquinas
industriais eram usadas para repetir processos idênticos
em linha de montagem. Mas um robô moderno programado pode
fazer coisas diferentes a cada trabalho. Poderíamos ter
robôs que projetam terno e sapatos perfeitos para cada indivíduo.
Quando pudermos fabricar máquinas que pensam, poderemos
fazer cada uma delas de modo diferente. Não seria muito
difícil fazê-las muito mais diferentes umas das outras
do que as pessoas são.
Mais uma vez o entrevistado dá
uma resposta pouco satisfatória. A questão proposta
era sobre as implicações éticas e bem ponderáveis
- no sentido de se criar 'Franksteins',
que se voltem contra seus criadores, uma possilidade perfeitamente
cabível diante das apostas de IA forte. As respostas comuns
são do tipo: 'toda tecnologia pode ser usada para o bem ou
para o mal'. Assim, se novos Fransksteins conscientes aparecerem,
isso já era previsto. Por isso, Minsky preferiu focar o lado
bom.
Mas, como tudo é possível, Minsky poderia ter respondido
muito bem: 'podemos programá-los para serem sempre escravos
e bonzinhos para com seus criadores' . Ah, mas ele não poderia
mesmo dizer isso, pois, de acordo com a crença de IA forte
sobre a possibilidade de consciências artificiais, elas seriam
em todos os aspectos iguais as nossas e, portanto, não poderiam
ser programadas para obedecer determinadas instruções.
Crendo-se ou não na existência de livre arbítrio,
ter consciência implica em certas liberdades que sistemas
autônomos artificiais devem ter para serem considerados verdadeiramente
conscientes. Em algum momento da história do desenvolvimento
da IA, a noção de livre arbítrio terá
que surgir...
Conclusão
Vou terminar como comecei: para
a maioria dos crentes em IA forte - apoiados por concepções
materialistas do ser humano - a consciência artificial é
possível. Analisando a maioria dos argumentos, temos a impressão
que eles são como as crianças que se impressionam
e fantasiam com o comportamento aparentemente humano de bonecos
ou fantoches em um teatrinho.
Crêem eles que a consciência pode ser definida pelos
seus efeitos, por se recusarem a analisar, ou sequer acreditar,
em suas causas. Na verdade, para o paradigma materialista, o cérebro,
como fonte de consciência, não exige que se busque
nada além: está tudo lá, grafado entre códigos
neurais que aguardam um pouco mais para serem desvendados.