Datas são referências
importantes para o mundo material, suas convenções e
estruturas. Não raro, elas são o portal, o marco histórico
para ideias, movimentos ou realizações humanas. E, como
os Espíritos participam diretamente das situações
da vida dos encarnados (item 459, de “O Livro dos Espíritos”),
pode-se dizer que interessam àqueles seres do plano invisível
que se relacionam conosco, dado a afinidade que têm em relação
às situações que marcam o curso da História
deste planeta.
Hoje, portanto, é uma dessas
datas. Afinal ela referencia o momento em que os esforços –
quase que solitários – de um homem perseverante e audacioso
fazia publicar a versão inicial de seus estudos e compilações,
já que às suas mãos teriam vindo, nos anos anteriores,
um sem-número de mensagens enviadas por pessoas e grupos da
Europa e de algumas partes da América do Norte, manuscritos
em diversas línguas falando da vida além-morte e ditados
por inteligências identificadas (posto que assinavam suas comunicações)
ou anônimas. A 18 de abril de 1857, 155 anos atrás, então,
o maduro Hyppolité León-Denizard Rivail assumiria para
o mundo ocidental uma nova identidade: a de transmissor, pela tarefa
de Codificador, de uma “nova luz para a Humanidade”, revelando
aos homens a estrutura organizada do Mundo Espiritual, suas Leis e
sua interrelação com a vida dos homens, na primeira
edição, ainda restrita, com pouco mais de 500 questões,
de “O Livro dos Espíritos”. Depois, é fato,
iria rever os escritos e publicaria a terceira edição
como se conhece hoje, com 1018 (ou 1019 – dependendo do tradutor/editor)
perguntas e respostas.
Evidentemente, o trabalho não
se resume ao resultado da primeira publicação, ainda
que a obra, explicada pelo próprio Kardec como “Filosofia
Espiritualistas com Bases Científicas e Consequências
Morais”, seja o basilar repositório do conhecimento das
“coisas do Espírito” e das relações
entre os planos espiritual e material. Como as comunicações
espirituais, vindas de diversas fontes, por meio de distintos médiuns
e originárias de diferentes Espíritos, continuavam a
chegar e a tratar de temas cada vez mais específicos, o plano
de trabalho do Codificador importou na concepção de
linhas mestras, que enquadravam: 1) a previsão de um laboratório
permanente de pesquisas; 2) a definição dos parâmetros
e fundamentos da comunicação entre os Espíritos,
por meio da Mediunidade, bem como concebendo a fórmula de aceitação
das comunicações mediúnicas, por meio do que
chamou Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE);
3) a apreciação de temas até então exclusivos
e privativos das religiões tradicionais, incluindo-se, aí,
as máximas morais, as pregações e os feitos de
Jesus de Nazaré e os assuntos pertinentes à Divindade;
4) a interconexão do conhecimento “revelado” pelos
Espíritos e o progresso das ciências, definindo a progressividade
do ensino dos espíritos e alertando-nos sobre o perigo da dogmatização
espiritista, que poderia levar ao fanatismo e à ridicularização
de determinadas afirmações contidas seja nas obras iniciais
seja nas complementares sobre o Espiritismo; e, 5) a interação
entre os espíritas, com respeito à liberdade de consciência,
individual e peculiar a cada Espírito, e ao livre pensar dentro
das organizações de cunho espírita, possibilitando
a renovação das ideias, o amadurecimento e desenvolvimento
das relações humanas e o exercício prático,
crítico e investigativo sobre novas questões à
luz dos ensinamentos espirituais.
Assim, foram organizadas e publicadas
outras obras, cada qual com sua função, finalidade e
importância, num verdadeiro quebra-cabeças ou colcha
de retalhos, permitindo ao neófito, ao interessado e ao pesquisador
espiritistas o debruçar-se sobre novas verdades, a aplicação
do raciocínio prático sobre as questões “da
Terra e do espaço” e a apreciação, livre
e possível, de qualquer temática da vida humana e espiritual,
possível tanto pelo exercício de novos contatos e comunicações
com os desencarnados, seja pela utilização da inteligência
dos seres encarnados, na construção de teses e trabalhos,
desde que obedientes ao edifício de princípios kardequianos
(ou espíritas). Um atestado patente, portanto, da necessária
interação entre os seres dos Dois Mundos e a contribuição
dos espíritas sérios e sensatos, como encarnados, desenvolvendo
assuntos de interesse espiritual e espírita.
