JOSÉ HERCULANO PIRES, A ALMA
DO ESPIRITISMO
Entramos, hoje, 25 de setembro de 2013, no ANO DE HERCULANO
PIRES, divisando que, daqui a exatamente um ano, estaremos
celebrando os 100 anos de nascimento (Avaré – SP, 25.09.1914)
do maior pensador espírita de todos os tempos, abaixo apenas
do Professor Rivail, Allan Kardec.
Herculano não é
um nome, é um ícone. A partir de suas destacadas virtudes
(coragem, humildade, senso de humor, serenidade, tolerância,
generosidade) construiu em torno de si a marca da genuinidade kardeciana,
o respeito absoluto ao método estabelecido pelo Codificador
para a recepção e seleção das mensagens
no interlóquio com os Espíritos e com os médiuns
que, muito diversamente do que se pode pensar, não eram meros
“aparelhos” à disposição do Plano
Invisível.
Herculano não nasceu espírita, muito embora o curso
anterior de suas vidas sucessivas lhe tivesse permitido acessar alguns
conhecimentos e realizar algumas incursões que o aproximariam
decisivamente da linguagem e das experiências metafísicas.
Vale salientar que, conforme a ele foi revelado, em uma de suas vidas
anteriores, mais especificamente a imediatamente anterior, como Alexandre
Herculano, jornalista, romancista, poeta do Romantismo e historiador
português (1810-1877), contemporâneo de Kardec, dado que
a família Pires confirmou.
Tomamos, como exemplo desta preexperiência, dois dos temas preferidos
da poesia do lusitano autor, Deus e a morte, nestes versos (em “O
Anjo da Guarda”):
“Porque morres?!
Pergunta à Providência
Porque te fez nascer.
Qual era o teu direito a ver o mundo;
Teu jus à existência?
Olha no Outono o ulmeiro
Que o vendaval agita,
E cujas ténues folhas
Aos centos precipita.
[...]
Que é a glória na Terra? Um eco frouxo,
Que somem mil ruídos.
E a voz da Terra o que é, na voz imensa
Dos orbes reunidos?
[...]
Alma triste, que mesquinha
Te debruças sobre o Inferno,
Ouve o anjo, pobrezinha;
Vem ao gozo sempiterno.
Resigna-te e espera, e os dias de prova
Serão para o crente quais breves instantes.
Tomar-te-ei nos braços no trance da morte,
Fendendo o infinito coas asas radiantes.
Depois, das alturas teu térreo vestido
Sorrindo veremos na Terra guardar
E ao hino de Hosana nos coros celestes
A voz de um remido iremos juntar.”
Desde cedo despertou nesta nova
vida, como Herculano Pires, sua veia de escritor e vocação
literária quando, aos nove anos de idade, fez o seu primeiro
soneto, era um decassílabo sobre o Largo São João,
da cidade onde nasceu. Adiante, aos dezesseis, publicou o primeiro
livro de contos de sua autoria (“Sonhos
azuis”) e, aos dezoito, o segundo,
de poemas e sonetos (“Coração”).
Os sonhos azulariam seu coração poético e filosófico
até a derradeira despedida desta existência.
Católico até os
quinze anos de idade, passou pela Teosofia e, como ele mesmo relatou
em entrevista a Jorge Rizzini, não queria saber do Espiritismo,
ao qual considerava “um amontoado de superstições”,
em face de sua formação. Veio a conhecer o Espiritismo
aos 22 anos (1936), justamente quando se inclinava a seguir o materialismo.
