Era uma vez uma avestruz cética
e um peru indutivista. Viviam uma vida tranqüila, em uma
pacata fazenda modelo perdida no sertão do Mato Grosso.
A avestruz e o peru gostavam de se envolver em discussões
sobre a vida de outros animais na fazenda para aproveitar melhor
o tempo.
Formavam uma dupla porque pensavam parecido.
A avestruz não acreditava em nada. Dizia todos os dias:
Comer sementes e pisar o chão,
eis nossa razão! Nada há além disso!
O peru acreditava em poucas coisas além do que via freqüentemente,
mas não era igual à avestruz em um ponto: ele achava
que podia decidir entre o que era verdade e o que não era.
Além disso, era muito observador e notava outras coisas
ao redor dele.
Ele percebeu que o sol se levantava todos os dias
pouco depois do galo cantar, e se punha quando as galinhas iam
dormir. Achava que isso sempre acontecia, pois ele era indutivista
em seu jeito de pensar. Nunca tinha testemunhado um dia em que
o sol não houvesse nascido.
Comentou isso com a avestruz:
Veja como posso prever o que quiser: amanhã
bem cedo, o galo vai cantar e, à tarde, as galinhas vão
dormir.
A avestruz não era muito curiosa, nem com seus próprios
pensamentos, nem com o dos outros. Achava uma perda de tempo ficar
pensando muito, já que nada mais além de pisar o
chão e comer folhas de árvores e arbustos havia
para se fazer. Mas estava um tanto entediada de dizer sempre a
mesma coisa e resolveu dar atenção ao peru.
No dia seguinte, muito antes do sol nascer, queria
mostrar que o peru estava errado. Mas, de repente, o galo cantou.
Havia acontecido o que o peru dissera! Esperou pacientemente o
dia todo e, de repente, as galinhas foram dormir. Mais uma vez
o peru estava certo!
Intrigada com esses acontecimentos, repetiu tudo
de novo no dia seguinte. E, mais uma vez, viu o galo cantar e,
depois de esperar um dia inteiro de sol, as galinhas foram dormir.
Repetiu isso uma terceira e quarta vez.
Ficou com inveja do peru, pois ela queria ter
feito aquela descoberta sozinha. Então, decidiu ser mais
esperta e fazer suas próprias previsões. De descrente
e desanimada, a avestruz virou outra, uma verdadeira avestruz
indutivista.
Um dia, abordou o peru com uma aposta que
usava o método do peru para comprovar suas próprias
conclusões sobre a vida:
Aposto que você não consegue
prever coisas tão bem como eu faço! Sua vida é
sempre a mesma, a ciscar o chão ou comer ração.
Nada vai te acontecer amanhã ou depois, pois nada aconteceu
com você hoje ou ontem.
Ficaram então os dois, avestruz e
peru por um bom tempo, juntos, comprovando a predição
da avestruz, o que também orgulhava o peru, afinal ele
descobrira o método indutivista de pensar.
Viram que o peru vivia sempre do mesmo modo com
todos os animais da fazenda, na chuva, no sol, no calor ou no
frio. Nada modificava sua existência ou jeito de ser, nem
o quanto ele comia, nem como ele pisava o chão. Nem mesmo
o ritmo das galinhas parecia abalar qualquer coisa na vida do
peru.
Era tempo de festa na fazenda, muitos enfeites
e luzes, e a avestruz e peru ainda disputavam quem havia ganhado
a aposta, a avestruz por tê-la proposto, o peru por ter
descoberto o método.
Resolveram então acabar de uma vez por
todas com a disputa e escolher um vencedor. Disse o peru:
Se amanhã eu ainda estiver do mesmo
jeito, sempre como eu fui, dou-me por vencido e você ganha
a aposta: sei que minha vida nunca será diferente!
Mas, logo nas primeiras horas do dia seguinte, quando a avestruz
foi procurar seu amigo para receber seus cumprimentos pela vitória,
cadê o peru?
Na noite do mesmo dia, a avestruz tremeu no seu
ceticismo: tinha ouvido falar que seu amigo havia sido degolado
e servido como prato principal em uma simples festa de Natal.

Referências