Marcelo
Henrique Pereira
> Espiritismo, o grande desconhecido
(dos Espíritas)
Herculano Pires foi, sem sombra
de dúvida, o maior pensador espírita brasileiro e um
dos maiores de todos os tempos neste mundo. Deixou mais de oitenta
obras, perpassando diversas nuances da Filosofia Espírita,
com maestria e extrema competência. Seu pensamento chega até
nós num momento importante da trajetória do Espiritismo
o qual, na visão de Kardec, se prepara para enfim superar o
período religioso (depois de cumprir as etapas anteriores,
o da curiosidade, o filosófico e o de lutas), ingressando no
intermediário que levará ao de regeneração
social, conforme bem detalhado na Revue Spirite
de dezembro de 1863.
Em uma de suas mais oportunas obras, “Curso Dinâmico
de Espiritismo: O grande desconhecido”, Herculano
faz severas advertências aos espíritas (do seu tempo,
até 1979, ano de seu desencarne, e dos futuros, alcançando
nossa época), alertando-nos quanto ao modo de entender, praticar
e divulgar a Doutrina dos Espíritos. Várias de suas
observações e advertências – senão
todas – conservam a perenidade da permanência e devem
ser referenciais para quem, dentro e fora das instituições
espíritas, entende o Espiritismo como uma proposta humanista
e progressista de vida adequada a todas as situações
existenciais e destinada a construir uma nova atmosfera social para
um planeta permanentemente em mutação.
Este texto é o resumo de conferência
que realizamos, em setembro de 2013, na abertura da programação
comemorativa do Centenário do Professor Herculano (1914 –
2014), o Filósofo de Avaré, que irá se estender
até o final do ano de 2014, com atividade em inúmeras
instituições espíritas do Estado de Santa Catarina
e algumas outras em cidades brasileiras com as quais temos contato
e vínculo. Em cada uma das atividades, estaremos trabalhando
uma obra específica do saudoso professor, revisitando conceitos
e aproximando sua cátedra à atual situação
vivenciada pelo movimento espírita e sua necessária
interface com o meio social.
Sem a pretensão ilusória de esgotar o tema e, tampouco,
enquadrar toda a obra em comento, pinçamos alguns elementos
que julgamos oportunos e atualíssimos, sobretudo para aqueles
que veem o Espiritismo como um conjunto de procedimentos perfeitamente
direcionados à vida neste orbe, muito mais do que uma simples
e limitada modalidade de religião, na constante busca de tornar
os ensinamentos espíritas matéria de conhecimento comum
na Sociedade porque entendem que o maior papel dos espíritas
não é o de fazer prosélitos nem ensinar (ou debater,
ainda que com restrições impostas pelas lideranças)
espiritismo nos Centros Espíritas, mas atuar nas frentes sociais
para alcançar um quantitativo de consciências e corações
que já se encontrem despertos para novas verdades.
Refletindo com Herculano, podemos ver que o Espiritismo
é mesmo o GRANDE DESCONHECIDO. Desconhecido fora das instituições
espíritas ou do próprio movimento espírita e,
também, pasmem, desconhecido dentro de tais ambiências.
Isto porque há muitos, dentro e fora, que falam
de Espiritismo, sem conhecê-lo em profundidade. Na cátedra
do Professor, “O Espiritismo [...] é hoje o Grande
Desconhecido dos que o aprovam e o louvam e dos que o atacam e criticam”
(p. 1 da obra em comento), apresentando o cenário de que, estando
DENTRO, os adeptos acabam sendo cegos, dogmáticos e proselitistas
e, FORA, vociferam como inimigos e detratores da Filosofia Espiritista.
Vamos enfocar, primeiramente, os que estão FORA das instituições
espíritas.
Aqueles que combatem por combater, pelo medo do novo
e do desconhecido. Saliente-se que tudo que é novo e que nos
retira da chamada “zona de conforto” é visto, a
princípio, como algo a ser temido, repelido e evitado. Assim
é que muitas pessoas que já têm suas formas consolidadas
de pensar e encarar a vida, diante de explicações espíritas
adotam a repulsa e o desmerecimento de tais ideias.
Ao lado desses, existem os que desqualificam o Espiritismo
e seus princípios e interpretações justamente
por não quererem “dividir rebanhos”, já
que ocupam posição de liderança em seitas e religiões,
as quais adotam verdades distintas das contidas na Filosofia Espiritista,
tornando-se muito mais conveniente combater e desqualificar para que
seus adeptos, fiéis e seguidores sequer se aproximem dos livros,
das pessoas e das instituições espíritas com
receio de que elas, passando a conhecer outras explicações
para os fatos da vida, possam deixar igrejas e templos, passando a
frequentar os centros.
Há os que, de outro lado, associam o Espiritismo aos
chamados cultos afro-brasileiros, em especial a Umbanda e
o Candomblé, afirmando que na Doutrina Espírita há
os rituais, objetos e práticas destes, fazendo uma confusão
(acidental ou proposital) entre o Espiritismo e estas doutrinas ou
seitas. É muito comum, assim, ouvir-se dizer que nos centros
temos batuques, oferendas, sacrifícios de animais e a sempre
temida evocação de espíritos, inclusive para
“fazer mal” ou obter, deles, vantagens pessoais, no amor,
no trabalho e em busca de riquezas materiais. A ignorância generalizada,
assim, não permite divisar a correta distinção
entre a religiosidade existente naquelas manifestações
e a presente nas comunidades espíritas e muitos deles, inclusive,
se recusam a comparecer em sessões e atividades espiritistas
para ver, com os próprios olhos, as diferenças, por
“não dar o braço a torcer”.