Um de seus diletos amigos, Dadício de Oliveira Baulet o desafiou
a ler uma obra espírita. Era um exemplar de “O
Livro dos Espíritos” e como o professor não
declinava de qualquer desafio, passou a ler a obra, e o conteúdo
lhe tocou profundamente a razão. Teria dito que tudo o que
ele avidamente procurava estava ali, naquele livro. Isto se materializa,
inclusive, pela referência dada por Herculano, na introdução
de sua própria tradução da obra primeva, muitos
anos depois, lançado pela LAKE, onde se lê: “Nunca
houve, aliás, um diálogo como este. Jamais um homem
se debruçou, com toda segurança do homem moderno, nas
bordas do abismo do incognoscível, para interroga-lo, ouvir
as suas vozes misteriosas, contradizê-lo, discutir com ele e
afinal arrancar-lhe os mais íntimos segredos. E nunca, também,
o abismo se mostrou tão dócil, e até mesmo desejoso
de se revelar ao homem em todos os seus aspectos”.
Daí até 1946 passou
a ler tudo o que podia sobre espiritismo travando contato direto com
expoentes espíritas da época e com médiuns fabulosos,
como Ciro Milton de Abreu, de efeitos físicos e Urbano de Assis
Xavier, notável pela transfiguração, voz direta,
cura e incorporação.
Estava formado o homem espírita.
Os que com ele conviveram reforçam os traços da personalidade
herculanista, o seu jeito de homem do interior, seu bom humor e seu
gosto por contar “causos” e fazer piada das pequenas coisas
do cotidiano e dos amigos mais próximos. É por isso
que na escrita foi muito mais contundente do que na fala.
Amilcar Del Chiaro Filho, a esse respeito, salienta a coerência
e beleza do estilo herculanista, que sabia ser poético, mas
sabia também ser incandescente, quase impiedoso para com aqueles
que se diziam espíritas e aviltavam o Espiritismo, fossem grandes
ou pequenos, ou se lastreassem em instituições orientadoras
do movimento.
Como escritor, filósofo de formação e exercício
tendo se graduado bacharel e licenciado em filosofia pela Universidade
de São Paulo (1958), com a tese existencial “O
Ser e a Serenidade”, transitou pela área acadêmica
sendo mestre de filosofia na Faculdade de Filosofia de Araraquara
e membro da Sociedade Brasileira de Filosofia.
Pedro Camilo registra que o
Professor alegava sofrer de “grafomania”, já que
escrevia “dia e noite”. Cairbar Schutel, o saudoso Bandeirante
do Espírita foi quem teria “descoberto” a veia
de escritor de Herculano, facilitando a publicação de
um seu artigo no Jornal Espírita “O Clarim”,
que existe até hoje, mas não chegou a ver o nome de
Herculano estampado no jornal de Matão, por ter desencarnado
antes da data.
Produziu dezenas de ensaios, centenas de artigos e alguns romances.
Deixou mais de 80 obras (vide relação completa ao final).
Defensor incondicional da CULTURA ESPÍRITA, fundou e manteve,
até seu desencarne, a Editora Paidéia (em referência
à maneira grega de busca da verdade) que foi responsável
pela publicação e reedição de muitos dos
seus livros. E como escrevia? À noite ou logo cedo, de pijama,
à frente de sua conhecida companheira, a máquina de
escrever e, nos últimos tempos, como destacou a jornalista
Lúcia Kfouri, uma cabeleira branca a emoldurar uma mente de
grande cultura e o olhar sempre direcionado ao infinito...
Sua veia jornalística o levou a ocupar a presidência
do Sindicato dos Jornalistas Espíritas do Estado de São
Paulo, bem como assumir a direção da União Brasileira
de Escritores e a vice-presidência do Sindicato dos Escritores
de São Paulo.
Em 1948, na capital paulista se vinculou profissionalmente aos “Diários
Associados” de Assis Chateaubriand, Herculano Pires
funda a 23 de janeiro o “Clube dos Jornalistas do Estado de
São Paulo”. Como baluarte da imprensa espírita
promoveu e coordenou eventos memoráveis que marcaram a história
da imprensa espírita brasileira, como o II Congresso Brasileiro
de Jornalistas e Escritores Espíritas (Combrajee).
