Marcelo Henrique Pereira

>    A música espiritual dos Beatles

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Marcelo Henrique Pereira
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A profetização, assim, como referência da atuação de espíritos sobre os humanos, é exceção, condicionada a circunstâncias especialíssimas

 


A música cativa. No contexto espiritual, a arte, em sua vertente musical desempenha um papel importante na formação e na composição da individualidade do ser. Neste sentido, não há quem não se emocione ou se interesse por determinados ritmos, melodias e sons.

Os estudiosos e especialistas em harmonia musical, costumam dividir a história do rock em antes e depois dos Beatles, o grupo que revolucionou completamente a forma de compor, produzir e representar a música, no cenário internacional. O quarteto de Liverpool concebeu variações e composições até hoje imitadas pelos intérpretes e não há um único compositor ou intérprete de nossos tempos que não busque na sistemática e interpretação beatleniana a inspiração para compor e apresentar canções nos dias de hoje.

Paul, John, Ringo e George, assim, são criaturas ímpares, em termos de desenvolvimento musical, isto não significando que tenham sido, a seu turno, Espíritos de escol ou missionários. Apenas - e tão-somente - fizeram o melhor com os recursos que dispunham e colocaram em prática o exercício dos talentos que "receberam do Alto" ou que desenvolveram, em termos de habilidades e capacidades, face o livre-arbítrio que possuem, enquanto seres espirituais.

Em outros ensaios, temos dito que há uma evidente sintonia entre os planos invisível e material na execução de diversificadas ações, em múltiplos setores da existência. No âmbito das ciências, da literatura e, é claro, da arte, as inteligências invisíveis - por sintonia - aproximam-se dos entes encarnados, orientando-os, sugerindo, influenciando e cooperando em produções conjuntas, mesmo que, amiúde, seja o crédito pelas produções e realizações assumido, quase que totalmente, pelos homens, sem referência aos desencarnados.

A exceção, é claro, enquadra aquelas situações onde os indivíduos com alguma noção espiritual reconhecem a existência do intercâmbio entre Mundos, diagnosticando, através da Mediunidade, a sintonia entre estes e aqueles, registrando a origem espiritual das atividades lítero-artísticas que compõem ou materializam.

Recentemente, o beatle Paul McCartney (dizemos assim porque, apesar do "fim" do grupo ter sido anunciado há mais de três décadas, o compositor britânico, por estar vivo, continua sendo identificado como tal) declarou à imprensa que George Harrison, um dos componentes do fantástico quarteto de rock, falecido há cerca de três anos, teria influenciado uma de suas mais recentes composições, intitulada "Waiting for your friends to go", o que, em português, tem o sugestivo nome de "Esperando seus amigos partirem". A "ajuda" do além, na composição da melodia (e/ou da letra) implica, necessariamente, numa análise "transcedental". Primeiro, porque os artistas, muitas vezes em "êxtase", utilizam-se de alucinógenos, e a produção (resultado) de sua atividade acaba sendo uma decorrência da equação que conjuga a natural inspiração pessoal do artista e o efeito das drogas ou o incentivo de substâncias farmacológicas. Segundo, pois não é tônica a formação ou a aceitação de teorias espiritualistas, que implicam na aceitação da simbiose entre vivos e mortos, a qual, em regra, só acontece em função de revelações ou milagres, conforme a teoria religiosa dominante. A profetização, assim, como referência da atuação de espíritos sobre os humanos, é exceção, condicionada a circunstâncias especialíssimas.

Então, quando uma personalidade de renome e inconteste em termos de importância e reconhecimento público vem declarar a "influência" espiritual recebida, dizendo, inclusive, que o "morto" ditou ou escreveu por seu intermédio, isto, por si só, deve ser considerado de grandiosa relevância para a disseminação das idéias espíritas.

McCartney, ainda, declara que a "facilidade" para compor a canção decorreu justamente da presença e da quase exigência do falecido amigo em direcionar a atividade de sua criação musical, chegando a declarar: - Era ele que estava escrevendo. Tive um "feeling" (sentimento, em inglês). Era ele mesmo... A canção "escreveu-se" sozinha.