Estabeleceu, Kardec, as premissas
do chamado Laboratório Mediúnico, de pesquisas e resultados,
afiançando, primeiramente, que a comunicação
espiritual na interação entre os desencarnados e os
homens, seja os de mediunidade ostensiva seja os observadores e dirigentes,
se processaria de maneira natural e quanto melhor fossem os laços
entre os membros dos grupos e instituições que reunissem
tais interessados, razão pela qual estabeleceu que a fraternidade
entre os espíritas (“amai-vos e intruí-vos”,
como teria orientado o Espírito Verdade) seria o laço
e a pedra de toque para o sucesso das atividades – incluindo-se,
aí, as de comunicação medianímica. A segunda
condição foi ouvida por Kardec, de Erasto, um de seus
principais guias e orientadores, na baliza que se constituiu fundamental
para a seleção das mensagens recebidas pelo Codificador,
sua aceitação e publicação, sem qualquer
arranhão ao edifício espiritista: “é preferível
rejeitar nove verdades a aceitar uma só mentira”, porque
indistintas personalidades invisíveis, despertas ou não,
adiantadas ou semelhantes a nós, por afinidade, iriam se associar
mentalmente aos médiuns para a realização do
intercâmbio e a produção de material (psicográfico
ou psicofônico), que não poderia, sob nenhuma hipótese,
independentemente da importância humana (em face do passado
de suas encarnações conhecidas) da pretensa assinatura
ou das qualidades e reconhecimentos mundanos do médium, ser
aceita sem comparação com os fundamentos do Espiritismo
e o exame racional, detalhado e exaustivo de todos os componentes
da mensagem.
É justamente neste ponto que
o Movimento Espírita, brasileiro em especial, se afastou das
diretrizes kardequianas e passou a rejeitar o (difícil e árduo)
trabalho de mensuração das comunicações,
seja por idolatrar determinados médiuns (muitos dos quais,
respeitáveis, em função, principalmente, do trabalho
social, assistencial ou de caridade por eles mantidos ou financiados
– em especial pelas rendas de direitos autorais das obras de
cunho mediúnico), seja por reconhecer, neste ou naquele Espírito,
uma condição de adiantamento espiritual talvez não
totalmente real, entusiasmando-se, por vezes, com o conteúdo
fincado sobre máximas ou parábolas e informações
(até então) não conhecidas do público
em geral, mas presentes em ciências ou filosofias já
desenvolvidas, materialmente, em nosso planeta, como a parafrasear
dadas informações, “traduzindo-as” para
o público espírita.
Não se tem notícia,
por exemplo, da década de 1950 para cá, se os principais
médiuns (e seus escritos) teriam sido, em algum momento, submetidos
ao CUEE ou a qualquer outro método de aferição
e comparação de seus escritos (sobretudo sobre questões
não abordadas nos livros publicados por Allan Kardec) com os
fundamentos espiritistas, resultando, deste modo, na eleição
de determinados espíritos como “complementares”
à codificação. Do contrário, tudo o que
produziram foi aceito, inconteste. Não precisamos nominar Espíritos
ou Médiuns. Qualquer entusiasta e interessado na Filosofia
Espírita encontrará referências históricas
suficientes para identificar, aqui ou ali, quem teriam sido os eleitos
do movimento para a continuidade (?) do trabalho de Kardec. É
fato, também, que não podemos, quais descrentes e teimosos,
descartar tudo o que foi produzido pós-Kardec, sobretudo em
terras brasileiras. Há material suficiente para investigações
e exercícios de comparação, como se repetíssemos
(ainda que com menor capacidade e estatura) as ações
do próprio Prof. Rivail, na seleção das comunicações
e no descarte de mensagens apócrifas. Esta atividade, cremos,
deveria ser a principal de todo estudioso espírita, não
só em relação a escritos referenciados como espíritas,
produzidos pelos humanos ou ditados por inteligências desencarnadas,
como em relação a todo e qualquer material, mediúnico
ou não, que lhe chegue às mãos, trazendo novos
conhecimentos, visto que, como bem afiançou o Carpinteiro de
Nazaré, “o Espírito sopra onde quer” ou
“o vento sopra em toda a parte”, como consta no Bhagavad-Gita.
Os espíritas, neste 18 de abril
e nos dias que o seguem, deveriam prestar o maior contributo de gratidão
ao trabalho pioneiro do Mestre Lionês, resgatando o “Espírito
do Espiritismo”, retomando a práxis recomendada por Kardec
para a seleção das mensagens obtidas mediunicamente
e para a realização da tarefa de complementação
da obra inicial, atualizando-a e permitindo que homens e Espíritos
interajam na apreciação de temas de indizível
atualidade que marcam os tempos do Século XXI.
Sem esquecer da máxima ofertada
pelo próprio Rivail, descrita em “O que é o Espiritismo”,
mais especificamente no “Diálogo com o Padre”:
“A liberdade de consciência é uma consequência
da liberdade de pensar, que é um dos atributos do homem; o
Espiritismo estaria em contradição com seus princípios
de caridade e tolerância, se ele não a respeitasse”.
Livres, nós espíritas,
para assumirmos nossa consciência e para pensarmos, contribuindo
com o aperfeiçoamento da Doutrina Espírita e de seu
movimento e para buscarmos alcançar, logo aí à
frente, o Período Intermediário, superando o atual Período
Religioso em que nos encontramos, para lançar as bases do período
de Renovação Social (como apresentados na Revue Spirite,
dezembro/1863), compromisso da Filosofia Espírita!