Marcelo Henrique Pereira

>   Cidadania e Meio-Ambiente : a questão do lixo

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Marcelo Henrique Pereira
>   Cidadania e Meio-Ambiente : a questão do lixo

 



A vida da modernidade tem contornos específicos e problemas marcantes. Muitos, inclusive, cuja projeção para o futuro (mais ou menos distante) aponta para situações de relativa gravidade, para não dizer inviabilidade. Uma das mais significativas mudanças dos últimos tempos tem sido a acentuada concentração de pessoas em núcleos populacionais urbanos de cidades de médio e grande porte, gerando situações como o aumento da violência, o crescimento desenfreado das cidades, a deficiência na limpeza urbana e no saneamento, a poluição sob qualquer de suas formas (sonora, visual, do ar, do solo, da água), o desmatamento e a redução de áreas de circulação comum e espaços de lazer, entre muitos outros.

Prevalece a “busca pelo éden”, calcada na idéia (quase sempre não concretizada) da busca por melhores oportunidades e condições de vida, que resultam, em contraponto, na submoradia, subemprego e na ausência dos mínimos padrões de qualidade de vida.

Um dos problemas mais prementes é a questão da coleta e da destinação de resíduos sólidos. Em primeiro plano, não há uma conscientização para a reciclagem de materiais e, conseqüentemente, quase todo o lixo que produzimos é acondicionado nos mesmos recipientes, inviabilizando a possibilidade do reaproveitamento de determinados materiais. Em segundo plano, também é visível o esgotamento das áreas disponíveis para destinação do luxo urbano, pois muitos locais ou já estão esgotados ou caminham largamente para isso. Novos locais, como se sabe, dependem de criteriosa burocracia, com pareceres ou relatórios de impacto ambiental que dificilmente são obtidos, em virtude do amplo potencial danoso dos dejetos.

Em termos espirituais, é dever do ser inteligente contribuir para a conservação do meio-ambiente, tanto quanto de sua própria conservação individual (vida física), a exemplo da diretriz contida nos itens 702 e 703, de O livro dos espíritos. Em paralelo, a Natureza, por si só, sujeita-se aos padrões imutáveis da Lei Divina (ou Natural) e é o homem, sempre, quem procede de forma desidiosa, imprudente, imperita ou negligente, provocando catástrofes e reações violentas. Ademais, ela, a Natureza “[...] não pode ser responsável pelos defeitos da organização social, nem pelas conseqüências da ambição e do amor-próprio”, numa severa advertência espiritual ao modus procedendi dos espíritos encarnados que consideram os reinos naturais como propriedade sua (OLE, quesito 707, comentário de Allan Kardec).

MEIRELLES (2000, p. 529) reforça a idéia da proteção ambiental, que “[...] visa à preservação da Natureza em todos os elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, diante do ímpeto predatório das nações civilizadas, que, em nome do desenvolvimento, devastam florestas, exaurem o solo, exterminam a fauna, poluem as águas e o ar.” E completa atestando que a destruição da Natureza tem estreita ligação com o desmedido crescimento populacional, assim como o avanço científico e tecnológico.

Flagrante, portanto, o dever estatal de promover a proteção ambiental, por diversos instrumentos, entre os quais, para a matéria objeto deste artigo, a política de desenvolvimento urbano, por diretriz constitucional federal (art. 182, caput) e com supedâneo na Lei Federal n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade), visando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Uma cidade há de ser sustentável e o condão de sustentabilidade perpassa a noção da correta destinação do lixo e, também, do reaproveitamento potencial dos materiais ditos recicláveis, mediante a adoção de políticas claras e constantes, medidas e estratégias que favoreçam tanto a gestão político-administrativa quanto a conviviabilidade e o progresso humanos.

Cada cidade com mais de 20.000 habitantes, assim, teve a obrigatoriedade de, até 6 de outubro de 2006, elaborar um novo Plano Diretor como instrumento básico da política municipal de desenvolvimento e expansão urbana.