Preocupado com a difusão social dos ensinos espiritistas, para
alcançar a grande massa, sem qualquer vinculação
com sua carreira jornalística, política e pedagógica,
adotou o pseudônimo de Irmão Saulo (em referência
a Saulo de Tarso) para produzir crônicas espíritas em
jornal laico e comercial (“Diários Associados”),
por quase vinte anos seguidos.
Sua obra prima literária, menção obrigatória
em qualquer biografia sobre este iluminado Espírito, é
“O Espírito e o Tempo”, o qual
foi considerado em pesquisa específica, ao lado de “O
Problema do Ser, do Destino e da Dor”, de León
Denis, os dois melhores livros espíritas não mediúnicos
publicados no século passado. Nela o Professor Herculano estrutura
a história mediúnica da humanidade e incursiona sobre
uma verdadeira introdução antropológica ao Espiritismo,
já que, utilizando o “método cultural” dos
antropólogos ingleses – quando dos estudos sobre a origem
e a história das religiões. A História da Humanidade
é a própria sucessão das manifestações
do mundo invisível, desde épocas imemoriais, na saudosa
lembrança do pensador espírita argentino Humberto Mariotti,
notável orador e amigo pessoal de Herculano sendo que os dois
possuíam, um pelo outro, grande afinidade intelectual.
Veja-se, a propósito, como Mariotti carinhosamente referencia
o professor: “[...] porque tu, Herculano, nasceste marcado
para impulsionar a grandeza da Codificação Kardequiana”.
Em seu tempo e tradicionalmente, o conteúdo espírita
era dirigido aos adultos, levando-se em conta que a grande parcela
de frequentadores das instituições eram desta idade,
Herculano inaugurou a ideia de investir na educação
e, também, na formação dos responsáveis
pela transmissão dos conhecimentos. Cunhou, assim, a expressão
Pedagogia Espírita, visivelmente calcada em dois princípios,
o da imortalidade e o da evolução do espírito.
Ao estabelecer o conceito “o educando é um espírito
encarnado” Herculano dá um evidente salto paradigmático
para as reflexões e para o fazer pedagógico.
Neste particular, editou por alguns anos uma revista voltada para
esse segmento (“Educação Espírita”).
Vale dizer que foi somente em 1979 (ano, inclusive, do desencarne
de Herculano) que a Federação Espírita Brasileira
oficializou um programa voltado aos educandos, com o nome de “Campanha
Permanente de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil”.
A diferença clara entre as propostas está na maior amplitude
da proposta do professor direcionada ao Ser Integral, em relação
à ideia federativa mais centrada no caráter moral e
no chamado “aspecto religioso” do Espiritismo.
Em complemento, ainda no cenário educacional, esteve sempre
postado em defesa do ensino público de qualidade e, corajosamente,
incitou os espíritas a ocuparem espaços sociais qualificados
e pontuais apregoando, pela vez primeira, a criação
de escolas e universidades espíritas com cursos regulares,
dentro de um projeto de Faculdade de Espiritismo, de política
pedagógica diferenciada sugerindo elementos para a estrutura
organizacional e o currículo.
Herculano, aliás, sempre pautou a difusão espírita
por meio da tríade ciência, filosofia e moral (ou religião
filosófica, como destacou o próprio Codificador). Seguidamente
o afirmara, como resgata a citada Lúcia Kfouri: “E
me lembro bem, Professor, quando me afirmou que a Doutrina Espírita
estava se voltando muito para a parte religiosa, quando, na verdade,
o Espiritismo deveria ser entendido nas suas três intenções
(filosófica, científica e religiosa), como o
nascimento de uma nova civilização”.
Não era ativista de grandes movimentos sociais e preferia circular
entre ambientes institucionais das associações, clubes
e dos eventos temáticos (congressos, semanas e tantos outros),
com facilidade de aproximação de todos. Era muito admirado
enquanto pessoa e, por sua simplicidade e seus exemplos morais, era
muito admirado e acabava fazendo grande propaganda do Espiritismo
sem, contudo, efetuar prosélitos conversionistas. Era simples
e essa simplicidade refulgia em qualquer ambiente onde estivesse,
não somente nos centros espíritas.
