Diz-se, em sociologia política, que política é
a “arte de [bem] governar”. Idealmente, claro. E, não
são poucas as vezes que, em conversas, reportagens ou palestras,
ouvimos dizer que “cada povo tem o governo que merece”.
Será mesmo? Vamos ver...
Em linhas iniciais, os sistemas políticos de nosso tempo consagram
como balizas a democracia (participação popular), o
direito ao voto (escolha de representantes) e a representatividade
(membros dos poderes executivo e legislativo). Assim, fica flagrante
a vinculação entre governo-governantes e o povo, de
vez que somos nós, a cada dois anos (levando em conta as eleições
municipais, num pleito, e as estaduais e federais, noutro), quem elegemos
aqueles que serão os nossos representantes políticos.
Logo, em sentido ideal, com base nas escolhas que fazemos (plantio),
temos os políticos que merecemos (colheita).
Mas não vamos só criticar, porque partilhamos do conceito
de que as coisas são neutras, em sua essência original
e o homem - ser inteligente - as aproveita como melhor lhe convier.
Por isso, as instituições, as organizações,
as funções, cargos e, também, os mandatos políticos
são necessárias para a vida social e alguém tem
que representar o povo.
Então, muito há, ainda, o que evoluir em termos de consciência
cívica e cidadania, para alcançar um estágio
ideal onde todos sejam suficientemente lúcidos, informados
e interessados para votarem em pessoas que se alinhem ideologicamente
com o seu perfil individual, além de cogitarem, no ato da escolha,
da possibilidade de atendimento às reais necessidades coletivas.
Em outras palavras, uma Sociedade efetiva-mente politizada não
se deixa levar pela “aparência” do candidato, seu
rosto, sua imagem, sua fala, mas, opostamente, valoriza seus feitos,
sua história política e social e o presságio
do atendimento (materialização) das propostas que, na
época de propaganda eleitoral e difusão de idéias
foram apresentadas. Isto porque, em muitos casos, há que se
atentar para a viabilidade (estrutural ou conjuntural) para que determinados
projetos ou plataformas políticas se efetivem em nossa Sociedade.
Endereçando o viés para o público espírita,
seria necessário, inicialmente, apresentar qual é a
efetiva proposta da filosofia espírita para o mundo em que
vivemos. Se o Espiritismo compreende os ideais de re-novação
da humanidade, com informações espirituais àqueles
que tiverem “ouvidos para ouvir e olhos para ver”, estima-se
que os ideais espíritas deixem de ser “mera filosofia”
para agregarem-se às práticas cotidianas das pessoas,
de modo que as máximas, os preceitos e os conceitos espíritas
possam estar consolidados nas ações humanas. Por isso,
convenciona-se dizer, nos últimos tempos, que não se
faz Espiritismo apenas e tão-somente no interior das Casas
(ou Instituições) Espíritas. Para tornar-se crença
comum (não no sentido religioso – o ufanismo do “futuro
das religiões”, a “religião do futuro”,
o “ecumenismo” – mas, do contrário, a noção
comum, com base no entendimento da maioria das criaturas aqui encarnadas,
como afiançado pela Falange da Verdade a Kardec), a Doutrina
precisa ganhar as ruas, não pela simples pregação
e doutrinação, mas pela presença (ativa) de seus
adeptos e divulgadores nos diversos cenários da vida humana,
como agentes transformadores. Participando, efetivamente, e não
se esquivando, com a desculpa de que tudo evoluirá, um dia,
e que os Mentores Espirituais, os grandes encarregados por tarefas
e missões, neste planeta, conduzirão, no tempo certo,
o mundo para o estágio regenerativo.
Muitos espíritas, paciente-mente, ficam esperando... Enquanto
este dia não vem, adeptos de outras ideologias e correntes
filosóficas ou religiosas ocupam espaços, defendem suas
formas (restritas e, quase sempre, a nosso ver, incorretas) de ver
o mundo, a vida, os homens. Ficamos lamentando que as organizações
sociais são materialistas... Bradamos contra a existência
de tantos feriados “católicos”, num país
laico, sem derivação religiosa qualquer. A visão
espírita precisa, então, pelo menos, ser apresentada,
ex-posta, defendida, contraposta aos padrões ideológicos
vigentes ou conhecidos.
E, para “introduzir” a filosofia espírita na “ordem
do dia”, além das reportagens, seriados, filmes, novelas
e entrevistas, os espíritas precisam participar, concorrer,
disponibilizarem-se. Tanto na atuação parlamentar como
na atividade executiva, é necessária a presença
de criaturas comprometidas com a filosofia espírita para disseminarem
(novas) idéias naqueles meios. Inicialmente, de forma minoritária;
depois, generalizando conceitos e exemplificando.