Também são encontrados os que generalizam determinadas
ações negativas ou até criminosas praticadas
por dados indivíduos – entre os quais alguns que se dizem
médiuns ou se encontram ligados ao Espiritismo – como
sendo prática “comum” da Doutrina Espírita
e utilizam esses infelizes exemplos para classificar ou qualificar
os espíritas de modo generalizado. Vale dizer que o “ser
espírita” não é credencial que coloca a
criatura em posição superior aos demais habitantes deste
orbe, justamente porque o que mais importa é a forma de proceder,
independente de credo, fé, religião, filosofia ou adjetivação,
em relação aos atos corriqueiros da vida. De outra sorte,
existem muitas pessoas que “entram no Espiritismo”, participando
de atividades e assumindo posições de referência
nas instituições, mas o Espiritismo, infelizmente, ainda
“não entrou” dentro delas, na forma de renovação
de atitudes e melhoramento de condutas – a vivência plena
espírita.
E o que dizer, ainda, dos céticos que não valorizam
nada que tenha vindo de origem metafísica, afirmando
que tudo é ilusório e que a religião é
o ópio do povo, no sentido de não haver explicações
razoáveis e racionais para as manifestações de
cunho religioso ou para a fenomenologia transcendental. O ceticismo
em si afasta qualquer perspectiva de exame das diversas situações
em que eclode a mediunidade, porque o ser já é prevento
e preconceituoso (no sentido de não admitir contestação
às suas ideias solidificadas e não avaliar outras circunstâncias
que não as que já são, por si mesmo, reconhecidas
como válidas e inafastáveis).
Tem-se outros, os ateus que, por dizerem não
acreditar em Deus, creditam tudo ao acaso, no antevir
e no porvir, e sequer analisam racionalmente qualquer informação
que tenha como origem o Plano Espiritual permanecendo fechados a qualquer
perspectiva de conversação sob parâmetros espirituais,
a partir da negativa de pronto e absoluta de tudo o que seja “espiritual”.
Todos esses, de algum modo, combatem o Espiritismo e os espíritas
e muitos deles, infelizmente, adotam comportamentos violentos e ofensivos
em relação à doutrina e seus adeptos ou expoentes,
os quais são totalmente disformes e inadequados para o presente
século, que deveria ser o da pluralidade, alteridade e respeito
interpessoal quanto às diferenças de pensar e de ser,
no vasto e multifacetado tecido social planetário.
Em nosso entendimento, apesar de situações pontuais
aqui ou ali em que, inclusive, se torna necessária a intervenção
judicial para salvaguardar a liberdade de convicção
e de expressão e, em muitos casos, conforme a conceituação
majoritária das instituições espiritistas como
entidades religiosas, a liberdade religiosa, ou para reparar prejuízos
(notadamente em sede de danos morais), cumpre dizer que estes não
são os principais “opositores” ou “inimigos”
do Espiritismo.
O maior problema é quanto os que estão DENTRO do próprio
movimento espírita e desconhecem o que seja o ESPIRITISMO.
São os que falam do Espiritismo por “ouvir dizer”.
É o conhecido “Espiritismo de senso comum”, quando
se adotam comportamentos e atitudes e se repetem declarações
que nada tem a ver com a doutrina lógico-racional concebida
pelo Professor Rivail. Diz-se, assim, que o Espiritismo em muitos
casos e cenários se afigura completamente dissociado das orientações
e das sugestões de Kardec (com substrato nas informações
recebidas dos Espíritos Superiores por meio de variados médiuns),
preferindo-se a adoção de ritos e posturas de uma verdadeira
seita cristã com alto grau de organização e estrutura
religiosa, quando Kardec foi peremptoriamente claro no sentido de
que os Espíritos não vieram (e nem ele) fundar uma nova
religião, assim como seria muito natural que seus adeptos conservassem
suas crenças tradicionais e se interessassem pelos fundamentos
espiritistas, sem a necessidade do abandono de suas práticas
religiosas costumeiras.
Do contrário, principalmente no Brasil, a forte influência
da porção majoritária católica, assim
como as raízes de seitas afro-indígenas e suas manifestações
gerou um substrato social altamente interessado em uma nova religião
com bases cristãs, tendente, inclusive, a reformar o Catolicismo
e o Protestantismo (o qual, por sua vez já historicamente concebido
como movimento reformista cristão) para promover o resgate
dos ensinamentos e práticas da “Casa do Caminho”,
nome que se dá aos primeiros agrupamentos derivados das ideias
de Jesus, disseminados por apóstolos e seguidores das ideias
daquele Rabi.
Estes espíritas DESCONHECEDORES do Espiritismo podem ser agrupados
em vários grupos:
Os que falam (até muito e insistentemente)
apenas sobre a “pequena parte” que leram,
o que lhes transforma em “papagaios de tribuna” porque
repetem (quase sempre) as mesmas coisas e porque decoram itens de
“O livro dos espíritos”, passagens de “O
evangelho segundo o espiritismo” e, até, versículos
bíblicos (seja os reproduzidos nas obras de Kardec seja outros
que lhes sejam “apropriados” para a fala nas tribunas
ou para as conversações em grupos de estudo). Assemelham-se
ao conceito doutrinário de espíritos pseudossábios
(vide o item 104 da obra inaugural de Kardec), já que em muitas
situações apresentam-se com expressões de conhecimentos
“bastante amplos, mas julgam saber mais do que realmente
sabem”.