Sua filha, Heloísa, expoente viva do pensamento herculanista
desde seu desencarne até os dias hodiernos, explica que o pai
conseguiu vencer, graças a Doutrina, as barreiras do mundo
material. Para ela foi possível a Herculano “Desligar-se
dos problemas efêmeros, dos vínculos primários
da matéria, transcender sua humanidade, voando nas asas do
pensamento até a essência da natureza”.
Foi adjetivado, certa feita, ora como “síndico do Espiritismo”
ora como “zelador”, justamente por sua postura ardorosa
em defesa, seja dos princípios e da obra espiritistas (o zelo
doutrinário como ideal), seja de companheiros espíritas,
como o médium Francisco Cândido Xavier, ante injustificados
e covardes ataques contra sua moral e suas características
pessoais (como o fato de usar perucas e boinas, para se proteger da
calvície avançada) quanto em episódios de envolvimento
do médium mineiro e de sua obra com pessoas inescrupulosas,
tanto quanto no funesto episódio de afronta à tentativa
editorial patrocinada por uma federativa (Federação
Espírita do Estado de São Paulo – FEESP), de adulteração
do conteúdo das obras básicas, bem como a existência
de erros doutrinários em obras divulgadas pela Federação
Espírita Brasileira (FEB), sem falar das epidemias de fraudes
mediúnicas por toda a parte. Travou grandes polêmicas
em torno da obra do espírito Ramatís (a quem Herculano
atribuía o conceito de pseudossábio).
Neste particular, merece transcrever seu compromisso com a metodologia
kardequiana e a cautela diante da produção de “novas
revelações” (no livro “A Pedra
e o Joio”, no capítulo Na hora do toque,
em As normas de Kardec.): “O bom-senso, como ensinou Kardec,
é o fio de prumo que nos garante a construção
de um conhecimento mais amplo, mais rico e, ao mesmo tempo, mais preciso.
Usar do bom-senso é o primeiro preceito da normativa de Kardec;
examinar com rigor a linguagem dos Espíritos comunicantes;
submetê-los a testes de bom-senso e conhecimento, verificar
a relação de realidade dos conceitos por eles enunciados
(relação do seu pensamento com os fatos, as coisas e
os seres), enquadrar os seus ensinos e revelações no
contexto cultural da época, verificando o alcance abusivo ou
não das afirmações mais audaciosas – eis
os elementos que temos de observar no trato da mediunidade, se não
quisermos cair em situações difíceis, a que fatalmente
nos levariam Espíritos imaginosos ou pseudossábios;
e ao lado disso, submeter tudo quanto possível à comprovação
experimental, à pesquisa”.
Era nesses momentos que aquele homem calmo e de fala pausada e serena,
sempre atencioso com todos, virava um leão como a proteger
sua prole, com a fibra, a coragem, o destemor, a escrita terrível,
não poupando qualquer um que pudesse ameaçar uma só
linha da obra rivailiana.
Foi assim, justamente, que, no episódio da adulteração,
conforme registra seu dilego amigo (e biógrafo) Jorge Rizzini
(no livro “J. Herculano Pires, o Apóstolo de
Kardec”): “A razão dessas exigências
é a seguinte: as obras doutrinárias, particularmente
as de Kardec, são documentos da Doutrina. São básicas.
A mudança de uma palavra pode modificar o sentido original
e dar-lhe a possibilidade de nova interpretação. Estamos
lutando para repor Kardec em sua legitimidade, a mais absoluta”.
Escreveu, inclusive, em conjunto com Francisco Cândido
Xavier, um livro profundo e específico (“Na hora
do testemunho”) para historiar e deixar registrada
a tentativa de adulteração das obras kardequianas, onde
aduz: “Ser fiel à verdade, saber respeitá-la
e fazer-se humilde perante ela são as três pedras de
tropeço do homem na terra. Podemos conhecer a Verdade e proclamá-la,
procurar vive-la e comunica-la aos outros, mas ter a coragem de sustenta-la
nos momentos de crise é quase um privilégio no mundo
de vaidades e mentiras terrenas”.
