Quase sempre as evidências para
a natureza espiritual do ser humano são encontradas em fenômenos
invulgares, onde menos se espera. Esse é o caso de reportes
sobre mudanças inesperadas de gostos ou "traços"
psicológicos em pessoas que receberam órgãos
transplantados. Numa época em que se diz que tudo é
"gerado pelo cérebro", no mínimo essa anomalia
é bastante bizarra a ponto de atrair a rejeição
feroz de céticos que dizem ser o fenômeno irreal.
O fenômeno é raro, mas nem por isso pouco notado. Além
disso, é mais comum em pacientes que receberam transplantes
de coração. Tornou-se famoso o caso de Claire Sylvia
(1,2):
No dia 29 de maio de 1988 uma mulher
norte-americana chamada Claire Sylvia recebeu um coração
transplantado no hospital de Yale, em Connecticut. A ela foi dito
apenas que seu doador foi um homem de dezoito anos de idade, residente
no Maine (nos Estados Unidos) e que morreu de um acidente de motocicleta.
Logo após a operação, Sylvia declarou sentir
como se tivesse bebido cerveja, algo que ela nunca teve atração.
Mais tarde, passou por uma vontade incontrolável de comer
nuggets de frango e uma tendência inesperada de vistar restaurantes
da cadeia KFC. Também desenvolveu interesse por pimenta
verde, o que, particularmente, ela nunca tinha gostado antes.
Começou então a ter sonhos recorrentes,
onde aparecia um nome, Tim L, que ela imaginou ser o dono do coração.
Com base em uma pista que lhe foi concedida, buscou no obituário
e jornais da região do Maine e pôde identificar o
jovem cujo coração ela tinha recebido. Seu nome,
de fato, era Tim. Depois de visitar a família de Tim, teve
confirmado seu gosto por nuggets de frango, pimenta verde e cerveja.
(Itálicos nossos).
Outros casos podem ser lidos em (3),
registrando-se, inclusive, mudança de orientação
sexual (ver caso 5 na ref. (3)). No
Brasil, uma novela foi feita explorando o fenômeno (3b).
Obviamente existem muitas explicações céticas
para ele (4), desde aquelas que desqualificam
esses relatos (com o título odioso de "evidência
anedótica"), que o tornam irrelevante pela sua
raridade ou que explicam tudo por efeitos de medicação.
Segundo esse proposta cética, ainda que existam tais relatos,
eles são tão raros que são esperados estatisticamente
e seriam frutos de impressões errôneas nos pacientes,
ou seja, ocorreram mudanças de gostos etc, mas elas foram
erroneamente atribuídas ao transplante (4).
Do ponto de vista puramente materialista, a explicação
de tais memórias anômalas é dependente da existência
de "memórias celulares", o que é frequentemente
adotado pelos que consideram esses relatos (5). Essencialmente:
a informação sobre gostos, tendências etc estaria
registrada em algum mecanismo celular, dependente ou não
da genética, e essa informação seria acessada
pelo corpo do paciente transplantado gerando a mudança de
comportamento.
Influência magnética do órgão
transplantado ?
Do ponto de vista espírita, não esperamos que tais
ocorrências sejam comuns mesmo. Para existirem, provavelmente
um conjunto mais extenso de condições deve prevalecer,
e não somente um transplante. Uma delas é uma sensibilidade
do receptor ou indivíduo sobre o qual a influência
se estabelece. Essa sensibilidade não está distribuída
de maneira uniforme e frequente na população.
Sabe-se que as fontes de influência sobre a personalidade
de um Espírito (esteja ele encarnado ou não) são
múltiplas e, envolvem, segundo o Espiritismo, um meio de
transporte conhecido como fluido. Esse conceito não
é o mesmo encontrado em física - o de uma substância
sobre a qual não persistem forças de cisalhamento
etc - mas tem uma concepção integralmente nova.
