A (verdadeira e necessária)
união entre os espíritas, segundo Vicente de Paulo
Em duas comunicações
que Allan Kardec resolveu apresentar no capítulo XXXI de O
Livro dos Médiuns, sob o título “Dissertações
Espíritas”, direcionadas, segundo o Codificador,
para o porvir do Espiritismo, aos médiuns e às reuniões
espiritistas, nos itens XX e XXVI, encontramos duas mensagens assinadas
por Vicente de Paulo, personagem que, aliás, já havia
se manifestado inúmeras outras vezes, sobretudo subscrevendo
textos contidos em O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Vicente de Paulo (1581-1660) ficou conhecido, na História da
Humanidade, sob a expressão de um sacerdote católico
francês do século XVII, o qual teve como divisa teórica
e prática a caridade. Dedicado à evangelização
de parcelas mais carentes da sociedade francesa, realizou prodígios
visando minorar as dores dos camponeses, contribuindo, ainda, para
a alteração da estrutura da Igreja Romana, por sua ativa
participação no Conselho de Consciência, órgão
encarregado de examinar todos os casos concernentes à Igreja,
decisivo para o Renascimento católico.
Debruçando-nos sobre as contingências espíritas
de nosso tempo e percebendo a relativa dualidade entre religiosos
e laicos, que, cada qual entende e professa a Doutrina dos Espíritos,
com base em práxis diversas e, até, antagônicas,
entendemos que o momento é decisivo e exige, de todos, principalmente
das lideranças e dos escritores e jornalistas espíritas,
prudência, bom-senso e espírito de diálogo, conciliação
e, sobretudo, caridade.
Caridade para entender que cada qual reage conforme sua bagagem espiritual
e se afiniza com ideias e práticas mais concernentes com seus
hábitos, crenças e idiossincrasias íntimas. Em
outras palavras, a parte majoritária do movimento espírita
afilia-se à noção religiosa da Doutrina e, em
conseqüência, entende a caridade como a prática
assistencialista, prioritariamente dentro das instituições,
por meio de projetos e campanhas específicas. De outro lado,
a corrente filosófico-científica, denominada de laica,
mesmo reconhecendo o caráter moralizador do conteúdo
espiritista e o seu embasamento nas máximas morais de Jesus,
propugna pela não-adesão ao sentido religioso da doutrina
e pela prática espírita extra-muros das entidades espíritas.
Caridade, também, para perceber que devamos investir nas semelhanças,
que são muitas, efetivando parcerias que iniciem na promoção
de eventos em que se busque a difusão das ideias espiritistas,
investindo, ainda mais, em espaços de comunicação,
ou seja, de aproximação, contato, fraternidade e debate,
à luz do pensamento espírita, sem intenção
de cooptação ou desejo de sobrepujar-se ao outro.
Para Vicente, “O Espiritismo devera ser uma égide
contra o espírito de discórdia e de dissensão;
mas, esse espírito, desde todos os tempos, vem brandindo o
seu facho sobre os humanos, porque cioso ele é da ventura que
a paz e a união proporcionam.” A discórdia
e a dissensão, para ele, penetraria nas assembléias
espíritas, deles decorrendo a desafeição entre
os seguidores da doutrina. Recomenda, ele, assim, guarda e vigilância,
porque ancoradas na paciência e na conciliação
que a caridade verdadeira inspira e, no caso de ser necessária
a separação entre o joio e o trigo, os bons espíritos
“[...] estarão sempre do lado onde houver mais humildade
e verdadeira caridade”. (OLM,
cap. XXXI, item XXVI.)
De modo usual, uns e outros sempre se posicionam como “detentores”
da verdade, com auto-designações como “pureza
doutrinária”, “espiritismo verdadeiro”, “verdadeiro
caráter da doutrina”, “resgate do pensamento kardecista”,
etc., ou, de modo complementar, posicionam-se em relação
aos “outros”, com adjetivações como “pseudo-espíritas”,
“reformadores”, “espiritualistas”, “movimento
paralelo”, para ficarmos nas principais nomenclaturas, aplicáveis,
é verdade, em cenários e para destinatários específicos.
Isto quando, por conveniência e diretriz, não adotam
postura outra senão a de indiferença, fazendo de conta
que “a” ou “b” não existem (ou não
têm representatividade ou importância).
É mais do que hora de
nos motivarmos ao exame sério, criterioso e detalhado da situação
vivida no seio do movimento espírita (principalmente no Brasil).
Há, notadamente, uma intransigência generalizada na direção
de qualquer aproximação, por mais sutil que seja. Em
eventos “oficiais”, promovidos por entidades “independentes”
(espíritas ou não), temos visto uma espécie de
“saia-justa” entre os dirigentes da corrente majoritária,
por terem que “dividir” a mesa de honra com representantes
do outro grupo.