Crítico permanente e sensato do nosso movimento, ao escrever
“O Centro Espírita”, censurou
a tendência dos espíritas em situarem as instituições
espíritas, APENAS e separativamente como TEMPLO ou LABORATÓRIO,
singularizando as opções pela “religião
espírita” ou pela “ciência espírita”,
com exclusividade injustificável. Herculano situou ponderadamente
o Centro Espírita como o ponto de convergência (remontando
à expressão de Victor Hugo, point dóptique).
Mas Herculano não esteve na vanguarda apenas contra a detratação
perpetrada pelos adeptos do Espiritismo. Duelou, em ideias, contra
o vetusto e irônico Padre Quevedo, suas homéricas polêmicas,
parapsicólogo que se tornou conhecido por tentar ridicularizar
a doutrina. Sempre calmo e compenetrado, sem deixar de adotar, por
vezes, nos debates, a crítica aguda e o humor, Herculano saiu
vitorioso de todos os embates.
Como um Don Quixote da Modernidade, destemido e compromissado com
a verdade e a lógica, também enfrentou os “padres
mágicos” (que chegavam a inventar experiências
televisivas para “provar as fraudes dos espíritas”)
e os pastores dedicados a atacar o Espiritismo, sem qualquer atitude
de desrespeito ou grosseria (sua marca), somente pela exposição
objetiva de fatos e argumentos.
Em seu programa radiofônico “No limiar do amanhã”
(Rádio Mulher, aos sábados
à noite), descortinou centenas
de temas à luz do espiritismo (muitos dos programas foram convertidos
no livro de mesmo nome e os originais em áudio estão
disponíveis no site da Fundação Maria Virgínia
e José Herculano Pires (http://www.fundacaoherculanopires.org.br/acervo/nolimiardoamanha).
Sobre a carinhosa alcunha dada
por Emmanuel (que acompanhou os vários anos de amizade sincera
entre o professor e Chico Xavier), o “metro que melhor mediu
Kardec” segundo Manoel Fernandes Neto, com certeza já
esperava que essa "unidade de medida" continuaria prestando
auxílio à compreensão aprofundada da Doutrina
dos Espíritos, não dogmática, presa às
letras, frases e nos discursos exteriores, mas nos ensinos de Jesus,
“em Espírito e Verdade”.
A maioria dos espíritas no Brasil é bem verdade aceita
o espiritismo como mais uma religião apenas, embora mantenham
o discurso do tríplice aspecto. Herculano soube sondar as profundidades
da obra de Como Kardec, Herculano entende a Doutrina Espírita
como uma verdadeira revolução cultural, a dos Espíritos,
dentro de uma proposta pedagógica com ares de ciência
nova, filosofia inédita, sem negar seu conteúdo religioso,
graças à opção de Kardec (em consórcio
com os Espíritos Superiores) em lançar uma obra que
explicasse os ditos e feitos do homem Jesus de Nazaré, apresentando
este, em sua única e correta tradução da questão
625 de “O Livro dos Espíritos”
como um dos guias e modelos para a humanidade e não o único.
Para Milton Medran, Herculano também se vinculou ao chamado
“triângulo emanuelino” (a visão tríplice
da realidade espírita, como ciência-filosofia-religião),
que ele mesmo assim nomeou, mas, ao contrário da porção
majoritária dos espíritas brasileiros, o professor via
no cristianismo uma ruptura total com os ensinos de Jesus, e antevia
a falência definitiva das religiões no mundo pós-moderno.
Em “Agonia das religiões”, Pires
sentencia: “O materialismo morreu por falta de matéria,
como afirmou Einstein, e as religiões agonizam, como podemos
ver, por falta de espírito”. Mas propugna um novo
conceito de religião, não o adotado pelos espíritas
em geral, mas seguindo-se a didática kardequiana (religião
no sentido filosófico), já que para o Codificador, “o
verdadeiro caráter do Espiritismo é o de uma ciência
e não de uma religião”.