Um fluido é uma substância de natureza "semi-material"
que, tanto quanto nos é possível inferir pela literatura
espírita, é produzida pelo perispírito (que
não existe, alias, desacompanhado de seu espírito)
em combinação com fluidos ambientes - ou todas as
coisas com as quais o Espírito entra em contato. É
através do perispírito que a mente sente o mundo a
sua volta:
O perispírito é o órgão
sensitivo do Espírito, por meio do qual este percebe coisas
espirituais que escapam aos sentidos corpóreos. Pelos órgãos
do corpo, a visão, a audição e as diversas
sensações são localizadas e limitadas à
percepção das coisas materiais; pelo sentido espiritual,
ou psíquico, elas se generalizam: o Espírito vê,
ouve e sente, por todo o seu ser, tudo o que se encontra na esfera
de irradiação do seu fluido perispirítico.
"A Gênese", Capítulo
XIV. Os fluidos II. Parágrafo 22.
A ação dos fluidos é
bastante discutida por A. Kardec nas suas diversas obras e é
um componente importante para a teoria espírita da mediunidade,
em particular nas suas explicações para a mediunidade
curadora. Não são incomuns, durante as incorporações,
que médiuns descrevam sensações, impressões
e até mesmo lembranças associadas à Entidade
comunicante. Essa influenciação se dá por meio
dos fluidos da Entidade que atuam sobre o perispírito do
médium.
Entende-se assim um fluido espiritual como um elemento intermediário,
capaz de transportar características que são tipicamente
associadas ao Espírito (gostos, impressões e memórias),
porém, por meio de algo que é localizado no espaço
e no tempo e que pode ficar impregnado em coisas materiais, inclusive
objetos. As sensações dilatadas do Espírito
são assim explicadas de forma independente dos cinco sentidos
ordinários, o que permite entender uma grande quantidade
de fenômenos psíquicos.
Obsessão ?
Ação fluídica desse tipo estabelece-se particularmente
nas chamadas "obsessões":
Nos casos de obsessão grave,
o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso,
que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os
repele. É daquele fluido que importa desembaraçá-lo.
"A Gênese", Capítulo
XIV. Os fluidos II. Parágrafo 45.
Porém, não há
porque sustentar que, depois de um transplante, exista qualquer
influência obsessiva do desencarnado doador com o transplantado.
Certamente, tal possibilidade existe, mas seria sempre provocada
por outros fatores, todos eles comumente associadas aos processos
típicos de obsessão, jamais por causa do novo órgão.
Se fosse obsessão, por que a mudança seria mais observada
com o coração ? Não seria ela ligada a todos
os órgãos?
A explicação que nos parece mais plausível
para essas raras mudanças de personalidade com os transplantes
estão fundamentadas na impregnação do tecido
do órgão com o fluido do desencarnado,
fluido esse que pode influenciar o perispírito do transplantado,
fazendo surgir nele alguns traços associados à personalidade
desencarnada. Não se trata, porém, de uma mudança
integral de personalidade, o que exigiria um estado completamente
passivo do transplantado. Se isso for possível, sua ocorrência
seria bastante transitória e ainda mais rara.
Assim, tudo se passa como em um fenômeno de psicometria
(7). Esse termo não pode ser
encontrado na obra de A. Kardec, mas seu conceito é anterior
a ele (6). Kardec chama de "dupla
vista" uma grande variedade de fenômenos psíquicos
dentre os quais se inclui a psicometria (6b).
Portanto, a raridade das ocorrências de alteração
de personalidade em transplantados fica estabelecida sobre uma sensibilidade
peculiar, que talvez não seja tão rara como no caso
da psicometria clássica, mas que não deixa de se manifestar
de forma continuada, por causa da influência do objeto imantado
de fluido do desencarnado, em seu novo recipiente. Esse contato
é de tal natureza (trata-se da conexão de um órgão
vital) que a modificação se estabelece de maneira
bastante perceptível pelo transplantado.
