A vida da modernidade tem contornos específicos e problemas
marcantes. Muitos, inclusive, cuja projeção para o futuro
(mais ou menos distante) aponta para situações de relativa
gravidade, para não dizer inviabilidade. Uma das mais significativas
mudanças dos últimos tempos tem sido a acentuada concentração
de pessoas em núcleos populacionais urbanos de cidades de médio
e grande porte, gerando situações como o aumento da
violência, o crescimento desenfreado das cidades, a deficiência
na limpeza urbana e no saneamento, a poluição sob qualquer
de suas formas (sonora, visual, do ar, do solo, da água), o
desmatamento e a redução de áreas de circulação
comum e espaços de lazer, entre muitos outros.
Prevalece a “busca pelo éden”,
calcada na idéia (quase sempre não concretizada) da
busca por melhores oportunidades e condições de vida,
que resultam, em contraponto, na submoradia, subemprego e na ausência
dos mínimos padrões de qualidade de vida.
Um dos problemas mais prementes é
a questão da coleta e da destinação de resíduos
sólidos. Em primeiro plano, não há uma conscientização
para a reciclagem de materiais e, conseqüentemente, quase todo
o lixo que produzimos é acondicionado nos mesmos recipientes,
inviabilizando a possibilidade do reaproveitamento de determinados
materiais. Em segundo plano, também é visível
o esgotamento das áreas disponíveis para destinação
do luxo urbano, pois muitos locais ou já estão esgotados
ou caminham largamente para isso. Novos locais, como se sabe, dependem
de criteriosa burocracia, com pareceres ou relatórios de impacto
ambiental que dificilmente são obtidos, em virtude do amplo
potencial danoso dos dejetos.
Em termos espirituais, é dever
do ser inteligente contribuir para a conservação do
meio-ambiente, tanto quanto de sua própria conservação
individual (vida física), a exemplo da diretriz contida nos
itens 702 e 703, de O livro dos espíritos. Em paralelo, a Natureza,
por si só, sujeita-se aos padrões imutáveis da
Lei Divina (ou Natural) e é o homem, sempre, quem procede de
forma desidiosa, imprudente, imperita ou negligente, provocando catástrofes
e reações violentas. Ademais, ela, a Natureza “[...]
não pode ser responsável pelos defeitos da organização
social, nem pelas conseqüências da ambição
e do amor-próprio”, numa severa advertência espiritual
ao modus procedendi dos espíritos encarnados que consideram
os reinos naturais como propriedade sua (OLE, quesito 707, comentário
de Allan Kardec).
MEIRELLES (2000, p. 529) reforça
a idéia da proteção ambiental, que “[...]
visa à preservação da Natureza em todos os elementos
essenciais à vida humana e à manutenção
do equilíbrio ecológico, diante do ímpeto predatório
das nações civilizadas, que, em nome do desenvolvimento,
devastam florestas, exaurem o solo, exterminam a fauna, poluem as
águas e o ar.” E completa atestando que a destruição
da Natureza tem estreita ligação com o desmedido crescimento
populacional, assim como o avanço científico e tecnológico.
Flagrante, portanto, o dever estatal
de promover a proteção ambiental, por diversos instrumentos,
entre os quais, para a matéria objeto deste artigo, a política
de desenvolvimento urbano, por diretriz constitucional federal (art.
182, caput) e com supedâneo na Lei Federal n. 10.257/01 (Estatuto
da Cidade), visando o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Uma cidade há de ser sustentável
e o condão de sustentabilidade perpassa a noção
da correta destinação do lixo e, também, do reaproveitamento
potencial dos materiais ditos recicláveis, mediante a adoção
de políticas claras e constantes, medidas e estratégias
que favoreçam tanto a gestão político-administrativa
quanto a conviviabilidade e o progresso humanos.
Cada cidade com mais de 20.000 habitantes,
assim, teve a obrigatoriedade de, até 6 de outubro de 2006,
elaborar um novo Plano Diretor como instrumento básico da política
municipal de desenvolvimento e expansão urbana.
O paradigma lavoisieriano deveria
ser (parcial ou integralmente) cumprido por nós humanos, permitindo-se
uma (maior e melhor) readequação de conceitos, a partir
da idéia de que “tudo se transforma”. Em linhas
gerais, o homem – animal inteligente – desperdiça
(e muito) aquilo que considera descartável ou desnecessário.
Há tempos, pessoas e instituições têm se
debruçado sobre esta questão, para enquadrar alternativas
de minimização do efeito danoso do lixo que a Humanidade
produz. Neste sentido, foi concebida a teoria dos três “erres”:
Reduzir, Reaproveitar e Reciclar. Pela ordem, diminuir a quantidade
de resíduos produzidos (em face da economia que é evitar
o resultado do que tratá-lo); se impossível, permitir
a reutilização de todo e qualquer material que não
esteja em condições de descarte, evitando custos com
novos ou distintos; por fim, submeter o material coletado a novos
processos produtivos, readaptativos, para recolocá-los no mercado,
de modo idêntico, similar ou, em último caso, produzir
energia, o que, em essência, gera custos, mas inegavelmente
menores do que a mera disposição em aterros.
Quatro categorias de produtos estão
sujeitos, em princípio, à reciclagem: metais, plásticos,
papéis e vidros, bem como todo e qualquer material orgânico.
Neste último caso, o destino usual tem sido a adubação
do solo.
A reciclagem do lixo, assim, é
um complexo sucessivo de atos que principia (ou deveria principiar)
pela coleta seletiva, induzindo (ou forçando) o cidadão
a participar da mecânica de separação do lixo
domiciliar, em embalagens e recipientes destacados e diversos. Vários
centros urbanos já dispõem – seja por iniciativa
pública ou privada – de reservatórios e veículos
especializados na coleta seletiva, resultando em benefícios
diretos – econômicos ou não – e indiretos,
apesar de, em termos financeiros, os custos serem superiores ao recolhimento
usual de lixo. A coleta seletiva, assim, enquadra quatro vertentes
básicas: econômica, ambiental, social e política.
Econômica em função de todo um mercado de reciclagem,
tanto em termos de seleção, transporte e transformação,
quanto na disponibilização de um novo produto para o
consumidor. Ambiental porque permite a redução dos níveis
poluitivos e a degradação do meio-ambiente. Social porque,
além do aspecto e(ou re)ducacional, surgem outras oportunidades
de trabalho para a mão-de-obra não-qualificada, que
estaria na marginalidade ou sem trabalho pelas vias usuais (pobreza
e exclusão social). Política porque movimenta governos,
Sociedade, partidos políticos, movimentos sociais, enfim, uma
variada gama de atores interessados na redução dos problemas
sociais e na discussão de alternativas para estes últimos.
No âmago desta questão
– a do lixo – está um componente eminentemente
pedagógico, a conscientização humana, derivada
da noção de responsabilidade, comprometimento e participação.
Um valor fundamental de cada indivíduo, calcado na reeducação
de comportamentos, investindo-se numa nova cultura que principia pelas
ações de separar, limpar e acondicionar corretamente
todo o lixo individualmente produzido, sem grande gasto de tempo ou
energia pessoal, desde que incorporado aos hábitos do dia-a-dia.
Todavia, como toda transformação,
exige um certo grau de esforço inicial para superar o comodismo
e a negação dos resultados, ou a preguiça e a
opinião de que “isso não vai dar certo”
ou “isso dá muito trabalho”.
Reciclagem
é, pois, evidência de cidadania plena. Sinal de
evolução para indivíduos e coletividades conscientes
que, à luz da filosofia espírita, empregam todos os
esforços para que as leis de conservação, destruição
e evolução operem naturalmente, a elas adequando-se
e contribuindo, decisivamente, para a melhoria das condições
materiais e espirituais do orbe em que vivemos.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad.
José Herculano Pires. São Paulo: Lake, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro.
25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.