Os que insistem em dizer que é “muito difícil”
ser espírita e que são apenas “aprendizes”,
tendo em vista a chamada carga de responsabilidade que advém
do conhecimento espírita e da dificuldade (maior ou menor)
de empregar os conhecimentos espiritistas para a própria transformação
moral e para o controle das más inclinações que
todos possuímos. São os que adiam indefinidamente o
início dos processos de transformação e despertamento,
porque nunca se acham capazes de, conhecendo as Leis Espirituais,
tentarem, a um passo por vez, colocá-los como regra usual de
comportamento.
Aqueles que alegam que os textos de Kardec são de difícil
entendimento (tanto pela linguagem utilizada quanto pela
extensão do conteúdo) e “esquecem” das obras
que ele escreveu, preferindo a leitura de obras “simplificadas”
ou o colorido das “historinhas” contidas nos romances
que proliferam dia a dia. Nada contra a literatura do gênero
romântico, com seus cenários e personagens, mas temos
verdadeiros especialistas em romances espíritas no movimento,
ávidos por comprar e ler os novos lançamentos deste
ou daquele autor, havendo os que já leram TODOS os livros deste
ou daquele escritor-médium. E o que é muito pior, tomam
os relatos dos romances como regra e realidade no Plano Espiritual,
adotando tais informações como verídicas, sem
qualquer exame crítico-lógico-racional.
Também há os que se entusiasmam e se empolgam
com as “novidades”, informações
novas ou “revelações” que aparecem por via
de determinados médiuns e passam a considerar tais como incorporadas
automaticamente ao edifício kardeciano, porque, afinal, este
ou aquele médium é “confiável” e
os espíritos continuam a nos dar informações
de como é o “lado de lá”. Ou, então,
são interessadíssimos em teorias que aparecem fora do
Espiritismo e não se contentam enquanto não trazem as
mesmas para o ambiente espiritista, passando a considerar que, como
“o vento sopra onde quer”, devemos nós estar atentos
para o que é produzido “fora” do movimento espírita
para agregar estes conceitos à doutrina. Não se tratam,
todavia, de “revelações” mediúnicas
nem de pesquisas sérias, científicas, com embasamento
e comprovação, mas meras teorias, egressas da criatividade
que é comum aos Espíritos e aos próprios homens,
cuja adoção e aceitação pode significar
e tem significado, em muitas situações, verdadeiras
agressões aos princípios e à metodologia espírita.
Os prejuízos são vários e em elevado montante,
muitas das vezes. Ressalve-se que não estamos dizendo que a
obra espiritista deve ser limitada ao conjunto de informações
apresentadas por Kardec, tendo em vista que ele, prudente e oportunamente,
prescreveu a necessidade da continuidade dos estudos, das comunicações
(e da seleção destas), o que poderia desembocar, inclusive,
no estabelecimento de novos princípios ao corpo doutrinário.
Os que, curiosamente, deixam de estudar com mais afinco
e assim se pronunciam, dizendo “já ter lido toda a Codificação”,
com a ilusão de “já saberem tudo”, assumindo
uma postura curiosa já que o conhecimento é infindo
e a interpretação dos conceitos espíritas também
é variável e progressiva em função do
próprio desenvolvimento e maturação do ser espiritual
em caminhada. Nunca se sabe tudo (o velho sábio grego já
nos teria dito que nada sabia) e mesmo no contexto das obras de Kardec
(todas e não somente as consideradas pelo movimento como “básicas”)
há um repositório de informações que precisa
ser constantemente lida, relida e estudada, com reflexões tanto
para a vida pessoal, individual e coletiva, quanto na própria
organização das instituições e do chamado
“movimento espírita”. Herculano resgata, neste
particular, a própria orientação do Codificador
quanto à ordem “ideal” e sequencial do estudo das
primeiras obras espíritas: 1º) “O que é o
espiritismo”; 2º) “O livro dos espíritos”;
3º) “O livro dos médiuns”; e, 4º) A coleção
completa da Revue Spirite. E, depois, os demais livros de Kardec.
Quem segue ou seguiu esta orientação? Quem a informa
aos neófitos que começam a frequentar as instituições?
As pessoas que adotam no Espiritismo as
chamadas posturas tradicionais e milenares de idolatria,
endeusamento e santificação de Espíritos
e médiuns, irritando-se quando alguém que está
estudando a doutrina interessadamente afirma que as informações
contidas em dadas obras são “opinião pessoal”
de dado espírito e que as mesmas não foram submetidas
a um critério validador como o utilizado por Kardec, o chamado
Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE) ou outro
que lhe pudesse ser tomado como substituto. Olvidam o próprio
ensinamento básico espírita sobre as mistificações,
as pseudoverdades e a autenticidade da identidade dos espíritos
comunicantes para preferir “aceitar” o que venha da “assinatura”
de dados Espíritos ou da autoria mediúnica daqueles
que “já são conhecidos” e “referendados”
pelo movimento. Sobre o CUEE, assim se posiciona o Codificador: “Não
será pela opinião de um homem que se produzirá
a união, mas pela unanimidade da voz dos Espíritos.
Não será um homem, e muito menos nós que qualquer
outro, que fundará a ortodoxia espírita.
Nem será, tampouco, um Espírito, vindo impor-se a quem
quer que seja. É a universalidade dos Espíritos,
comunicando-se sobre toda a Terra, por ordem de Deus. Este é
o caráter essencial da Doutrina Espírita,
nisto está a sua força e a sua autoridade. Deus quis
que a sua lei fosse assentada sobre uma base inabalável, e
foi por isso que não a fez repousar sobre a cabeça frágil
de um só” (“O Evangelho segundo
o Espiritismo”, Autoridade da Doutrina Espírita,
Controle Universal do Ensino dos Espíritos, nossas as marcações).
