"Uma coisa que aprendi
em minha vida é que toda nossa Ciência, se comparada
à realidade, é primitiva e infantil.
Mas, mesmo assim, é a coisa mais preciosa que temos."
A. Einstein
O público em geral tem várias
opiniões formadas sobre o que é Ciência. Isso
é importante já que a Ciência substituiu a autoridade
religiosa em nosso tempo. Nada há mais bem conceituado hoje
em dia do que essa autoridade da Ciência. Entretanto, como
seria possível descrever corretamente o conhecimento científico?
Será que a Ciência se limita apenas ao conhecimento
que está disponível na forma de livros científicos
ou artigos?
Aqui descrevo o meu ponto de vista, sem entrar em detalhes complexos
que o leitor pode encontrar ao buscar por suporte em algum livro
de Epistemologia da Ciência. Essa área da Filosofia
foi justamente criada para tratar esses problemas. No que segue
não exporei nada sobre as principais teorias do conhecimento,
mas discuto precariamente o que aprendi na minha vivência
como cientista.
Nosso objetivo aqui é discutir posteriormente essas ideias
e as novas proposições de pesquisa dos fenômenos
psíquicos, bem como o caráter científico das
teorias que se aventaram para os explicar.
Elementos da Ciência
Para que haja Ciência (note que escrevo essa palavra com letra
maiúscula) são necessários, ao meu ver, 3 ingredientes:
Objeto
de estudo:
É o objeto, coisa física ou não sobre a qual
as teorias e explicações científicas irão
versar. Por exemplo, há uma ciência que estuda átomos
e suas relações ou interações, há
outra que estuda os fenômenos climáticos etc. A Ciência,
para existir, tem que ter definido um objeto de estudo. A questão
do objeto de estudo é especialmente crítica, uma
vez que, por não se reconhecer a existência de outros
objetos além dos que já são conhecidos em
uma determinada época, é impossível estabelecer
a Ciência.
Linguagem:
É a maneira como a Ciência fará suas
proposições sobre o objeto de estudo. No caso feliz
da Física (ou mesmo da Química), essa linguagem
é essencialmente matemática, ou seja, utiliza abstrações
lógicas, construções abstratas e teoremas
envolvendo essas construções. Há muita gente
que acha de forma incorreta que, se o conhecimento científico
não puder ser colocado na forma de proposições
que se reduzem a números, não há Ciência.
Isso é um erro grave, já que as coisas são
justamente assim na Física por uma peculiaridade do objeto
de difícil prever as consequências do conhecimento
científico.
Método:
Aqui nos deparamos com algo mais delicado, fonte de inúmeras
confusões. O método (assim como a linguagem) não
pode ser definido de forma independente do objeto de estudo e
da linguagem. Há pessoas (inclusive vários acadêmicos)
que acham ser possível estabelecer um método geral
para fazer ciência independente do objeto de estudo. Essa
crença é resultado de uma visão parcial e
deficiente a respeito da maneira como a Ciência operou e
se desenvolveu ao longo da história. O método ou
processo de se fazer Ciência é altamente dependente
do objeto de estudo e da linguagem, ou seja, das teorias científicas
que são levantadas preliminarmente para se estudar o objeto
de estudo. Ou seja, dependendo da explicação ou
hipótese levantada para explicar a origem ou fonte de um
determinado fenômeno, um método de investigação
diferente deverá ser implementado.
Há muitas pessoas que acham que o método científico
é a fonte do conhecimento genuinamente científico
- e, portanto, genuinamente verdadeiro. Acreditam que o conhecimento
pode ser adquirido através de um conjunto de passos que se
inicia com uma evidência, se amontoam ou adicionam outros
próximos e, de evidência em evidência, se chega
à verdade. O ceticismo dogmático confere grande importância
às evidências justamente porque se apoia nessa noção
muito popular de se fazer Ciência. Essa ideia é problemática
porque, muitas vezes, considerações sobre os objetos
de estudo e linguagem não são levados em consideração.
Efeitos com origem em determinadas causas são confundidos
com outros efeitos que tem natureza conhecida. Acredita-se que um
determinado fenômeno deve ser enquadrado dentro da perspectiva
de outros conhecidos, com linguagem própria.
Antigamente (antes do Sec. 20) a comunidade
acadêmica
achava que meteoritos eram pedras lançadas
durante erupções de vulcões distantes.
Um exemplo típico dessa visão foram as primeiras teorias
sobre quedas de pedras (meteoritos) do céu. A comunidade
científica até a época de Arago (1786-1853),
não acreditava que pedras poderiam cair do céu. Portanto,
as que eram observadas caindo só poderiam provir de erupções
vulcânicas distantes, caso os relatos fossem considerados
verídicos. Achava-se que vulcões tinham força
suficiente para erger monolitos inteiros a centenas de quilômetros
de distância. Nenhuma evidência nessa caso foi suficiente
para convencer o contrário. Por que isso ocorreu? A explicação
mais plausível - frequentemente chamada pelo ceticismo dogmático
de 'navalha de Occam' - não exigia que pedras viessem de
fora da Terra, mas era suficiente imaginar que voariam com as explosões,
pois muitas pedras foram observadas voando nas proximidades de vulcões
em erupção.
Ou seja, existiam evidências fortes para a teoria amplamente
aceita na época. As evidências mudaram depois que se
observou que a maior parte das pedras que cairam tinham um composição
característica, diferente daquelas ligadas a erupções
vulcânicas. Um estudo muito mais meticuloso foi necessário
para comprovar a 'evidência extraordinária' para a
queda de pedras do céu. Obviamente que a mera observação
dessas ocorrências - testemunhadas por qualquer indivíduo
desde o início da civilização - não
era considerada evidência extraordinária.
Esse exemplo tirado da História mostra que Ciência
não começa com acumulo de evidências e fatos,
já que as evidências e os fatos devem ser interpretados
para serem aceitos. E a interpretação dos fatos não
depende deles mesmos, mas do que está dentro da cabeça
das pessoas. Logo a Ciência é uma construção
humana, cultural e não algo independente de considerações
humanas.
Ciência fértil ocorre quando há uma interação
fértil entre as noções de objeto de estudo,
linguagem e método. Entretanto, só isso não
é suficiente. Os resultados devem estar disponíveis
publicamente. Como sempre ocorre às vezes, as consequências
(ou efeitos) são tomadas pelas causas, a ponto de ser bastante
comum se confundir conhecimento científico com conhecimento
acadêmico. Não é o conhecimento acadêmico
aquele que está publicamente disponível e que foi
analisado por um método próprio de análise
por consultores independentes etc?
Não há espaço aqui para criar uma disputa sobre
as vantagens e desvantagens do método de publicações
ou 'análise por pares'. Nosso interesse é na idéia
ou concepção de Ciência. Há verdadeira
Ciência quando as causas dos fenômenos recebem explicação
satisfatória, esteja ela ou não publicamente disponível
na forma de publicações acadêmicas. Seja ela
aceita ou não. No que segue iremos analisar esse ponto que
gera outro tipo de confusão.