Repisando o iluminado mentor, na outra passagem selecionada, encontraríamos
novas (e severas, porquanto oportunas) advertências: “Sede
unidos, para serdes fortes”, justamente para resistir,
diz ele, “ [...] aos dardos envenenados da calúnia
e da negra falange dos Espíritos ignorantes, egoístas
e hipócritas”. E, catedraticamente, postula acerca
da necessidade de agirem, todos os genuínos espíritas,
com indulgência e tolerância recíprocas, para esquecer
eventuais defeitos – de uns e de outros – tornando notórias
as qualidades, numa amizade sincera que é o sustentáculo
para a resistência aos “ataques do mal”.
Enquanto continuarmos – clara ou veladamente – nos combatendo,
em busca de uma unidade que se traveste em uniformidade e dependência,
enquanto primarmos pela adoção de sistemas rígidos
de controle e tutela das atividades espiritistas, não dando
oportunidade ao espírito de liberdade, cunhado pela Espiritualidade
Superior como o principal requisito e legítima alavanca do
progresso espiritual, estaremos fadados a ser (mais) um movimento
de feições religiosas e de intransigência, tanto
nas relações íntimas – com disputas de
poder e influência – quanto no cenário exterior,
numa época em que o mundo desperta para o combate de toda e
qualquer intolerância, preconceito e fundamentalismo.
Este fundamentalismo, aliás, precisa urgentemente de um basta!
Porque todos, invariavelmente, somos espíritas e porque a compreensão
das verdades e dos princípios da Doutrina Espírita compreende
e permite que, ainda que de modo parcial e evolutivo, nossas percepções
e leituras sejam distintas, caminhando, com a marcha do progresso,
para a convergência, num futuro que é obra consequente
do presente.
As mensagens
originais assinadas por Vicente de Paulo,
em O Livro dos Médiuns:
XX
“A união faz a força.
Sede unidos, para serdes fortes.
O Espiritismo germinou, deitou raízes profundas. Vai estender
por sobre a terra sua ramagem benfazeja. E preciso vos tomeis invulneráveis
aos dardos envenenados da calúnia e da negra falange dos Espíritos
ignorantes, egoístas e hipócritas. Para chegardes a
isso, mister se faz que uma indulgência e uma tolerância
recíprocas presidam às vossas relações;
que os vossos defeitos passem despercebidos; que somente as vossas
qualidades sejam notórias; que o facho da amizade santa vos
funda, ilumine e aqueça os corações. Assim resistireis
aos ataques impotentes do mal, como o rochedo inabalável à
vaga furiosa.”
[...]
XX
“O Espiritismo deverá
ser uma égide contra o espírito de discórdia
e de dissensão; mas, esse espírito, desde todos os tempos,
vem brandindo o seu facho sobre os humanos, porque cioso ele é
da ventura que a paz e a união proporcionam. Espíritas!
bem pode ele, portanto, penetrar nas vossas assembléias e,
não duvideis, procurará semear entre vós a desafeição.
Impotente, porém, será contra os que tenham a animá-los
o sentimento da verdadeira caridade.
Estai, pois, em guarda e vigiai incessantemente à porta do
vosso coração, como à das vossas reuniões,
para que o inimigo não a penetre. Se forem vãos os vossos
esforços contra o de fora, sempre de vós dependerá
impedir-lhe o acesso em vossa alma. Se dissensões entre vós
se produzirem, só por maus Espíritos poderão
ser suscitadas. Mostrem-se, por conseguinte, mais pacientes, mais
dignos e mais conciliadores aqueles que no mais alto grau se achem
penetrados dos sentimentos dos deveres que lhes impõe a urbanidade,
tanto quanto o vero Espiritismo. Pode dar-se que, às vezes,
os bons Espíritos permitam essas lutas, para facultarem, assim
aos bons, como aos maus sentimentos, ensejo de se revelarem, a fim
de separar-se o trigo do joio. Eles, porém, estarão
sempre do lado onde houver mais humildade e verdadeira caridade.”
(*) Marcelo Henrique Pereira, Mestre em Ciência
Jurídica, Presidente da Associação de Divulgadores
do Espiritismo de Santa Catarina e Delegado da Confederação
Espírita Pan-Americana para a Grande Florianópolis (SC)
Fonte:
http://aeradoespirito.sites.uol.com.br/A_ERA_DO_ESPIRITO_-_Portal/ARTIGOS/ArtigosGRs/A_UNIAO_ENTRE_OS_ESP_MH.html