Os que criam rotinas e roteiros pessoais e os introduzem
em atividades, grupos ou centros espíritas, como se fossem,
tais, decorrentes das orientações de Kardec ou dos Espíritos
Superiores, os quais são seguidos sem contestação
pelos integrantes de dada associação e não são
contestados, diante da autoridade (pretensa) dos dirigentes. Ou, até,
quando contestam são ridicularizados, combatidos e expulsos
ou afastados das atividades, tidos como obsidiados ou fascinados.
Nada há que justifique a inserção de rituais
ou práticas esdrúxulas, desprovidas de qualquer ligação
com os princípios e orientações de ordem superior
– vale dizer que Kardec já tratou da organização
das instituições e dos trabalhos espíritas –
as quais, em muitos casos, podem ser motivo de ridicularização
e desqualificação da instituição ou de
suas atividades, pela enxertia de modismos ou invencionices, nada
racionais e preocupantes.
Um outro grupo preocupante é o formado pelos que se
deixam dirigir pela opinião de Espíritos, como
se estes fossem os legítimos coordenadores e dirigentes das
atividades, transferindo responsabilidades (sem saber, efetivamente,
para quem, já que não se adota qualquer aferição
da autenticidade e legitimidade da comunicação psicofônica
ou psicográfica). Também é delicado constatar
que alguns dirigentes-médiuns assumem uma espécie de
dupla personalidade anímica, apresentando-se ou dizendo-se
“incorporados” para “dar lições de
moral” ou repreender os participantes ou frequentadores das
instituições e para manter os frequentadores e trabalhadores
sob sua tutela e ordens.
Curioso segmento, muito atual nos dias hodiernos é aquele constituído
dos que, versados em práticas não espíritas,
de variados matizes, naturezas ou conformações, as
trazem para dentro dos centros e as incorporam nas rotinas
semanais da instituição. Nada temos contra as chamadas
“terapias alternativas” ou “vivências de grupo”,
muitas delas baseadas no empirismo ou na adoção de experimentos
vivenciais, individuais ou grupais de dados ramos do conhecimento
humano. Contudo, a simples absorção das mesmas pelas
atividades espíritas pode representar perigoso “enxerto”
que nada tem a ver com a teoria e a práxis espírita,
porque não estão associadas aos princípios nem
se ocupam com os temas de caráter espírita-espiritual.
Nada impede que o interessado em se submeter a ditas terapias ou participar
de dadas atividades, assim proceda em outros ambientes, mas é
temerário incluir as mesmas nas rotinas de trabalho da instituição
espírita, tanto pela dissociação de objetivos
quanto pela possível vinculação na visão
dos frequentadores comuns da casa, de que tais estejam “compreendidas”
no rol das atividades ditas espíritas.
Assaz preocupante é o grupo formado por indivíduos
que querem uma “explicação espírita”
para tudo, no sentido de que cada situação
da vida tenha ligação direta com atos pretéritos
e que aquilo que vivenciamos hoje, em sua maioria, sejam resgates
de outras vidas. O “senso comum espírita”, assim,
adota para as situações difíceis do hoje uma
vinculação “necessária” com situações
do pretérito, a partir da discutível teoria de que o
mal sofrido hoje é a reparação direta do mal
infligido a outrem em vidas passadas, pagos “na mesma moeda”,
como em rituais de “vingança” instrumentais do
“planejamento encarnatório”. O cúmulo é
tanto que se chega a afirmar em “ligações psíquicas
ou mentais” entre vítima e algoz que, no hoje, trocam
de lugar e se “acertam”.
E há muitos outros mais, que podem ser acrescidos aos tipos
elencados neste ensaio... Basta observar ao derredor, nas instituições
que você frequenta e eles irão aparecer, sozinhos ou
mesclados aos destacados anteriormente. Tudo em função
do pouco estudo e aprofundamento nas questões e temáticas
espiritistas e da comodidade que é verificada nos comportamentos
daqueles que “não querer criar discórdia”,
“não desejam entrar em contendas” ou os que creem
(!) que o ambiente de uma atividade espírita não deve
ser espaço para discussões ou debates mais acalorados.
Herculano, portanto, na obra em comento, faz várias críticas
pontuais aos espíritas de todos os tempos, alertando-os para
a necessária atenção a Kardec e ao Estudo Constante
do Espiritismo. Vejamos algumas delas:
1) “Quem escreve sobre
Espiritismo não escreve, faz psicografia” (p.
2).
Esta curiosa “constatação”
precipitada faz com que se dê IMENSO VALOR ao que seja obtido
pela via mediúnica, seja pela “estatura” de
confiabilidade que determinados médiuns já ostentam,
pelos anos de vinculação ao Espiritismo, seja porque
se presume que os Espíritos comunicantes sejam, todos,
de gabarito evolutivo superior. Recorde-se a advertência
de Kardec de que todo e qualquer médium poderia estar sujeito
a influenciações de espíritos de variados
níveis evolutivos.
2) “[...] ninguém acredita
que se precisa estudá-lo, pensam quase todos que se aprende
a doutrina ouvindo espíritos” (p.
2).
