A vida humana constitui-se uma seqüência
de roteiros, alguns pré-estabelecidos e consensados, em função
do planejamento encarnatório, outros livre e posteriormente
escolhidos por nós quando “em caminhada”. A intenção
de cada espírito que reencarna é a de avançar
com boa vontade e coragem. Para tanto, nas diversas contingências
da vida, haveremos de ter a disposição de dizer SIM
ou NÃO às opções disponíveis, relembrando
uma das lições daquele sublime carpinteiro (“seja
o teu falar, sim, sim e não, não”).
Diante de tantas “ocupações” deste mundo,
em que é opção nossa escolher o que e como fazer,
há o lazer, definido pelos dicionaristas como
“descanso, ócio, vagar, passatempo” e que tem recebido
nova conceituação ou valoração, para alcançar
o espectro de experiência humana que possa proporcionar a vivência
e o desenvolvimento de valores específicos, contribuindo para
a realização de cada pessoa, e expressando, ainda, o
aumento da qualidade de vida e a melhoria da saúde (física
ou psíquica).
Há, em verdade, tantas formas de diversão, recreação
ou entretenimento disponíveis ao homem contemporâneo,
alguns verdadeiros meios de alegria salutar e aprimoramento (individual
e coletivo), para nossa escolha. Como exemplos, teríamos: passeios,
gincanas, peça de teatro ou filmes de cinema, festinha familiar,
futebol com os amigos, brincadeiras com filhos, etc.
No âmbito cultural, devem ser consideradas, também, as
especificidades de cada região, quando as tradições
implicam na promoção de festejos (populares ou religiosos)
que interessam às pessoas que ali residem, bem como atraindo
visitantes e turistas. No cenário brasileiro, exemplo típico
é o carnaval, que alcança em determinadas metrópoles,
uma vasta e detalhada programação, em ambientes públicos
ou privados, oferecendo diversas opções de lazer para
as pessoas.
Mas, ao contrário do que muitos pensam, o carnaval não
é um evento originariamente brasileiro. Suas origens datam
na Idade Antiga, onde, na velha Roma, capital do mundo, havia orgias
templárias em homenagem aos deuses (Lupércio, Saturno,
Baco), com luxúrias e excessos de toda a ordem (desde o prato
até as experiências sexuais)[1].
Nestas priscas eras, o carnaval simbolizava a miséria moral
dos humanos, ao lado da fartura material, com visível colheita
de sofrimentos (doenças, crimes e barbáries[2]).
No Brasil, o carnaval foi introduzido pelos portugueses provavelmente
no século XVII, com o nome de Entrudo, uma forma popular de
brincar, que persistiu durante a Colônia e a Monarquia, que
consistia num folguedo alegre, mas violento e selvagem, pois as pessoas
atiravam, umas nas outras, água com bisnagas ou limões
de cera e depois pó, cal e tudo que tivessem às mãos.
Depois, a prática foi substituída por elementos menos
agressivos, como o confete, a serpentina e o lança-perfume.
Em 1840 realizou-se o primeiro baile de carnaval e, seis anos depois,
surgiu o “Zé Pereira”, um grupo dos foliões
de rua com bombos e tambores. Na seqüência, brotaram os
cordões, as sociedades carnavalescas, blocos e ranchos, bem
como o corso (hoje desaparecido), que consistia num desfile de carros
pelas ruas da cidade, todos de capota arriada, com foliões
fantasiados atirando confetes e serpentinas uns nos outros. Em 1929,
foi fundada a primeira escola de samba (Deixa Falar), no
bairro do Estácio (Rio de Janeiro – RJ)[3].
Datam desta época as diversas manifestações populares
(gracejos, pilhérias, brincadeiras e folguedos), reunindo amigos
e familiares, que se fantasiavam, procurando mostrar-se criativos,
chamativos, originais, satirizando os problemas sociais da época,
os vultos políticos ou imitando a natureza. Esta prática,
algum tempo depois, transformou-se em “travestismo” (com
homens vestidos de mulheres e vice-versa, ou, assaz, fantasias de
nobres, reis, rainhas, piratas, almirantes, generais, artistas, como
a representar personalidades desejadas ou vivenciadas em vidas anteriores).
Segundo especialistas e historiadores, nas épocas inaugurais
do festejo em nossa pátria, não havia abusos de natureza
sexual. Foi com a expansão da Sociedade que começaram
a surgir os transtornos de ordem moral e os desajustes sociais, transformando
o carnaval em veículo para o desaguar dos chamados caracteres
“tortuosos”, dando vazão aos instintos e às
manifestações de natureza inferior.
De algum tempo para cá, os maiores reflexos da prática
são a violência e a animalidade, que desembocam em brigas
e conflitos nos salões e nas ruas. Triste espaço para
a exposição dos “dramas da alma”, que explodem
no corpo. O travestismo libera as nódoas do psiquismo, as frustrações,
os desagravos, a sede de vindita e os variados tormentos íntimos
que o ser experimenta, desaguando, por certo, em gravames para esta
e outras vivências espirituais, débitos a serem saldados
em novas experiências. Uma pena!
Os defensores do carnaval dizem que o mesmo é um extravasador
de tensões, libertando as energias... Todavia, no período
carnavalesco, não encontramos diminuídas as taxas de
agressividade e as neuroses – verdadeiro somatório da
violência urbana e de infelicidade familiar jamais vistas no
mundo contemporâneo.
No campo da sexualidade, é notório constatar que o indivíduo
se permite uma maior permissividade, no clima de “brincadeira”,
já que, “de cara limpa” e no cotidiano das obrigações
sociais, não lhe seria lícito agir de tal modo, tanto
em razão do julgamento popular quanto pelo cerceamento promovido
pela legislação humana.
Há, também, os que dizem: “- Só vou me
divertir!” Há, realmente, no carnaval, apenas manifestações
de alegria, descontração e expansões de júbilo?
Os festejos funcionam, mesmo, como válvula de escape para as
tensões diárias, fomentando a tranquilização
da alma e o reequilíbrio das funções psíquicas?
Não cremos! Em sua imensa maioria, os foliões “encarnam”
a perversão e a enfermidade espiritual que jorra, a loucura
que campeia, infreada, devassando e infelicitando...
Especialistas em psicologia constataram, após algumas pesquisas
com casais, que “[...] de cada dez casais que caem juntos
na folia, sete terminam a noite brigados (cenas de ciúme, intrigas,
etc.); que, desses mesmos dez casais, posteriormente, três se
transformam em adultério; que de cada dez pessoas (homens e
mulheres) no carnaval, pelo menos sete se submetem a coisas que abominam
no seu dia-a-dia, como o álcool e outras drogas [...]. Concluíram
que tudo isto decorre do êxtase atingido na grande festa, quando
o símbolo da liberdade, da igualdade, mas também da
orgia e da depravação, estimulado pelo álcool
leva as pessoas a se comportarem fora de seus padrões normais”.
[4]
Muitos afirmam, com honestidade, que não vão para o
carnaval com intenções malévolas. Mas, presentes
em tais ambientes, a sintonização será possível
e, uma vez formada estaremos fornecendo campo propício para
influenciações de toda ordem. Ademais, a “boa
intenção” inicial contrasta com a inutilidade
e materialidade dos interesses, além de representar a concretização
do preceito: “Diz-me com quem andas e eu te direi quem és”.
Por isto, a pergunta que não quer calar, é: conseguiremos
nós resistirmos ao rolo-compressor das baixas energias, mantendo-nos
“imunes” aos apelos de vivenciarmos emoções,
alimentarmos vibrações e experimentarmos sensações
nos ambientes carnavalescos?
Outros podem enunciar: “- O que há de mais no carnaval?”
Respondemos: só há de menos. Após
o imediatismo dos gozos e alegrias fugazes, fundados sobre relações
espúrias ou ambientados em envolvimentos “sem compromisso”,
como todo fogo fátuo, as vivências deixarão os
que nele se locupletaram nas valas da frustração e do
arrependimento, mais cedo ou mais tarde... Quando trabalhamos com
o jovem, temas ligados aos relacionamentos humanos e à sexualidade,
procuramos salientar que determinadas práticas, apesar de preliminarmente
“atraentes” levam criaturas à viciação,
porque a necessidade “nunca cessa” e o espírito
nunca está satisfeito. Entrevistas com pessoas que têm
comportamento promíscuo ou livros psicografados que enquadram
personagens que valorizaram o “prazer a qualquer preço”
são os primeiros a confessar que, após cada vivência,
sentiam desejo e necessidade de outro, e mais outro, a fim de experimentar
de tudo e com todos, numa espécie de fome ou sede nunca saciados.
