
Uma das melhores lições
que se pode ter da literatura cética é sobre como
tratar a evidência, fatos ou dados que estejam em conflito
com suas próprias crenças, de forma tal que apenas
o seu ponto de vista seja válido.
Uma estratégia comum de desmascaramento é apresentar
conjecturas 'ad hoc' para descartar qualquer evidência de
uma afirmação X. Essa estratégia funciona como
método retórico para se ganhar uma argumentação
(especialmente se os leitores estiverem inclinados a pensar como
você), mas está longe de ser um argumento científico,
porque, em ciência, hipóteses alternativas devem ser
testadas, não meramente assumidas como possíveis.
Por exemplo, se cientistas estiverem buscando a causa do mal de
Parkinson e a evidência confirmar a hipótese de que
níveis de dopamina tem um papel fundamental nessa causa,
não cai bem para um 'cético da Dopamina' dizer "Bem,
é possível que outras causas desconhecidas existam,
você não pode concluir que a dopamina seja importante,
porque há outras explicações. Você está
apenas manipulando as estatísticas."
Com certeza outras explicações são possíveis,
mas nosso cético aqui não pode esperar que cientistas
levem a sério o que diz, a menos que ele forneça evidências
a favor de sua alternativa (antidopamina), isto é, a menos
que ele forneça evidência de que 'outras explicações'
podem dar conta da doença de Parkinson e tornar a hipótese
da dopamina desnecessária ou implausível.
Uma opinião gerada no conforto do sofá sobre cenários
imaginários ou possibilidades 'ad hoc' não é
nem hipótese científica nem mesmo uma alternativa
de hipótese. Somente se deve tomar tais alternativas seriamente
se forem testadas ou confirmadas, ou, ao menos, se existir evidências
independentes que façam a hipótese alternativa algo
plausível ou relevante para aquele caso específico.
Por exemplo, para confirmar a 'hipótese psi' (sobre a existência
de capacidades paranormais), você não precisa excluir
qualquer outra possibilidade lógica ou cenário imaginário,
porque possibilidades lógicas são, por definição,
sempre possíveis e a imaginação é livre
e ilimitada.
Hipóteses são confirmadas por suas consequências
e predições. Se a 'hipótese psi' prediz, por
exemplo, que certos cães irão manifestar determinados
comportamentos (como no caso da pesquisa de R.
Sheldrake), então a hipótese fica confirmada se
tais cães manifestarem aquele comportamento por ela previsto.
(Confirmado não significa que seja verdade absoluta,
mas simplesmente que os dados empíricos a confirmam, pedem
por mais pesquisa e que ela seja aceita de forma provisória).
Será que isso exclui outras alternativas ou outras possibilidades
imaginárias? Não, mas possibilidades alternativas
tem que ser confirmadas e testadas (ou demonstradas como plausíveis
naquele caso específico) para que sejam aceitas como reais
e pertinentes, não simplesmente assumidas com verdade porque
um crítico de sofá não quer aceitar - por quaisquer
razões ideológicas - o que a hipótese diz.
Caso contrário, seria possível então rejeitar
de forma arbitrária um resultado empírico a favor
de qualquer hipótese usando de trucagem retórica com
base em qualquer outra possibilidade ad hoc imaginável.
Para deixar esses pontos ainda mais claros, vamos supor que estamos
examinando a afirmação "Jader Sampaio é
o autor do blog espiritismocomentado.blogspot.com"
Uma foto e evidências facilmente refutáveis: será
mesmo que Jader Sampaio é o autor de espiritismocomentado?
Mas suponha que, dado minha filosofia pessoal, ideologia ou visão
do mundo, eu queira desacreditar tal afirmação
porque, para mim, é simplesmente impossível
(isto é., estou certo que Jader Sampaio não existe,
ou porque eu acho que ele não sabe usar um computador e,
portanto, jamais poderia ter um blog).