Por não terem acuidade
no interesse do estudo, muitos espíritas preferem as reuniões
em que os Espíritos se manifestam (vulgas “reuniões
mediúnicas”) aguardando ansiosamente pela “fala
do mentor” não só na doutrinação
de outros espíritos que nelas se manifestam como na prescrição
de “orientações” para situações
gerais da vida e para o modus operandi das casas espiritistas.
Daí, passam a repetir algumas frases, com ênfase:
“o mentor disse”, “conforme orientou o protetor
espiritual” e assim vai.
3) “A atualização
[do Espiritismo] [...] é do método expositivo, que
revela a plena atualidade da Doutrina e desenvolve alguns temas
kardecianos em forma de exposição mais minuciosa,
para melhor compreensão dos leitores. [...] Uma doutrina
se atualiza na proporção em que evolui com acréscimos
reais de conhecimentos no desenvolvimento de seus princípios”
(p. 4).
Há muitos espíritas
que se “arrepiam” diante da afirmação
da progressividade dos conceitos espiritistas. Quando se menciona,
então, a atualização da doutrina, são
os primeiros a se posicionar dizendo que, quando hipoteticamente
ela, a atualização, for ocorrer, serão os
Espíritos Superiores que assim “irão determinar”
e que precisará haver alguém da estatura de Kardec
para, novamente, coordenar tal processo. Quanta falta de estudo
e conhecimento da obra kardeciana! Foi o Codificador quem afirmou
peremptoriamente a necessidade do Espiritismo acompanhar os progressos
científicos, sob pena de se dogmatizar e se tornar obsoleto,
diante de novas “descobertas” da Ciência humana.
Todos os dias, deveríamos nós, espíritas,
estarmos “atualizando” a obra original, seja pelos
renovados colóquios com Espíritos e a resposta deles
a novas indagações nossas, seja pelos resultados
dos estudos realizados por indivíduos e grupos, à
luz do conhecimento espírita e em multidisciplinaridade,
consideradas as distintas e diversificadas áreas do conhecimento
humano-espiritual. Como não nos habituamos a isso e relegamos
a cátedra kardeciana que nos havia prelecionado isso, somos
reféns da “crença” de só acatar
os livros e as páginas recebidas por “médiuns
oficiais” ou por espíritos “credenciados”.
4) “Um espírita
que se sujeita às lições de um mestre pessoal
não é espírita; é um beato seguindo
Antônio Conselheiro” (p. 35) e “Kardec
estruturou a Ciência do Espírito e instituiu a pesquisa
mediúnica, porque a mediunidade é a janela aberta
no paredão dos fenômenos materiais para mostrar uma
nesga do Infinito [...]. Mas os próprios espíritas,
em geral, ao tentarem compreendê-lo, retornam às fontes
mágicas do beatismo religioso, esquecidos de que religião
sem ciência é superstição e ciência
sem religião é loucura” (p.
81).
A beatitude a que Herculano
menciona é a condição justamente daqueles
que se vinculam ao Espiritismo atraídos pelas “revelações”
espirituais, mas não se dedicam adequadamente ao estudo
progressivo da doutrina e ficam, assim, à mercê de
dirigentes, médiuns ou mesmo Espíritos, obedecendo-lhes
as ordens sem qualquer exercício de racionalidade. Servem,
portanto, de instrumento a qualquer mistificador, encarnado ou
não, que se apresenta como missionário, mas que,
na verdade, é um pseudossábio que ilude e impõe
suas verdades por sobre as afirmações da Espiritualidade
Superior.
E, ao falar de religião em interface permanente com a ciência,
o professor toma o termo como “em caráter filosófico”
exatamente como predisse Kardec no célebre discurso proferido
por ocasião da celebração do dia dos mortos,
e incluso na Revue Spirite (dezembro de 1868), texto que deveria
servir de parâmetro para o entendimento do caráter
“religioso” da doutrina (MORALIDADE), como o de natureza
conclusiva do processo espírita, da filosofia com base
científica e consequências morais.
5) “Os sábios
são dignos de admiração e respeito, quando
se pronunciam sobre o que sabem. Mas quando opinam sobre o que não
sabem igualam-se ao vulgo, dando simples opiniões desprovidas
de valor. [...] Por isso o Espiritismo exigia atitude científica
no seu estudo, pesquisas objetivas na comprovação
das leis naturais que regem as suas relações com o
mundo sensível e com os homens encarnados” (p.
74-75).
Novamente Herculano pontua
a necessidade do exame sistemático e constante de qualquer
produção mediúnica, considerando que aqui
e acolá despontam indivíduos que passam a se pronunciar
(mediunicamente ou não) sobre todo e qualquer assunto,
dentro do rol de especialidades do conhecimento humano, passando
a ditar verdades ou “sábias” orientações,
inclusive as de procedimento, dentro do espectro das situações
pessoais e familiares. Os consultórios sentimentais espíritas
(!) são, destarte, o maior exemplo destas aberrações,
porquanto alguns mal-intencionados se aproveitam dessas situações
para a obtenção de vantagens ou favores pessoais
ou para a exploração da ingenuidade e das necessidades
alheias.
6) “Como no Cristianismo
Primitivo, o Espiritismo foi acolhido com ansiedade pelas camadas
pobres da população, que o converteram por toda parte
numa nova seita cristã. [...] Contra essa avalancha
de crentes humildes, predispostos ao beatismo, surgiram pequenos
grupos de pessoas cultas, que lutaram muitas vezes com entusiasmo,
mas acabaram cedendo à pressão dos preconceitos. Esses
grupos se fecharam em sociedades de elite, desligados do povo, ou
simplesmente desapareceram por falta de elementos dispostos ao trabalho
árduo e à luta constante em defesa da doutrina”
(p. 79).