Neste aspecto, então, aproveitamos para dizer que o carnaval
não é somente uma festa de cunho material. É
profundamente ESPIRITUAL, em razão dos consórcios que
se formam entre os encarnados e os desencarnados, além, é
claro, das associações tanto entre encarnados quanto
entre desencarnados. Na faixa vibratória dos Espíritos
infelizes e dentro do princípio do “semelhante atrai
semelhante”, criaturas daqui e de lá, ávidas por
tal tipo de energia, promovem uma profunda simbiose[5]. No que tange
às entidades desencarnadas, através das faculdades mediúnicas
é possível visualizar e perceber a nociva influência
destas sobre os foliões, pelas leis de afinidade psíquica.
Deste modo, há espíritos (encarnados e desencarnados)
deprimidos, violentos, zombadores, levianos, sexólatras, e,
até, impiedosos magnetizadores, que, aproveitando-se de nossa
“guarda baixa”, apropriam-se de nossos campos mental e
sentimental para encontrar guarida e tirarem proveito.
Os cinco dias de folia, assim, poderão se transformar em cinco
séculos de penosas reparações,
dependendo do que fizermos, e das tramas que entabularmos no cordel
das ações e reações que vinculam seres
e estabelecem dívidas entre os seres que se locupletam nas
relações sem ciência e responsabilidade. Por detrás
da aparente alegria e transitória felicidade, revela-se o verdadeiro
atraso espiritual em que ainda vivemos, pela explosão de animalidade
que ainda impera em nosso ser.
Neste cenário, percebe-se a estreita ligação
do carnaval com o álcool, as drogas alucinógenas, a
violência, o ato sexual sem responsabilidade, o adultério
e os crimes de variadas formas.
TEIXEIRA [6],
a propósito, afirma: “O carnaval é aquele
fruto apodrecido, do qual ainda não soubemos tirar a mensagem
de advertência, atenção e vigilância, observando,
ao longo do tempo, a semente infeliz que há germinado nas almas
incautas, gerando colheitas de decepções e dores de
elevada monta.”
Um aspecto pertinente a salientar é a questão da realização
de eventos ou trabalhos espíritas especiais no carnaval. Importante
frisar acerca da necessidade de ocupar nossos jovens ou adultos em
atividades de educação, cultura e arte, motivando-os
durante todo aquele período. É de se lamentar quando
os mesmos não são programados...
No que concerne aos trabalhos corriqueiros e usuais do centro, recomenda-se
não interrompê-los, sobretudo porque são os dias
em que mais se necessita das preces e vinculações com
os Bons Espíritos, que auxiliam os seres “caídos
nas sarjetas”, indigentes espirituais que se perderam nas curvas
do caminho. Mas, não nos esqueçamos de que diversas
casas acham-se situadas em locais de intenso movimento carnavalesco
e, ainda que não estejam no “meio do burburinho”,
também os companheiros precisam deslocar-se de seus lares,
atravessando o tumulto dos centros urbanos e locais destinados à
folia. Assim, caso se decida pela interrupção dos trabalhos
(por motivos de segurança/conveniência), isto não
implica deixarmos de VIGIAR e ORAR, onde e com quem estivermos, servindo
como verdadeiras antenas de nobres inspirações e assistência
necessária, como verdadeiros cristãos e espíritas,
que desejamos ser.
Certamente, o traço mais desolador de todo este contexto é
o cenário da quarta-feira de cinzas: pessoas exaustas, esgotadas,
embriagadas, desfalecidas, adoentadas, machucadas ou mortas... Muitas
delas, com reflexos pessoais, conseqüências de atos impensados
ou dos acidentes. Quantos perdem a vida nas estradas, em desastres
automobilísticos? Quantos se envolvem em discussões
e brigas, das quais resultam assassinatos, que, em condições
de normalidade e sobriedade, não teriam acontecido? Quantos
sobrevivem com seqüelas físicas ou psíquicas? Quantos
contraem enfermidades, em sua maioria, transmissíveis por via
de canais genésicos, e que só serão “descobertas”
anos depois? Quantos, decepcionados ou deprimidos, ante os insucessos
das tentativas e as negativas de outrem, não dão cabo
de sua própria vida? Quantas mulheres não se tornam
vítimas de estupros ou atentados violentos ao pudor, em razão
de suas roupas sumárias ou de suas condutas, bem como em face
da permissividade que povoa os salões de clubes e as esquinas
pouco iluminadas das cidades? Quantos, por força de determinados
comportamentos, comprometer-se-ão, espiritualmente falando,
com criaturas cuja associação perdurará além
do véu da matéria?