Não é difícil imaginar também, para
que a intensidade do efeito seja maior, que deva existir uma afinidade
entre o fluido impregnado no órgão e o do perispírito
do paciente transplantado. Aqui apenas especulamos com base em um
paralelo que podemos fazer entre esse fenômeno e o da própria
mediunidade, que exige essa afinidade em outra ordem de fenomenologia.
E por que o coração?
É crença comum que o
principal órgão responsável pela sensibilidade
é o cérebro. Em consonância com a tese materialista,
tudo é produto do cérebro e o coração
é apenas uma bomba de sangue. Porém, mesmo numa descrição
puramente material, neurônios (ou células nervosas)
não existem exclusivamente no cérebro.
Recentemente descobriu-se que o coração é sede
de aproximadamente 40 mil neurônios (8), o que foi chamado
"pequeno cérebro do coração".
Essa descoberta fez crescer a importância dos relatos de mudanças
de personalidade em transplantados cardíacos, como a Ref.
9 mostra, e relembra a explicação Aristotélica
da sede das sensações (8b).
O cérebro provavelmente é a interface mais importante,
do lado material, para o Espírito, que armazena muitos fluidos
a se relacionar com o perispírito e facultar à mente
suas sensações. Isso implica, do ponto de vista espírita,
que tais fluidos espirituais, capazes de produzir modificações
parciais ou completas na personalidade no Espírito sob sua
influência, bem como em suas sensações, encontram-se
disseminados por todo o corpo, provavelmente mais adensados no sistema
nervoso central (11).
Não é verdade, porém que, com o transplante,
as conexões neurais preexistentes sejam restabelecidas (10).
Isso não acontece, ou seja, os "neurônios cardíacos"
do coração transplantado ficam sem função.
Uma possível via de compreensão maior desse fenômeno
é através de estruturas no corpo espiritual, conforme
descritas por vários autores como André Luiz em "Evolução
em dois mundos" (12). Portanto,
a mudança de personalidade e surgimento de novas sensações
(que precisam ser melhor caracterizadas e descritas) abre espaço
potencial para a validação da tese da existência
de órgãos no perispírito.
Outra conclusão é que, enquanto o sucesso físico
do transplante de um órgão exige condições
entre doador e recipiente, para que um "pedaço"
ou "traço" da personalidade seja "transplantado",
deve existir uma condição de sintonia entre fluidos,
assim como algum grau de passividade no transplantado.
"E, naturalmente, o cérebro
não é absolutamente responsável por qualquer
sensação.
A visão correta é que a sede e a fonte das sensações
é a região do coração."
Aristóteles,
8b
Teste seu conhecimento
A partir deste post, apresentamos algumas questões
para participação dos leitores, que podem enviar suas
respostas pela seção de comentários. Não
há prazos nem limites de participação.
Nas suas respostas, faça referência à numeração
das questões.
Participe!
- De acordo com a tese dos fluidos espirituais: elabore uma explicação
ou predição sobre o que se espera com relação
à mudança de personalidade de transplantados com
a idade do paciente. O fenômeno seria mais comuns em crianças
ou adultos?
- Imagine o seguinte caso: um paciente que
recebeu um transplante de coração vive durante muito
tempo com ele, mas vem a falecer por outra causa. Seu coração
é então transplantado em outro paciente. Se as condições
forem satisfeitas, elabore o que se esperaria com relação
à mudança de personalidade: (a) Usando a teoria
materialista de "memória celular"; (b) Usando
a teoria espírita. (Dica: seria possível a coexistência
de traços de duas personalidades no segundo transplantado?)
- Elabore uma discussão sobre a validação
da tese espírita dos fluidos magnéticos impregnados
no órgão doado usando a resposta da questão
anterior;
- Usando o conhecimento espírita e o comentário
(10) abaixo, disserte sobre a via
de influência sobre o perispírito em transplantados
cardíacos. Quem mecanismos perispirituais poderiam substituir
as vias rompidas para o transporte das sensações
a partir do coração?