Crítico do chamado “movimento espírita”
e das instituições espiritistas, não tinha meias
palavras para destacar as atitudes contrárias à doutrina
e bradar contra o sentimento igrejeiro exacerbado de pessoas e entidades
espíritas, que cultivavam dogmas e crendices e a fazer "bocas
de siris" às deformações que as ciências
e as religiões teimavam em inserir o espiritismo.
A esse respeito, convém resgatar a bela referência feita
por Mauro Spinola, de que Herculano jamais se calou diante de práticas
espíritas esdrúxulas, que ele condenava (como as aplicações
inadequadas da mediunidade) tal como a adoção de conceitos
espíritas equivocados (como o da reforma íntima). Daí
Herculano ter oportunamente se manifestado no subtítulo de
uma de suas obras (“Curso dinâmico de espiritismo”),
para dizer que o Espiritismo era “O Grande desconhecido”
também dos próprios espíritas.
Herculano é também o grande responsável por sepultar
a equivocada afirmação de muitos espíritas de
que Kardec teria sido mero organizador das ideias espirituais, a título
de uma revelação pronta e acabada, expressa pelos Espíritos.
É de Rivail, conforme bem acentua o professor a estruturação
da filosofia espírita e a introdução de uma metodologia
própria de abordagem científica.
Outro traço marcante do filósofo de Avaré, conforme
destaca sua aluna, nossa mestra, Dora Incontri, é nunca perder
a identidade do pensamento espírita, enxergando os elos deste
com outras formas de pensamento para estabelecer que a história
das ideias humanas derive da construção coletiva de
conhecimento e descoberta da verdade, de modo amplo e aberto e por
isso mesmo fiel aos princípios lançados por Kardec.
Bem dentro daquilo que Rivail destacou em relação à
permanência dos ensinos espíritas no curso dos tempos,
marchando lado a lado com a Ciência.
Herculano inaugurou o estilo de observação dos experimentos
científicos de todo o mundo, sobretudo pelas notícias
vindas das universidades americanas e centros espaciais russos, promovendo
notáveis estudos científicos com uma vasta quantidade
de informações levantadas, abrindo o Espiritismo para
o mundo. Neste particular, promoveu a discussão explícita
entre o Espiritismo e os diversos segmentos da pesquisa psíquica,
do americano Rhine ao russo Vassiliev, do psicanalista Freud ao engenheiro
Bozzano, na esteira da decantada permanência do conteúdo
espiritista tão defendida por Kardec. Este estilo foi, depois,
seguido por Hermínio Corrêa de Miranda, Hernani Guimarães
Andrade e Henrique Rodrigues, entre muitos outros cientistas espíritas.
Suas abalizadas pesquisas o levaram a presidir o Instituto Paulista
de Parapsicologia.
Ele, sem dúvida, foi o grande construtor de pontes entre o
conhecimento espírita e a cultura contemporânea, estruturando
um diálogo profundo com os grandes temas de sua época.
Quem, depois dele, conseguiu materializar tal intento com tamanha
autoridade e excelência?
Voltando à coluna por ele assinada no jornal “Diário
de São Paulo”, nela, em outubro de 1968, escreveu
premonitoriamente: “Alguns acreditam que a morte súbita
é perigosa. Kardec morreu assim, em pleno trabalho. Quando
a criatura viveu bem a morte súbita é boa, é
uma libertação imediata do espírito. Quando a
criatura não soube viver a morte é sempre difícil”.
Estava praticamente, ele, a prever a sua própria desencarnação
que ocorreria na noite de 09.03.1979, em São Paulo (SP). Tal
como Kardec, sua referência, despediu-se da vida física
com pouco mais de 64 anos e 5 meses, desencarnado com uma diferença
de apenas 14 dias em relação ao tempo de vida do Codificador.
