
"Essas subversões, porém, são
frequentemente necessárias para que mais
pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que
se realize
em alguns anos o que teria exigido muitos séculos".
([1], Resposta à Questão # 737)
Flagelos destruidores são ocorrências
naturais que provocam a extinção em massa de seres vivos,
inclusive agrupamentos humanos. O que caracteriza os flagelos é
a intensidade e a velocidade de propagação.
A intensidade é medida em termos do total de mortes ou danos
causados pelo flagelo. A velocidade é a taxa com que a destruição
acontece.
O início de 2020 foi marcado
pelo inusitado aparecimento de uma epidemia local na China que logo
se tornou uma pandemia, afetando a maioria dos países. A incidência
pandêmica de um vírus chamado "Covid-19", a se
manifestar aparentemente como uma gripe comum, é considerada
um flagelo, dada a sua velocidade e intensidade de propagação.
Do contágio à morte, contam-se algumas semanas, com maior
taxa de mortalidade na população de idosos e pessoas que
apresentam problemas de saúde pré-existentes.
Uma geração inteira, que
já nasceu conectada através de recursos da internet, foi
surpreendida pela pandemia como uma novidade e uma gigantesca ameaça.
Entretanto, como flagelo destruidor, a pandemia do Covid-19 é
apenas uma das inúmeras pandemias ou epidemias de vastas proporções
já vividas pela Humanidade [2].
Assim como surgem, desaparecem deixando atrás de si um rastro
de morte e destruição. Para materialistas, essas ocorrências
naturais são a prova das forças cegas que podem destruir
a Humanidade inteira. Além do impacto econômico, sua maior
influência é o pessimismo e a desolação mental
que atingem principalmente aqueles que mais descreem na vida futura.
O mundo se torna sombrio, e cada minuto confinado é momento de
uma vida sem sentido.
Considerações espíritas
Para quem considera a vida desde a perspectiva da vida
maior do Espírito, o momento da pandemia permite inúmeras
reflexões em torno das questões 737 e 741 do Cap. VI,
3a Parte de "O Livro dos Espíritos".
Da leitura atenta dessa parte destacamos algumas passagens:
Ora, conforme temos dito, a
vida do corpo bem pouca coisa é.
Um século no vosso mundo não passa
de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos
de alguns dias ou de alguns meses, de que tanto vos queixais.
Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem
a tudo, formam o mundo real. Esses os filhos de Deus e o objeto de
toda a sua solicitude. Os corpos são meros disfarces com que
eles aparecem no mundo.
[1, trechos da resposta à Questão
#738a]
Quando a resposta afirma que "a
vida do corpo bem pouca coisa é" devemos entender o
contexto da pergunta. No caso, a vida humana é bem pouca coisa
desde o ponto de vista daquilo que homem costuma pensar de si como
encarnado, o que em uma afirmação anterior está
representado por "o homem tudo refere ao seu corpo". É
óbvio que a vida humana é relevante como oportunidade
de aprimoramento do Espírito. Cessa essa importância, porém,
quando o homem, orgulhoso, pensa que ela é a única coisa
que existe. Como o objetivo último é esse aprimoramento,
a vida pode chegar a um fim antecipado se sua continuação
representar um estorvo tanto para o progresso da alma encarnada como
para os grupos humanos (família, coletividade, etc) que são
obrigados a suportá-la.

"O anjo da morte às portas de Roma".
(Jules-Élie Delaunay. Fonte: Wikipedia)
Mas, não há como antecipar
em que momento a continuação da existência humana
representa um problema para o progresso da alma. Apenas a Providência
Divina tem essa informação. Da mesma forma, nenhum de
nós tem condição de sequer imaginar qual teria
sido a sucessão de coisas ou fatos caso um flagelo destruidor
como uma pandemia de longo curso não tivesse ocorrido. Não
há como afirmar que a vida teria sido mais bela: no balanço
geral dos ganhos, conta mais o avanço da alma humana em aspectos
imortais que não existem para a mente imediatista ou demasiadamente
ligada à matéria.
Assim, segundo os Espíritos,
que ditaram as respostas para A. Kardec, o objetivo maior dos flagelos
destruidores é:
...fazê-los progredir mais
depressa. Já não dissemos ser a destruição
uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos,
que, a cada nova existência, sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento?
[1, início da resposta à Questão
#737]
Esse progresso, entretanto, não
é imediato. Ele se dá tanto do ponto de vista dos objetivos
da alma como, possivelmente, do ponto de vista material. Conforme a
resposta da Questão #739:
Mas, o bem que deles resulta só
as gerações vindouras o experimentam.
Quantas gerações para
a frente da época de uma pandemia como a do Covid-19 serão
beneficiadas? A resposta ignoramos. Assim, flagelos destruidores - o
que incluem as epidemias - podem ser vistos também como "resgates
coletivos" que afetam o organismo da sociedade com alvos de aprimoramento
futuro que permanecem ocultos desde a perspectiva da vida imediata.
Abnegação, inteligência, resignação
e paciência
A comparação com "doenças
coletivas" também se estende a maneira como eles devem ser
encarados no momento em que surgem:
Os flagelos
são provas que dão ao homem ocasião de exercitar
a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação
ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus
sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor
ao próximo, se o não domina o egoísmo.
[1, resposta à Questão 740]
Essa resposta contém inúmeras
lições. Quando os Espíritos afirmam que os flagelos
são "ocasião para exercitar a inteligência"
querem dizer que o homem deve lançar mão de todos os recursos
possíveis para abrandar ou mitigar seus efeitos. Desde o desenvolvimento
de vacinas até a adoção de medidas de higienização,
planejamento e isolamento protegem, em tese, a coletividade não
só da doença em curso, mas de outras futuras. O "exercício
da inteligência" significa principalmente o uso sistemático
do conhecimento científico que nada mais é do que fonte
de progresso material.
Chama a atenção a parte
final da resposta à Questão 741 (grifo nosso):
Contudo, entre os males que afligem
a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão
nos decretos da Providência e dos quais cada indivíduo
recebe, mais ou menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem opor,
a não ser sua submissão à vontade de Deus. Esses
mesmos males, entretanto, ele muitas vezes os agrava pela sua negligência.
Se o momento exige inteligência
e resignação, a negligência desses aspectos pode
levar ao agravamento dos males e de suas consequências. A resposta
também contém a revelação do caráter
de fatalidade ligado aos flagelos, pois estão entre os "decretos
da Providência". Contra isso os Espíritos indicam
o remédio: o exercício da paciência e da resignação,
ao que se deve adicionar a abnegação e a ajuda aos que
estão mais expostos às vicissitudes do momento. De fato,
toda crise representa uma oportunidade para exercitar essas virtudes
da alma que são patrimônios inalienáveis do futuro.
Para futuras reflexões
Como possíveis benefícios
futuros do Covid-19, à luz do que vimos aqui, consideramos os
seguintes pontos para futuras reflexões: