Ademir
L. Xavier Jr.
> O fenômeno das vozes eletrônicas
Fig. 1. Imagem de um espectrograma (Audacity) com
a invocação de Kedar (seta) e a 'voz' inesperada (região
circular)
Um sobrinho meu que mora nos Estados
Unidos estava a gravar com o celular algumas músicas no estilo
"Karaoke" em junho último. Kedar é um adolescente
que conhece tanto português como inglês, que é sua
lingua materna. Um pouco desligado da gravação, ele deixou
o celular gravando por algum tempo a mais. Para sua surpresa, uma voz
desconhecida aparece em um trecho não esperado da gravação.
Ao tentar outra vez, o fenômeno estranho se repete; desta vez
um claro 'yes' surge após aproximadament 15 segundos de uma pequena
invocação. Uma terceira tentativa e um 'I see'
também é obtido. Um pouco assustado, ele abandona os experimentos
com medo do fantasma, coisa de adolescente.
Quando fiquei sabendo da ocorrência, minha irmã me enviou
dois arquivos mp4 que são facilmente abertos com o Audacity,
um conhecido software para edição de arquivos de som.
Um espectrograma de uma das experiências obtidas por Kedar é
visto na Fig. 1. O gráfico representa a decomposição
espectral do som obtido no experimento, onde a invocação
inicial é vista nos primeiros segundos. A voz é um 'yes'
muito baixo mas indubitável, com tons entre 1000-2000Hz compatível
com a modulação de uma voz humana. Na segunda gravação
a intensidade da voz anômala foi ainda maior.
O fenômeno das vozes eletrônicas
Tal como no caso de Kedar em 2019, o
fenômeno teve seu início com F. Jürgenson (1903-1987)
em 1959 quando tentava gravar canto de pássaros. No início,
pensou-se que se tratava obviamente de interferência de estações
de rádio. Entretanto, a repetição dos experimentos
- inclusive no interior de 'gaiolas de Faraday' (para bloqueio da radiação
eletromagnética externa), confirmou que algumas pessoas, em condições
insuspeitas e na presença de equipamentos de gravação,
conseguem obter vozes que parecem se comunicar, respondendo a invocações.
Nomes como Konstantin Raudive (1909-1974) e P. Bänder [1]
estão ligados à história dos 'Electronic Voice
Phenomena' (EVP, fenômenos das vozes eletrônicas).
Mais do que isso, no que parecia ser uma clara aceitação
de algo que já sabiam, algumas autoridades do Vaticano passaram
a apoiar a realização de experimentos de EVP e de que
as vozes tinham origem no Purgatório.
Aspectos do fenômeno
O fenômeno da EVP surgiu na década
de 50 e foi interpretado como uma 'Nova Hydesville', conforme descreve
Bänder [1]. Sem dispor de uma teoria
eletrônica que descrevesse como as vozes podem ser captadas e
amplificadas, a pesquisa seguiu um caminho puramente empírico.
Diversas 'receitas' de se obter vozes foram sugeridas: com um simples
gravador, com um gravador e um rádio sintonizado em ondas curtas,
com um gravador e um gerador de ruídos etc. Logo entusiastas
criaram uma tese que seria uma consequência natural desse desenvolvimento:
com o aprimoramento da técnica, as EVPs representariam uma nova
maneira de se comunicar com os Espíritos, uma em que a presença
de médiuns seria desnecessária.
Fig. 2 Edison em uma foto de sua entrevista a Austin
Lescaboura em 1920 sobre suas pesquisas de um dispositivo para se comunicar
com os Espíritos.
Esse aspecto 'amediúnico' das
comunicações eletrônicas (qualquer que seja ela),
é um sonho de antigos pioneiros das telecomunicações.
Logo ficou claro a personalidades como Thomas Edison (1847-1931), O.
Lodge (1851-1940) e Nikola Tesla (1856-1943), que talvez fosse possível
usar o rádio ou um circuito variante dele para se comunicar com
os Espíritos. Edison mesmo chegou a trocar correspondência
com William Crookes (1832-1919) sobre a possibilidade de se obter imagens
de Espíritos. Em alguns dos trechos de sua entrevista à
Scientific American [2] em 1920, Fig. 2, declara Edison:
Now, what I
purpose to do is to furnish psychic investigators with an apparatus
which will give a scientific aspect to their work.*
My apparatus is along those lines, in that the slightest effort which
it intercepts will be magnified many times so as to give us whatever
form of record we desire for the purpose of investigation.**
Em outros trechos Edison demonstra pouco
conhecer das pesquisas da fenomenologia psíquica anterior. Em
um artigo de divulgação, Zarrelli (2016) [3]
declara que o 'spirit phone' foi a invenção mais 'infrutífera'
de Edison. Provavelmente o foi por causa da ignorância de Edison
e outros pesquisadores das condições em que o fenômeno
se realiza. Em outros termos: só ter o aparato não
é suficiente.