Dizem que as “cinzas” são o que sobra do “enterro
da tristeza”, em face dos cinco dias de “alegria”,
ou, ainda, são o que sobrou de tal espetáculo. Em realidade,
a única cinza que o cristão deveria encontrar seria
aquela que representa o ENTERRO do seu passado de erros, pulverizado
por um presente de acertos e esforços no sentido do progresso
real.
Como diretriz segura, sempre a advertência paternal contida
no livro básico [7],
acerca da idéia que se tenha do homem que busca o refinamento
de seus gozos nos “excessos” de toda ordem, encontramos:
“Pobre criatura que devemos lastimar, e não invejar,
porque está bem próxima da morte!” E, em
complemento, o preciso comentário de Kardec aponta: “O
homem que procura, nos excessos de toda espécie, um refinamento
dos gozos, coloca-se abaixo dos animais, porque estes sabem limitar-se
à satisfação de suas necessidades. Ele abdica
da razão que Deus lhe deu para guia e quanto maiores forem
os seus excessos, maior é o império que concede à
sua natureza animal sobre a espiritual. As doenças, a decadência,
a própria morte, que são a conseqüência do
abuso, são também a punição da transgressão
da lei de Deus.”
A embriaguez, a luxúria, as fantasias e a experimentação
(desde alucinógenos até práticas sexuais bizarras)
demonstram o enorme desejo de “fuga da realidade” que
persegue inúmeros seres, que não desejam “aproveitar”
a presente vivência, pelos compromissos e responsabilidades
que a vida na matéria, em uma nova encarnação,
propicia e enquadra.
Não vemos, por fim, outro caminho que não seja o da
“abstinência” sincera, do controle das sensações
e instintos, da canalização das energias, empregando
o tempo de “folga” do carnaval para a descoberta de si
mesmo, o entrosamento com os seres mais próximos (sobretudo
os familiares), o aprendizado (seja através de livros e filmes
instrutivos ou pela freqüência a eventos espíritas,
educacionais, culturais, filosóficos ou religiosos que sejam
programados) ou mesmo o descanso, já que o ritmo frenético
do dia-a-dia exige cada vez mais preparo e estrutura físico-psicológica
para os embates das “lutas da vida”.
Não que estejamos, com isso, advogando que o espírita
deva estar protegido sob uma redoma de vidro, para que não
se contamine com os “males” do mundo. Não vemos
nenhum problema em passeios pela cidade, presenciando a agitação
do momento, ou, mais organizadamente, assistindo de arquibancada o
colorido e o movimento de passistas de escola de samba. O maior problema
não é a aproximação, em si, do “foco”
dos festejos, mas a participação ativa, junto àqueles
que ainda se comprazem em energias de teor inferior e que se valem
do expediente de “extravasar” a alegria, para o cometimento
de excessos de variado jaez.
Se fizéssemos da “festa”, enfim, um evento em que
todos brincassem num clima sadio, sincero e de legitima confraternização,
os resultados, com certeza, seriam bem diferentes...
Em tudo e por tudo, nós mesmos é que somos os principais
responsáveis e os juízes de nós mesmos. Lembremo-nos,
em face da atual oportunidade de trabalho e soerguimento, dos dizeres
de Jesus, ao tratar do “Mordomo Infiel”: “Dá
conta da tua administração” (Lc; 16: 1-12)
O que estamos, então, fazendo de nossas vidas? Meditemos...
[1] Os historiadores
também fazem referência às bacanalia da Grécia,
festa em honra ao deus Dionísio.
[2] Fala-se nas saturnalia, em que se imolava uma vítima humana.
[3] Fonte: Enciclopédia Compacta Brasil -
Larousse Cultural - Nova Cultural. Disponível em
http://www.terrabrasileira.net/folclore/origens/portugal/entrudo.html
[4] Matéria publicada no Jornal “Correio Braziliense”.
[5] Maiores detalhes sobre o processo vinculante podem ser obtidos
no livro Nas fronteiras da loucura, ditado pelo espírito
Manoel Philomeno de Miranda e psicografado por Divaldo Pereira Franco
– Editora Leal.
[6] TEIXEIRA, Raul. Mundo espírita. Entrevista.
Fevereiro, 1986. P. 10.
[7] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos.
Questão 714.