O paradigma lavoisieriano deveria ser (parcial ou integralmente) cumprido por nós humanos, permitindo-se uma (maior e melhor) readequação de conceitos, a partir da idéia de que “tudo se transforma”. Em linhas gerais, o homem – animal inteligente – desperdiça (e muito) aquilo que considera descartável ou desnecessário. Há tempos, pessoas e instituições têm se debruçado sobre esta questão, para enquadrar alternativas de minimização do efeito danoso do lixo que a Humanidade produz. Neste sentido, foi concebida a teoria dos três “erres”: Reduzir, Reaproveitar e Reciclar. Pela ordem, diminuir a quantidade de resíduos produzidos (em face da economia que é evitar o resultado do que tratá-lo); se impossível, permitir a reutilização de todo e qualquer material que não esteja em condições de descarte, evitando custos com novos ou distintos; por fim, submeter o material coletado a novos processos produtivos, readaptativos, para recolocá-los no mercado, de modo idêntico, similar ou, em último caso, produzir energia, o que, em essência, gera custos, mas inegavelmente menores do que a mera disposição em aterros.

Quatro categorias de produtos estão sujeitos, em princípio, à reciclagem: metais, plásticos, papéis e vidros, bem como todo e qualquer material orgânico. Neste último caso, o destino usual tem sido a adubação do solo.

A reciclagem do lixo, assim, é um complexo sucessivo de atos que principia (ou deveria principiar) pela coleta seletiva, induzindo (ou forçando) o cidadão a participar da mecânica de separação do lixo domiciliar, em embalagens e recipientes destacados e diversos. Vários centros urbanos já dispõem – seja por iniciativa pública ou privada – de reservatórios e veículos especializados na coleta seletiva, resultando em benefícios diretos – econômicos ou não – e indiretos, apesar de, em termos financeiros, os custos serem superiores ao recolhimento usual de lixo. A coleta seletiva, assim, enquadra quatro vertentes básicas: econômica, ambiental, social e política. Econômica em função de todo um mercado de reciclagem, tanto em termos de seleção, transporte e transformação, quanto na disponibilização de um novo produto para o consumidor. Ambiental porque permite a redução dos níveis poluitivos e a degradação do meio-ambiente. Social porque, além do aspecto e(ou re)ducacional, surgem outras oportunidades de trabalho para a mão-de-obra não-qualificada, que estaria na marginalidade ou sem trabalho pelas vias usuais (pobreza e exclusão social). Política porque movimenta governos, Sociedade, partidos políticos, movimentos sociais, enfim, uma variada gama de atores interessados na redução dos problemas sociais e na discussão de alternativas para estes últimos.

No âmago desta questão – a do lixo – está um componente eminentemente pedagógico, a conscientização humana, derivada da noção de responsabilidade, comprometimento e participação. Um valor fundamental de cada indivíduo, calcado na reeducação de comportamentos, investindo-se numa nova cultura que principia pelas ações de separar, limpar e acondicionar corretamente todo o lixo individualmente produzido, sem grande gasto de tempo ou energia pessoal, desde que incorporado aos hábitos do dia-a-dia.

Todavia, como toda transformação, exige um certo grau de esforço inicial para superar o comodismo e a negação dos resultados, ou a preguiça e a opinião de que “isso não vai dar certo” ou “isso dá muito trabalho”.

Reciclagem é, pois, evidência de cidadania plena. Sinal de evolução para indivíduos e coletividades conscientes que, à luz da filosofia espírita, empregam todos os esforços para que as leis de conservação, destruição e evolução operem naturalmente, a elas adequando-se e contribuindo, decisivamente, para a melhoria das condições materiais e espirituais do orbe em que vivemos.

 


REFERÊNCIAS

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. José Herculano Pires. São Paulo: Lake, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

 



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