Aqui temos um recorte histórico
muito importante apresentado pelo professor. A presença
nos dias iniciais de divulgação do Espiritismo em
nosso país, das camadas pobres da população
que foram atraídas para os grupos familiares de espiritismo
(sessões realizadas nas residências dos primeiros
espíritas) ou para os centros que iam sendo formados. Tal
condição sócio-econômico-cultural permitiu
às pessoas a adoção da doutrina como uma
nova religião ou seita cristã, substitutiva, em
muitos casos, da crença familiar de tais pessoas. Todos
os que não o consideravam assim acabaram fundando novos
grupos ou centros ou passaram a organizar reuniões fechadas,
com a participação de pessoas com maior cultura
e escolaridade, constituindo grupos específicos. Até
hoje este segmento procura as instituições espiritistas
e as tem como igrejas ou templos – alguns centros mesmo
parecem verdadeiramente como tal, na arquitetura e na ambiência
interna – e os mesmos grupos “eruditos” se apresentam
hoje como espíritas laicos, gerando uma distinção
marcante, apesar da condição majoritária
dos primeiros em relação aos últimos.
A grande busca do hoje é a aproximação e
o diálogo entre tais segmentos espíritas, buscando-se
um “caminho do meio” que resolva as “diferenças”
ou que invista nas semelhanças, com respeito mútuo
e atividades em comum. Este processo que estamos perpassando,
a partir do início da superação da visão
religiosista da doutrina, permite divisar adiante a perspectiva
de um movimento menos dogmático e mais aberto para a interconexão
com outros saberes e organizações, convergentes
à construção de uma nova Sociedade.
7) “Os instrumentos
da pesquisa espírita, como dizia Kardec, são os médiuns,
instrumentos de extrema sensibilidade e complexidade. Todos os médiuns
estão sujeitos a interferências anímicas nas
comunicações que transmitem. [...] Por isso
Kardec sempre aconselhou o exame atento das comunicações
recebidas, com sujeição de todas as que pudessem ser
consideradas suspeitas. [...] Muitas comunicações
que Kardec considerava como válidas, do seu ponto de vista
pessoal, ele as divulgou sob reserva, por falta de comprovações
objetivas. Essa cautela ele a transformou em regra doutrinária”
(p. 87-88).
Na observação
que fazemos das instituições espiritistas em geral,
constatamos que a pesquisa desapareceu, a evocação
de Espíritos minguou e o exercício da análise
das comunicações recebidas nos centros inexiste.
Não fazemos ciência nas instituições
porque afirmamos não termos “especialistas”
para tal mister, julgando que o trabalho de avaliação
e seleção seja destinado a espíritos muito
elevados em intelectualidade e moralidade. E, também, não
ousamos aferir a fidedignidade das mensagens apresentadas porque
estaríamos questionando moralmente o médium que
serviu de instrumento ou duvidando da assinatura mediúnica
dos “mentores”. O resultado disso é apresentado
pelo Filósofo de Avaré neste trecho, demonstrando
seja a dúvida pertinente em relação à
identidade do Espírito comunicante como a forte incidência
do componente anímico (vivência e bagagem espiritual
do próprio médium, que pode ser útil e importante
em dados contextos) no resultado comunicativo (psicográfico
ou psicofônico). As reuniões mediúnicas, infelizmente,
passaram a se constituir em espaço para “esclarecimento
de espíritos inferiores ou sofredores” (não
que estejamos defendendo o abandono desta prática) e não
para a apresentação, nos moldes kardecianos, de
novos questionamentos a serem respondidos pelos espíritos
presentes. Neste particular, com a repetição da
“fórmula de Kardec” e a observação
de sua criteriosa metodologia de avaliação e seleção
das comunicações, estaríamos nos prevenindo
da perniciosa influência de espíritos zombeteiros
e pseudossábios e garantindo a presença de mentores
elevados para os propósitos de esclarecimento à
luz do conhecimento espiritista. Vale dizer que eles mesmos, os
Espíritos da Codificação teriam alertado
que os desencarnados mais evoluídos se interessam pelas
sessões em que os objetivos e práticas sejam verdadeiramente
superiores e se afastam daquelas em que a ignorância impera
(veja-se, a propósito, o capítulo XXVI de “O
Livro dos Médiuns”).
8) “Três são
os elementos fundamentais de que o Espiritismo se serve para transformar
o nosso mundo num mundo melhor e mais belo: amor, trabalho e solidariedade”
(p. 139).
Estas divisas foram, desde
meados do século passado, tomadas como importante referência
para o trabalho desenvolvido pela Federação Espírita
Brasileira (FEB), após o chamado “Pacto Áureo”
(1949), circunstância que uniu grande parte das instituições
espiritistas brasileiras. Durante anos a Revista Reformador, da
FEB, as utilizou logo abaixo do logotipo da revista – também
valendo-se de outro, “Deus, Cristo e Caridade”, ambos
dentro de uma simbologia numérica (três, tríade,
trindade, o qual tem, segundo a numerologia, a seguinte tradução:
o princípio manifestado, o Espírito, a Trindade
de todas as tradições, o triângulo equilátero,
o equilíbrio universal, a palavra pensada, dita), consolidando
esses conceitos genuinamente espíritas. O primeiro representa
o conjunto de virtudes necessárias ao progresso e à
convivência social, amando, trabalhando e sendo solidário
aos semelhantes. O segundo porque simboliza as “três
revelações”, compreendidas as duas primeiras
que tiveram personalização (Moisés e Jesus)
e a terceira, sendo o Espiritismo que tem por divisa a caridade.