É de Herculano, ainda como Alexandre o poeta português,
uma frase que demonstra a progressividade do conhecimento e da evolução,
permitindo a cada ser voltar ao início, de si mesmo, e aprender
com suas andanças: “Eu não me envergonho de
corrigir os meus erros e mudar as minhas opiniões, porque não
me envergonho de raciocinar e aprender”.
Este o grande DNA de Herculano: a sabedoria na humildade e a certeza
de que a Imortalidade é a condição que oferece,
na palingênese, tantas quantas oportunidades sejam necessárias
ao aprendizado constante. Como disse Del Chiaro Filho, “Herculano
era a própria prova do que dizia: Deus, a suprema consciência
não nos criou do barro da terra, mas da luz das estrelas”.
A ele nossa sentida, sincera, carinhosa e emocionada homenagem, posto
que, na nossa trajetória desta vida, após os livros
de Kardec, foram nas obras do Professor Herculano Pires, que bebi
a sabedoria espírita para todas as atividades que pude realizar
até hoje.
J. Herculano Pires – Bibliografia
Nhô Chico Bananeiro, Contos,
Ed. O Porvir, Cerqueira César, SP. 1928.
Cabo velho & Cia, Contos, Ed. O Porvir, Cerqueira
César, SP. 1929.
Sonhos Azuis, Tipografia Ipiranga, Cerqueira César,
SP. 1930.
O Serenista, Editora A Semana, Cerqueira César,
SP. 1930.
Cidades Vivas, Contos, Editora Rio Novo, Avaré,
SP. 1930.
Coração, Poemas, Tipografia Ipiranga,
Cerqueira César, SP. 1932.
Quando Outono Chegar, Poemas, Dat. Avareense, Avaré,
SP. 1932.
Estradas e Ruas, Poemas, Francisco Alves, SP. 1933.
Abandono da Infância, Crônicas, Editora
O Porvir, Cerqueira César, SP. 1936.
Orientação Pediátrica, Estudo,
Editora A Semana, Cerqueira César, SP. 1936.
Poemas do Tempo e Da Morte, Editora A Semana, Cerqueira
César, SP. 1936.
Flores Murchas, Estudo, Editora O Porvir, Cerqueira
César, SP. 1937.
Árvores Sagradas, Artigos, Tipografia Central,
Avaré, SP. 1937.
Mulher de Pedra, Poemas, Mim. Paulista, SP. 1938.
A Busca da Serenidade, Tipografia Ipiranga, Cerqueira
César, SP. 1945.
À Margem da Guerra, Diário Paulista,
Marília, SP. 1945.
Conceito Moderno de Poesia, Tipografia Ipiranga,
Cerqueira César, SP. 1946.
Espigão, Crônica, Diário Paulista,
Marília, SP. 1946.
Argila, Editora Lake, SP. 1946.
O Reino, Editora Lake, SP. 1947.
Atlântida, Poesia e Mito, Editora A Semana,
Cerqueira César, SP. 1948.
O Caminho do Meio, Editora Brasiliense, SP. 1948.
Balvatski e Gandhi, Editora Lake, SP. 1949.
Introdução à Psicologia, Curso,
Instituto Brasileiro de Filosofia, SP. 1952.
Crítica da Teoria Corpuscular do Espírito,
Curso, SP. 1952.
Barrabás, O Enjeitado, Editora Lake, SP. 1954.
Um Deus vigia o Planalto, Romance, DN (folhetim Ilustrado),
SP. 1954.
Daga Moriga, Piratininga, SP. 1955.
África, Poema, Tipografia O Minuto, SP. 1955.
Os Filósofos, Cultrix, SP. 1960.
Farias Brito, Revista Filosofia, SP. 1960.
O Ser e a Serenidade, Edicel, SP. 1960.
Tempo de Magnólias, Piratininga, SP. 1961.
Os 3 Caminhos de Hécate, Edicel, SP. 1962.
Arigó, um caso de fenomenologia - Paranormal,
Francisco Alves, SP. 1963.
