Depende em que você acredita. Há os que pregam que uma
criança que morre em tenra idade torna-se anjo, tal qual ilustram
as telas renascentistas, e, até mesmo, as figuras do Barroco.
A Igreja Católica, por sua vez, sempre advogou a idéia
de que um infante que morre teria como destino um lugar chamado Limbo.
Isto, agora, deve mudar “por Decreto”,
pois o Cardeal Ratzinger (Papa Bento XVI) e seu ilustre colegiado eclesiástico
divulgaram a mudança na “sistemática de administração
da Justiça Divina”. Agora, as crianças, por eqüidade
(?), passam a ter o “direito” de ocupar os mesmos lugares
dos demais seres que desencarnam: Céu, Inferno ou Purgatório,
conforme o caso.
O aparente “rebaixamento”
do Limbo tem, assim, a seguinte justificação: “[...]
o conceito sempre foi problemático. Afinal, implica que algumas
almas, independentemente de cometer qualquer pecado, não terão
nenhuma chance de chegar ao paraíso. Um menino índio que
nasce e morre na selva, sem jamais ouvir falar de Jesus, é um
cidadão de segunda classe mesmo no além, porque na melhor
das hipóteses chegará ao limbo”.
A Teoria do Limbo
(em sua dupla acepção, Limbus infantium e Limbus
patrum, isto é, a destinação futura das almas das
crianças não-batizadas, no primeiro plano e dos patronos,
isto é, os homens de bem da Antigüidade, que viveram antes
de Jesus) foi sugerida por São Gregório, o Teólogo,
no século IV de nossa era, em contraponto à idéia
agostiniana de que “todas as almas não batizadas iam para
o inferno, menos as crianças que tinham como destino um círculo
infernal de menos sofrimentos”, para, afinal, ser adotada como
crença religiosa a partir do século XIII, com Tomás
de Aquino. Embora a idéia nunca tivesse sido oficializada por
um concílio, embora pregada e repetida pelos clérigos,
mesmo modernamente, sendo que, em 1905 o papa Pio X afirmou textualmente
que o limbo existia e as almas das crianças não-batizadas
estavam lá. Em paralelo, a literatura universal – com forte
influência da dogmática católica – também
registra sua existência, como por exemplo, Dante Alighieri, em
“A Divina Comédia”, já havia sugerido que
o lugar alojaria Sócrates, Platão e até muçulmanos
como o filósofo Averróes e o sultão Saladino.
O Limbo, assim, seria, em regra, aquele
lugar para onde vão as almas que, sem ter cometido pecados mortais,
estão para sempre privadas da presença de Deus, pois seu
pecado original não foi submetido à remissão através
do batismo. Na moral judaico-cristã tradicional se encontra situado
algures entre a terra, o paraíso e o inferno. Quem nele fica
preso é simultaneamente mortal e imortal, santo e pecador, homem
e espírito.
Independentemente de sua origem ou configuração
teórico-histórica a proposta sempre foi polêmica
– até mesmo para os católicos – porque importava
a pré-condenação (eterna) de seres que não
tivessem tido a oportunidade de submeter-se aos caprichos e vontades
dos ritos religiosos dominantes (e seus sacramentos impostos aos fiéis).
Representaria, assim, a impossibilidade completa de redenção,
com a impossibilidade fática de alguém que não
tivesse cometido “qualquer pecado”, chegar ao “prêmio”
da destinação eterna venturosa, o Paraíso. Inclusive
aqueles que, por circunstâncias de fato (origem, naturalidade,
lugar de convivência, cultura, adesão ou não a determinadas
crenças ou filosofias).
Tal acepção, assim,
é completamente contrária à idéia de Misericórdia
e Bondade Divinas, porque um Deus que pune – por punir
– sem considerar, ao menos, o que se fez ou o que se deixou de
fazer, não pode ser, nunca, um Deus Justo. Resta saber se, mesmo
cultuando tal crença, os pais das crianças – de
todos os tempos – aceitavam resignadamente a idéia de imaginar
seus filhos num lugar como o Limbo, destinados por toda a Eternidade,
sem a perspectiva de voltar a vê-los e de gozar de sua presença
próxima. Se a morte, por si só, sempre foi (e ainda é)
uma questão delicada, imagine-se a circunstância da perda
de filhos muito jovens e a repercussão disso para o contexto
psicológico dos pais.
Vale dizer, ainda, que os adeptos
de religiões como o Protestantismo e as Igrejas Evangélicas
não adotam tal conceito, sendo as crianças consideradas
puras, indo para o Céu, sem escalas, em caso de morte.
Aqui, uma premiação completa e, igualmente, sem julgamento
do que a criança tenha ou não feito, considerando, ainda,
a circunstância de que com horas, semanas, meses e, até,
poucos anos de vida, não seria possível um diagnóstico
da finalidade existencial e seus contornos.
Felizes são aqueles que, diversamente
destas crenças, aceitam a teoria de que todos, indistintamente
do tempo de vida na Terra, são aquilatados pelo “conjunto
da obra”, não desprezando cada parcela da completude. Somos
Espíritos imortais e, desta forma, cada existência se traduz
como um conjunto de oportunidades valiosas para o ser, sem importar
quantos anos ela tiver. Com a morte, portanto, não há
um destino inevitável para aqueles que sejam crianças,
muito porque tais noções representam meras convenções
e simbolizam a submissão a verdades parciais concebidas pelas
seitas ou filosofias religiosas. Em regra geral, um ser que vive poucos
anos e desencarna em idade infante é conceituado pela filosofia
espírita como um completista (O livro dos espíritos, item
199), considerada a situação de uma existência anterior
ter sido interrompida antes do momento que havia sido, digamos, convencionado
para o seu termo, na esteira da idéia do planejamento encarnatório,
em circunstâncias direta ou indiretamente relacionadas à
sua vontade e procedimento. O evento de sua morte, deste modo, tem um
efeito direto em relação aos seus pais (e, até,
extensivamente, a outras pessoas, geralmente parentes próximos,
como irmãos ou avós), em termos de provação
ou expiação, sendo válidos para o aprendizado espiritual
destes últimos.
Por fim, relembrando a judiciosa ponderação
de Allan Kardec em comentário ao tema proposto por ele aos Espíritos
Superiores (sorte das crianças após a morte), a Lei Universal
é a mesma para todos, pois todos se acham sujeitos à aplicação
da Justiça Divina. Merecimento e responsabilidade são,
assim, os contornos de todos os atos espirituais, neste e em outros
Planos existenciais.
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