O próprio título da faixa que integra o mais recente álbum de Paul ("Chaos and Creation in the Back Yard - considerado um dos três melhores do compositor, desde que o grupo foi desfeito, no início da década de 70) é intrigante e com uma "dúbia" interpretação. Deixando o significado "padrão" (material) de lado, o título significa que os que já estão no plano espiritual, em razão do vínculo que não se acaba com a morte, aguardam o momento de reverem aqueles que deixaram aqui (plano material), podendo-se inferir que, cada ser que desencarna, embora continue o seu plano de evolução, sente saudades e aguarda, com certa expectativa, a oportunidade de rever - em Espírito - aqueles que ficaram, sendo, pois, decorrente, a idéia de aguardar que os que se acham encarnados, morram, para um encontro "do outro lado".

A letra, assim, suscita à interpretação de que George esteja - ao lado de John, falecido em 1980 - aguardando a chegada de Paul e Ringo, para que, na vida espiritual, possam, quem sabe, reeditar os ensaios inesquecíveis da década de 60, no plano sutil.

Estou exagerando? Penso que não! Afinal, se nos debruçarmos sobre os conceitos básicos de mediunidade e comunicação entre os planos espiritual e material, encontraremos diversos elementos para fundamentar este parecer.

De início, o próprio O Livro dos Espíritos consigna as célebres conceituações acerca da (poderosa) influência do plano invisível sobre o terreno, conforme a questão 459. Em paralelo, O Livro dos Médiuns apresenta elementos que devem ser conjugados para a identificação da real influência do Espírito George sobre o compositor McCartney. Vamos a elas:

1) Identidade espiritual - elementos psíquicos podem ser relevantes na identificação do espírito comunicante, seja pela vidência, audiência ou sensibilidade. Assim sendo, quem conviveu muito tempo com determinada pessoa, após a sua passagem para a vida espiritual e, ocorrendo o fenômeno mediúnico (aqui representado pela influência de um sobre o outro e pela "comunicação"), reconhece traços e/ou características deste último.

2) A Prova da Identidade - resulta, diretamente, considerando-se, é claro, as situações de embuste que determinados Espíritos possam suscitar para iludir os encarnados, como assaz acontece com os zombeteiros. Assumem, assim, identidade falsa, pelo que podem ser desmascarados mediante o estudo sério e a observação detida. Identidade é individualidade, isto é, o traço que diferencia os Espíritos entre si, seja na vida material seja no plano invisível, pela qual são reconhecidos em todas as situações e circunstâncias. É pelo caráter que se identifica o comunicante, nas expressões daquilo que infunde ou dita ao médium. Outros elementos como expressões, linguajar e caligrafia e assinatura podem ser igualmente relevantes para a comprovação de "quem" se comunica, mas, pelos elementos contidos nas reportagens que inspiram este ensaio, não é possível tratar do assunto.

3) A Afinidade - a relação direta que se trava entre os Espíritos decorre da afinidade de propósitos e interesses.

Neste sentido, quanto mais contemporâneos sejam o comunicante e o instrumento, melhores serão os resultados da atividade e, por conseqüência, mais fácil será a prova de sua identificação ..

4) Psicografia - a escrita "direta", isto é, aquela em que o Espírito desencarnado dita ao homem uma mensagem, dá-se de modo consciente, parcialmente consciente ou inconsciente, isto é, em diversas situações pode-se perceber a maior ou menor influência do primeiro sobre o segundo.

Ainda assim, há casos de mediunidade de intuição, onde não há, propriamente, a comunicação psicográfica, mas o desencarnado influencia na atividade de criação intelectual do encarnado. Os elementos das reportagens que trataram o tema dão-nos indícios de que Paul, realmente, psicografou a canção. Ainda assim, no caso em tela, não podemos dizer se sir McCartney será um médium psicógrafo daqui para frente, mas, de qualquer modo, o "canal" de comunicação está, doravante, aberto e ativo.