Psicologia do Desenvolvimento Cultural, Curso, Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, Araraquara, SP.
1963.
O Espírito e o Tempo, Edicel, SP. 1964.
Parapsicologia e suas Perspectivas, Edicel, SP. 1964.
Introdução a Filosofia Espírita,
MUE, SP. 1965.
Rousseau e a Educação, Cultrix, SP.
1965.
Renan e os Evangelhos, Cultrix, SP. 1965.
Parapsicologia Hoje e Amanhã, Edicel, SP.
1966.
Murais, Poemas, Editora Palma, SP. 1968.
Um Deus Vigia o Planalto, livro, Francisco Alves,
SP. 1968.
Educação Espírita, Edicel, SP.
1970.
O Verbo e a Carne, Editora Cairbar, SP. 1972.
Chico Xavier pede Licença, Crônicas,
Editora GEEM, SP. 1972.
A Pedra e o Joio, Editora Cairbar, SP. 1973.
Na Era do Espírito, Editora GEEM, SP. 1973.
Cânticos, Dat. Avareense, Avaré, SP.
1973.
Parapsicologia e suas Perspectivas, edição
atualizada, Edicel, SP. 1974.
Diálogo dos Vivos, Editora GEEM, SP. 1974.
Lázaro, Romance, Edicel, SP. 1975.
Agonia das Religiões, Editora Paidéia,
SP. 1976.
Arigó, Vida e Mediunidade, Edicel, SP. 1976.
Mensagens, Poemas, Tipografia Paulista, SP. 1976.
A Viagem, Editora Beira, Porto Alegre, RS. 1976.
Revisão do Cristianismo, Editora Paidéia,
SP. 1977.
Psicologia da Liderança, Editora Paidéia,
SP. 1977.
Adão e Eva, Editora Paidéia, SP. 1977.
O Menino e o Anjo, Editora Paidéia, SP. 1977.
Na Hora do Testemunho, Editora Paidéia, SP.
1977.
Madalena, Romance, Edicel, SP. 1978.
Os Sonhos Nascem na Areia, Editora Paidéia,
SP. 1978.
Jamurana e as Águas Selvagens, Editora Paidéia,
SP. 1978
Para uma Poética da Era Cósmica, Editora
Paidéia, SP. 1978.
O Túnel das Almas, Editora Paidéia,
SP. 1978.
Metrô para o Outro Mundo, Editora Paidéia,
SP. 1978.
Ciência Espírita, Editora Paidéia,
(póstumo), SP. 1979.
Curso Dinâmico do Espiritismo, Editora Paidéia,
(póstumo), SP. 1979.
Obsessão, o Passe a Doutrinação,
Editora Paidéia, (póstumo), SP. 1979.
Vampirismo, Editora Paidéia, (póstumo),
SP. 1980.
O Centro Espírita, Editora Paidéia,
(póstumo), SP. 1980.
Concepção Existencial de Deus, Editora
Paidéia, (póstumo), SP. 1981.
O Mistério do Ser Ante a Dor e a Morte, Editora
Paidéia, (póstumo), SP. 1981.
Pedagogia Espírita, Editora Paidéia,
(póstumo), SP. 1982.
Pesquisa sobre o Amor, Editora Paidéia, (póstumo),
SP. 1983.
O Infinito e o Finito, Editora Correio Fraterno,
(póstumo), SP. 1983.
O Homem Novo, Editora Correio Fraterno, (póstumo),
SP. 1983.
Educação para a Morte, Editora Correio
Fraterno, (póstumo), SP. 1984.
Mediunidade, Editora Paidéia, (póstumo),
SP. 1986.
Poesias (união dos livros Murais e Argila),
Editora Paidéia, (póstumo), SP. 2004.
Sonhos de Liberdade, Editora Paidéia, (póstumo),
SP. 2005.
A Evolução Espiritual do Homem, Editora
Paidéia, (póstumo), SP. 2005.
O Sentido da Vida, Editora Paidéia, (póstumo),
SP. 2005.