Evidências são fornecidas a favor da ideia de que Jader
Sampaio é na verdade o autor de tal blog:
- O blog tem uma foto dele e um logo que ele criou;
- Em uma determinada entrevista, um sujeito chamado 'Jader Sampaio'
diz que aquele blog é dele mesmo;
- O endereço IP (e outras informações técnicas)
mostram que o blog pertence a alguém chamado 'Jader Sampaio';
- Outros sites têm links para esse blog com a frase 'Blog
de Jader Sampaio';
Se eu quiser refutar a tese de que espiritismocomentado
é de Jader Sampaio, posso usar o truque da 'possibilidade
lógica/explicação ad hoc/cenário imaginário
de sofá' e descartar ou rejeitar as evidências
acima:
- Com relação ao nome e ao logo, posso dizer que
isso nada prova porque qualquer pessoa pode fazer um blog e colocar
como autor 'Jader Sampaio' e ainda fazer um logo parecido;
- Com relação à entrevista, posso dizer
que se trata de uma evidência anedótica e, portanto,
inválida. Além disso, é possível que
o sujeito em questão esteja simplesmente mentindo que seu
nome seja Jader Sampaio. E, ainda que eu aceite que seu nome seja
este, isso nada prova que o blog é dele. De qualquer forma,
é apenas 'um testemunho' e, portanto, sem muito valor do
ponto de vista científico;
- Com relação ao endereço IP, posso afirmar
que isso nada prova, porque é possível falsificar
um endereço IP ou qualquer outra informação
técnica como aquelas relativas a computadores ou um servidor
específico;
- Com relação aos links de outros sites para o
tal blog e a referência como um 'blog de Jader Sampaio',
posso mais uma vez dizer que isso nada prova, porque isso pode
ser forjado também. De qualquer forma, é uma evidência
anedótica (para um cético empedernido e racional
como eu, isso nunca prova nada).
Note que os argumentos acima podem muito provavelmente
ser motivados pelo meu desejo de desacreditar (especialmente,
se eu sou alguém que mantém uma ideologia
ou filosofia que pregue a inexistência de um tal
Jader Sampaio). Mas, também, esses são argumentos
baseados em especulações de sofá não
provadas relativas a outras 'possibilidades' ou cenários
imaginários que eu uso para invalidar qualquer evidência
ou fato que me é apresentado.
Note também que todas as possibilidades apresentada por mim
são perfeitamente possíveis. Mas isso não
as faz verdadeiras em nenhum caso específico.
Para saber se tais especulações são verdadeiras,
evidências que as suportem devem ser apresentadas (por exemplo,
que um hacker tenha forjado um endereço IP em um servidor
específico para falsificar também um nome como 'Jader
Sampaio').
Se eu afirmar que um fator X causa um 'habilidade psi' em laboratório,
então estou fazendo uma afirmação empírica
positiva e, se eu sou um cientista, tenho que testar minha
afirmação a respeito desse tal fator X para saber
se isso é certo ou não (se não estiver correta,
minha afirmação é cientificamente inútil
contra objeções válidas de cientistas que obtenham
evidências positivas para a hipótese psi); não
basta simplesmente assumir isso sem evidência empírica.
Obviamente, se eu quiser desacreditar a existência de
uma habilidade psi, então estarei bastante motivado
a aceitar qualquer alternativa ad hoc, mesmo que ela não
tenha sido testada ou confirmada. Mas, nesse caso, não estou
mais a fazer ciência, estou simplesmente protegendo
minhas crenças com especulações ad hoc e post
hoc. Basicamente, estou racionalizando minha fé contra a
existência de uma determinada coisa que eu não goste.
Isso é, em essência, chamado de wishful
thinking disfarçado como retórica científica.
Finalmente, como um exercício intelectual, imagine que você
não acredite em uma determinada afirmação (você
é livre para escolher qual afirmação será).
Você descobrirá, então, se usar especulações
ad hoc criativas, que sempre será capaz de se livrar
de evidências que sejam contrárias as suas crenças.
Quanto mais inteligente e esperto você for, tanto mais criativas
e persuasivas serão suas 'especulações ad hoc'.
Mas isso não muda o fato de que você está se
enganando a si mesmo com um método sofisticado de racionalização
de dados, fatos e evidências que desafiem suas crenças.
Em outras palavras, você está usando sua própria
inteligência e razão para se enganar. Ao invés
de usar isso para encontrar a verdade, você está
usando sua capacidade para racionalizar ou proteger suas tendências,
preconceitos ou preferências pessoais contra qualquer possibilidade
de refutação. É um processo sofisticado de
auto ilusão (que também impede que você perceba
que esta se enganando).
Ninguém pode estar 100% livre de ser tendencioso ou de truques
mentais para evitar essa 'dissonância cognitiva'. Mas, se
você ama realmente a verdade, você certamente fará
um esforço para controlar sua mente e manter seus preconceitos
sob controle consciente. Aprenderá então bastante
sobre sua própria mente, e também sobre a mente dos
outros.
Este é um texto traduzido e adaptado do original 'How to
debunk any claim that you want to disbelieve', acessível
em:
http://subversivethinking.blogspot.com/2009/04/how-to-debunk-any-claim-that-you-want.html.