5) Médiuns Sensitivos ou Impressionáveis - em maior ou menos proporção, todos sentimos a presença das inteligências invisíveis e, de certo modo, com o estudo e a prática mediúnica (hábito), aprendemos a conviver melhor com as "influências" espirituais, delas tirando o melhor proveito (não em termos pessoais, materiais), mas em função da própria utilidade do fenômeno, para fins de crescimento espiritual e auxílio (bem-estar, saúde e informação) de outrem. Neste sentido, um Bom Espírito, na dicção do Espírito Verdade, nos provoca, sempre, uma impressão suave e agradável.

6) A condição de artista - o fato de trabalhar com arte - e arte verdadeira, de qualidade, diferentemente de arte "vulgar", de conteúdo sofrível, que grassa pelo mundo em que vivemos - dá ao encarnado uma condição "diferente", uma especialidade que o credencia para o intercâmbio espiritual "de qualidade", levando-se em conta, ainda, a questão da afinidade (de gostos e tendências) entre os habitantes de distintos mundos. A orientação espírita indica que tais seres "[...] são sem dúvida Espíritos adiantados, capazes de compreender por si mesmos e de conceber grandes coisas" e "[...] são médiuns sem o saberem." No caso específico da relação Paul-George, a facilidade da comunicação se dá em virtude de que ambos trabalharam juntos com a arte e, neste sentido, a convivência levou à familiaridade de intenções e propósitos, resultando, no caso em comento, na produção de uma canção "a quatro mãos", ou, a "dois Espíritos".

7) Animismo - considerado como a expressão espiritual de si mesmo, num fenômeno de caráter espiritual, quando o encarnado recorda-se de fatos passados ou resgata impressões da vida espiritual, canalizando-as para a condição de vida atual. De certo modo, existe um relativo preconceito do meio espírita para com as ocorrências anímicas, como a simbolizar certa diferença conceitual e categórica entre o fenômeno mediúnico propriamente dito e o espiritual. Não há, em nosso posicionamento, nenhuma gradação - em termos de importância filosófico-científica entre a mediunidade e o animismo, desde que o comunicante caracterize-se pelo grau de desenvolvimento espiritual, refletido no tipo de mensagem transmitida. Assim é que a distinção entre uma e outra se dá em função das circunstâncias fáticas e da linguagem utilizada, de vez que uma comunicação anímica - embora relevante e útil - terá proximidade com o formato usual da expressão utilizada pelo encarnado.

8) Influência do encarnado sobre o desencarnado - outro elemento relevante é a questão do grau de influenciação do homem sobre o Espírito comunicante. Kardec questionou isto da Falange da Verdade, recebendo a seguinte resposta: "Exerce, porquanto, se estes não lhe são simpáticos, pode ele alterar-lhes as respostas e assimilá-las às suas próprias idéias e a seus pendores; não influencia, porém, os próprios Espíritos, autores das respostas; constitui-se apenas em mau intérprete".

Por fim, analisando-se com detidão o resultado (a composição, assinada por Paul e creditada ao Espírito Harrison), há elementos suficientes para considerar que se trata de uma comunicação mediúnica fidedigna, mantendo-se os traços que tão bem caracterizaram a profícua e qualificada produção musical dos Beatles e, neste sentido, demonstrando que a criatividade e produtividade artísticas transcendem os portais da natureza material. Mais que isto, os interesses dos Espíritos se conjugam com os dos seres encarnados, importando dizer-se que, ao ingressarmos no plano sutil, continuaremos vinculados aos "assuntos" com que nos envolvemos na vida encarnada. Assim é que a amizade entre os "meninos de Liverpool" resiste ao tempo e à morte, enquadrada esta apenas como uma passagem. Que George e - quem sabe - John Lennon, possam continuar "compondo" do outro lado, para nosso deleite... Os amantes da boa música agradecem!


Fonte: Revista Espírita HARMONIA
http://aeradoespirito.sites.uol.com.br/A_ERA_DO_ESPIRITO_-_Portal/ARTIGOS/ArtigosGRs/A_MUSICA_ESPIR_DOS_BEAT_MH.html



(*)

Marcelo Henrique Pereira, Mestre em Ciência Jurídica, Presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina e Delegado da Confederação Espírita Pan-Americana para a Grande Florianópolis (SC)



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