9) “Gerações
e gerações de espíritas passaram pela Terra,
de Kardec até hoje, sem terem obtido sequer um laivo de educação
espírita, de formação doutrinária sistemática.
Aprenderam alguns hábitos espíritas, ouviram aulas
inócuas de catecismo igrejeiro, tornaram-se, às vezes,
ardorosos na adolescência e na juventude (porque o Espiritismo
é oposição a tudo quanto de envelhecido existe
no mundo), mas ao se defrontarem com a cultura universitária
incluíram a doutrina no rol das coisas peremptas por não
terem a menor visão da sua grandeza” (p.
141-142).
Aqui Herculano inicialmente
faz uma severa crítica aos espíritas que não
investem em programas regulares de ensino do espiritismo. É
bem verdade que, a partir da década de 80, foram desenvolvidos
programas específicos, por instituições sérias,
que ganharam o país, como o programa básico da doutrina
desenvolvido pelo Centro Espírita Luz Eterna, do Paraná
e o estudo sistematizado que teve os gaúchos da federativa
local como pioneiros, há 27 anos, depois sendo adotada
a campanha pela Federação Espírita Brasileira
(FEB). Contudo, esses planos de estudo não alcançam
a totalidade dos frequentadores – sequer a parte majoritária
– o que impede que a doutrina seja realmente conhecida em
plenitude.
Depois, o professor diagnostica o tradicional desinteresse dos
jovens que alcançam certa idade (universitária),
pós 20 anos e acabam se desligando das juventudes ou mocidades
espíritas, em grande número, ocupando-se de outros
interesses (a partir da busca por sua qualificação
profissional e formação educacional e pelo mercado
de trabalho, assim como formam suas “turmas” baseadas
em interesses mais materiais, relativos à música,
artes, esportes, passeios, confraternizações, etc.).
10) “O problema
das mistificações é permanente nos mundos inferiores
como o nosso. As criaturas incultas e grosseiras formam a maioria
da população desses mundos. É evidente que
a população desencarnada, espiritual, que sobrevive
nas esferas circundantes do planeta é da mesma natureza.
Lá, como cá, enxameiam os espíritos vaidosos,
sistemáticos (como advertiu Kardec), empenhados a transmitir
suas ideias aos homens. As ligações por afinidade
formam os complôs de homens e espíritos que se julgam
capazes de ensinar verdades absolutas. Basta a arrogância
visível, embora disfarçada, às vezes, em falsa
humildade, para mostrar aos observadores sensatos a que ordem e
grau da escala espírita, pertencem essas criaturas em conluio”
(p. 161-162).
Dizendo, adiante, que as
mistificações estão presentes em todas as
culturas e religiões humanas, Herculano assinala: “[...]
Mas os mistificadores se servem da vaidade humana para infiltrar-se
nas instituições doutrinárias, onde sempre
encontramos criaturas ansiosas por novidades que superem a obra
do mestre. [...] Precisamos manter constante vigilância
em nossos estudos para não cairmos nas mistificações
que nos levam a deturpar e aviltar a doutrina” (p.
169).
O alerta providencial de Herculano direciona-se aos encarnados
espíritas para que estes assumam a direção
efetiva das atividades realizadas nas instituições
e grupos ou em nome do Espiritismo, evitando-se serem “guiados”
pelos desencarnados. As mistificações que ele aponta
tanto são dos Espíritos comunicantes (que, pela
falta de estudo e vigilância, assim como pela não
adoção dos critérios kardecianos de aferição
da identidade espiritual, acabam sendo “reverenciados”
e não contestados) como pelos médiuns e dirigentes
que, “mediunizados” ou não apontam regras de
conduta e prescrições, muitas delas totalmente contestáveis
e discutíveis, que não sobrevivem ao cotejo com
o edifício kardeciano.
11) “A luta contra
o Cristianismo só se tornou eficaz quando os adeptos se deixaram
fascinar pelo já agonizante Império Romano. Graças
a essa fascinação o Império conseguiu submeter
o Cristianismo ao seu serviço e o desfigurou em pouco tempo.
No Espiritismo temos agora a técnica semelhante do Império
das Trevas, organizado nas regiões inferiores do mundo espiritual,
onde os espíritos apegados à matéria, revestidos
de corpo espiritual em que os elementos materiais predominam, continuam
a viver em condições terrenas. [...] essas
entidades disputam as almas ignorantes e vaidosas das fileiras espíritas
e as utilizam como instrumentos de confusão no meio doutrinário.
As mistificações mais grosseiras são aceitas
por esses adeptos vaidosos, que chegam à extrema audácia
de aviltar os textos da Codificação Kardeciana e tentar
substitui-los por obras eivadas de contradições e
absurdos de toda a espécie” (p.
190).
Veja que curiosa comparação
o professor faz entre o atual momento espiritista e o vivenciado,
séculos antes, pelos cristãos primitivos. A fascinação,
o desejo pela glória, o encanto pelo “reconhecimento”
público encaminha muitos espíritas para a derrocada
da proposta da doutrina, desviando-se dos propósitos ou
substituindo-os por outros interesses, inclusive com alcances
materiais (econômico-financeiros). De outra sorte, devemos
ponderar que no Plano Espiritual se situam inúmeras criaturas
que possuem as mesmas limitações, vícios
e perturbações, assim como interesses nada nobres,
e o consórcio destes com os encarnados projeta sobre o
movimento espírita as situações que são
verificadas hoje, com as deturpações e as enxertias
nas casas. Outro ponto a evidenciar é a condição
de desencarnados que se perfilaram em religiões e seitas
e que não desejam o progresso e o conhecimento social das
ideias espiritistas, infiltrando-se como “mentores”
nos trabalhos e atividades para emplacar suas pseudoverdades e
alterar o conteúdo espírita, permitindo-se que se
tenha uma nova seita cristã com dogmas e rituais, bem distantes
do projeto kardeciano de uma doutrina livrepensadora e humanista,
sem qualquer espectro de organização religiosa.