O princípio da comunicação amediúnica segue
a ideia de Edison que, por meio de um sensor e um amplificador poderoso
seria possível registrar oscilações (voz, imagem,
pulsos etc) dos Espíritos. Aparentemente, isso foi o que Jürgenson
e Raudive parecem ter conseguido, além de outros entusiastas
das vozes eletrônicas desde então.
Entretanto, demonstrar que não há influência
de um humano na comunicação eletrônica é
bastante difícil, pois sempre qualquer pesquisa será organizada
e conduzida por uma pessoa ou um grupo. Não se pode, a priori,
descartar a influência do experimentador.
Mediunidade eletrônica?
Alguns pesquisadores no passado conseguiram
registros muito nítidos de vozes eletrônicas (que desqualificam
hipóteses céticas de 'pareidolia'), outros conseguiram
registros a partir de modulações de ruídos, enquanto
que outros jamais conseguiram nenhum tipo de voz. A que se deve esse
caráter mutante e incontrolável?
Contrário ao que se pensa, somos adeptos da idea de que as EVPs
e seus correlatos são manifestações do que chamamos
de 'mediunidade eletrônica'. Trata-se de uma variante
moderna de efeitos físicos em que um dispositivo eletrônico
está envolvido.
Essa nova mediunidade é potencializada pelo interesse ou envolvimento
do 'pesquisador-médium' no fenômeno. O fenômeno é,
assim, mais frequente na presença de certas pessoas com essa
habilidade especial, razão porque as EVP jamais se tornaram um
método 'sistemático e independente' da mediunidade. Elas
não são reprodutíveis à vontade e, como
tal, são seriamente limitadas na capacidade de transmissão
de informação - não há "bidirecionalidade".
Claramente, essa mediunidade 'surgiu' com o desenvolvimento tecnológico.
Suas características são:
- Ela é inconsciente,
- Não requer 'transe',
- Um médium eletrônico sequer saberá que é
médium a não ser pelos efeitos eletrônicos que
produz. Sua mediunidade é validada pela alta correlação
entre sua presença e a ocorrência do fenômeno.
- Como é uma mediunidade, há possível influência
do médium no fenômeno.
- Como se trata de efeito físico, aplicam-se todos os comentários
feitos por Kardec sobre esse domínio de fenômenos [4],
inclusive sobre seu caráter subsidiário de
demonstração da sobrevivência.
Do ponto de vista teórico, sendo
a mediunidade eletrônica peculiar, ela não se liga a outras,
por isso não basta que haja a presença de qualquer médium
em um recinto para que o fenômeno ocorra. Médiuns de efeitos
físicos provavelmente teriam mais facilidade em provocá-lo.
Existem outros fatores que devem permanecer invariantes para que o uso
de aparelhos possa ser eficientemente usado. Todas as vezes que uma
nova 'técnica' é criada esses fatores mudam, o que reduz
a eficiência da comunicação.
Esse princípio aponta para a importante orientação
de que, não importará muito qual o tipo de circuito ou
sistema eletrônico seja usado, desde que as experimentações
sejam feitas na presença das pessoas capazes de intermediar o
efeito. É provável, assim, que a ideia do 'spirit-phone'
de Edison e tantos outros funcione, desde que sejam testados pelo experimentador
certo.
Traduções
* Agora, o que pretendo fazer é prover aos investigadores
psíquicos um aparato que conferirá um aspecto científioc
ao trabalho que fazem.
** Meu aparato é nesse sentido: a menor perturbação
que o interceptar será amplificada muitas vezes, de forma a nos
dar qualquer registro para o objetivo da investigação.
Referências
1- P. Bänder (1976). "Os Espíritos
Comunicam-se por Gravadores", São Paulo: Edicel, 2a Edição.
2- A. C. Lescarboura (1920), "Edison's Views on
Life and Death", Scientific American, Vol. 123, No. 18, pp. 446,
458-460
3- N. Zarrelli (2016). Dial-a-Ghost on Thomas Edison’s
Least Successful Invention: the Spirit Phone. Atlas Obscura.
4 - Ver: "O Livro dos Médiuns" de
A. Kardec, 2a Parte, Das Manifestações Espíritas",
Cap. IV e Cap. V.
Fonte:
https://eradoespirito.blogspot.com/2019/09/o-fenomeno-das-vozes-eletronicas.html?fbclid=IwAR3y0U1YrVBGL77q4ZRE6QYGMyu1sUk_3RQNlKu2Ay-K9jt-v3R4Funfaa8