Os homens, agentes trans-formadores da Sociedade, não se distinguem
dos animais somente pela presença de um elemento chamado consciência,
mas, e principalmente, porque eles mesmos produzem as condições
de sua existência (material e espiritual). Neste cenário,
conjugando os mais diferentes matizes ideológicos (numa perspectiva
de pluralismo e multi ou interdisciplinaridade – palavras tão
em moda, atualmente), a simples convivência (pacífica)
entre filosofias e crenças poderá desembocar, de futuro,
em resultados melhores, para todos.
Quanto mais próximos estivermos de uma análise (imparcial)
da realidade – passado e presente – tal irá configurar
o precioso estímulo e o impulso à construção
do futuro, gerando projetos sociais de trans-formação
e mudança (a Sociedade que deve ser). Para tal, resta necessária
uma ferramenta fundamental, a ética, este aguilhão necessário
ao cidadão de hoje, a fim de salvaguardar os direitos individuais
e coletivos, fazendo florescer a Sociedade graças às
virtudes dos cidadãos probos, no alcance do bem comum. Urge
defender os valores essenciais da vida de uma nação
civilizada e ética, com fulcro na harmonia e no bom senso em
todas as relações pessoais e institucionais, e baseada
no sentimento humano universal de justiça, que é um
valor intrínseco, peculiar aos seres humanos, mas que se aperfeiçoa,
naturalmente, quando combinado com os elementos fáticos –
a conduta ética.
A base teórica para a devida inserção do espírita
na vida social está nos quesitos 766 e 768, de O Livro dos
Espíritos, fundada na idéia de que a palavra e todas
as outras faculdades necessárias à vida de relação
devem ser colocadas em exercício na convivência em Sociedade,
porque, do contrário, se isolando ou se afastando da convivência,
em distintos ambientes e níveis, o homem se embruteceria e
definharia.
Quando nos debruçamos sobre a análise da atual conjuntura
social, na atmosfera da falta de ética e da corrupção,
devemos pensar em uma reformulação das práticas
e dos sistemas. Se necessário for, pensemos, inclusive, na
introdução de uma política “nova”,
capaz de modificar tanto e tão profundamente nossas instituições,
sacudindo os alicerces, e que provocará, por certo, diante
das atuais castas e autoridades aristocráticas, políticas,
e religiosas (poder institucionalizado), uma reação,
um combate, no sentido de que muitos não irão querer
perder sua hegemonia, poder e benefícios (alguns, até,
escusos).
Construir uma nova Sociedade, então, é um processo que
principia pela disseminação de idéias e práticas
condizentes ao nível de desenvolvimento moral (item 793, da
obra pioneira), a completude da civilização, que se
distingue do patamar de povos meramente evoluídos. Ou, como
propriamente asseveram os Instrutores da Codificação,
“[...] não tereis verdadeiramente o direito de dizer-vos
civilizados senão quando de vossa sociedade houverdes banido
os vícios que a desonrem e quando viverdes como irmãos,
praticando a caridade cristã”. (Veja-se, ainda, em O
Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo XVII, item 10, “O
homem no mundo”, informações oportunas e complementares
que evidenciam sermos agentes da nossa história. Por isto,
devemos fugir da (mera) atitude contemplativa e alienada, típica
daqueles que acham que as coisas se resolvem por obra da graça
divina, arregaçando mangas, e fazendo a parte que nos cabe.)
A propósito do real papel do espírita neste contexto,
o professor Herculano Pires, inspirado por Miguel Vives, assim se
pronunciou: “Pode o espírita ficar alheio ao problema
de administração, de governo das cidades, ou do país?
Não, o Espiritismo é uma política superior e
o espírita é político, no bom e exato sentido
da palavra, construindo sua ação política sobre
bases de amor, compreensão, fraternidade e luz, e não
por meio de intrigas, de golpes, de negaças, ou de manobras,
tão comuns e visíveis em nosso tempo."
Atuar politicamente consiste efetivamente no compromisso e na ação
das pessoas de bom senso, que se conscientizam da necessidade de participar
e contribuir para a melhoria das condições sociais,
com os meios de que dispõem: o voto, o engajamento cívico,
o alistamento partidário, a candidatura, o exercício
do mandato, entre outros. Espiritismo (e sua ética), política
e cidadania, destarte, podem ser considerados alicerces ou componentes
da base da nova Sociedade dos Homens de Bem.
Quem sabe, então, num outro pleito, municipal, em 2008, possamos,
pelo menos, ter a oportunidade de escolher um (ou mais) candidato(s)
espírita(s), bem-intencionados, interessados e capazes de assumir
a tarefa de reformulação social. Ou, você não
acredita nisso?