12) “[...] Este
é o momento grave da evolução terrena em que
não podemos esquecer a advertência de Jesus: Seja
o teu falar sim, sim; não, não. Multidões
de criaturas foram sacrificadas no passado para que a Humanidade
se libertasse de seus enganos e pudesse encontrar os caminhos limpos
da verdade, ou seja, das coisas reais, verdadeiras, que nos conduzem
ao saber e à liberdade” (p.
191, grifos do original).
Herculano em uma de suas
obras qualifica e substantiva o atual momento vivido pelos espíritas:
a Hora do Testemunho, simbolizando a imperiosa tarefa de lutarmos
contra as tentativas (nem sempre mal intencionadas) de adulteração
do Espiritismo, com as introduções de conceitos,
teorias e práticas pessoais ou de outras correntes e setores
do conhecimento humano. Sim, sim, então, para a manutenção
das regras metodológicas e principiológicas espiritistas
e não, não para os novidadeiros e suas fórmulas
ou soluções mágicas para os problemas humanos.
13) “Trocar o ensino
puro do Mestre pelas bugigangas de camelôs vaidosos é
fazer o papel dos porcos da parábola, que rejeitam as pérolas
e avançam raivosos contra quem as oferece. [...] É
essa a maneira mais eficaz de se combater o Espiritismo na atualidade:
cruzar os braços, sorrir amarelo, concordar para não
contrariar, porque, nesse caso, o combate à doutrina não
vem de fora, mas de dentro do movimento doutrinário”
(p. 191-192).
Singular analogia com a
parábola dos porcos e pérolas, já que muitos
espíritas, por não terem a formação
desejável e a acuidade para perceber as tentativas de adulteração,
são atraídos pelo canto da sereia das novidades.
E alguns que até percebem as infiltrações,
ao invés de se posicionarem (educada, mas firmemente) contrários
a isso, passam a “sorrir amarelo”, concordam para
“não contrariar”, para não turbar o
ambiente, para não serem “mal vistos” e por
aí vai... Este comodismo também é altamente
pernicioso e é comum se ouvir a expressão “mas
que mal tem isso?” em relação ao que se “insere”
nas atividades espíritas. Nós responderíamos
MUITO MAL, porquanto afora as questões relacionadas à
continuidade (progressividade) dos conceitos e dos ensinos espíritas,
pela continuidade do intercâmbio medianímico, qualquer
outra prática ou teoria presente nesta ou naquela corrente
de pensamento ou atividade humana nada tem de proveito para o
Espiritismo enquanto doutrina. O que não significa que
a pessoa, interessada em ampliar seus próprios conhecimentos
e experiências, tenha contato, pratique e adote outras situações
em sua rotina de vida. O problema real é colocar para dentro
das portas das instituições e as tomar como “espíritas”
como se, tais, fossem.
14) “Bastam esses
fatos para nos mostrar que o Espiritismo é o Grande
Desconhecido dos próprios espíritas. E é
por isso, por causa dessa negligência imperdoável no
estudo da doutrina, que os próprios adeptos se transformam
em eficientes instrumentos de combate ao Espiritismo. As pessoas
de bom senso e cultura se afastam horrorizadas de um meio em que
só poderiam permanecer em ritmos de retrocesso ao condicionamento
das crendices e do fanatismo. No campo científico o nada
não existe nem pode existir. E como a base da doutrina é
a Ciência, a sólida base dos fatos, a verdade incontestável
é que o nosso movimento espírita não tem base.
Se os espíritas conscientes não se dispuserem a uma
tentativa de reconstrução, de reerguimento desse edifício
em perigo, ficaremos na condição de nababos que desprezam
as suas riquezas por incompetência para geri-las. Temos nas
mãos a Ciência Admirável que o Espírito
da Verdade propôs a Descartes e mais tarde confiou a Kardec.
Mas do que vale a ciência e o poder, a fortuna e a glória,
se não formos capazes de zelar por tudo isso e nem mesmo
de compreender o que possuímos? Nós mesmos abrimos
o portal da muralha e recolhemos, alegres e estultos, o Cavalo de
Tróia em nossa fortaleza inexpugnável”
(p. 193-194, marcação do autor).
Negligentes! É isso
que somos, muitas vezes ou sempre. Não temos, em regra,
grande atração pelo aprofundamento dos estudos e
pela guarda dos princípios logicamente instituídos
pelo Codificador, em consórcio com os Espíritos
Superiores que trouxeram tantas e oportunas verdades. Há,
ainda, certo menosprezo pela Ciência Espírita (que
muitos chamam de aspecto científico da doutrina), porque
muitos têm dificuldades em realizar pesquisas científicas,
dentro do chamado rigor metodológico e não procuram
nem participam de atividades com esse cunho. Quando a instituição,
ainda, promove algum evento com predominância do caráter
científico, muitos sequer se interessam e outra parte,
mesmo comparecendo, por falta de estudo e dedicação
específica, pouco assimila ou compreende. Se é em
outro local, instituição espírita ou não,
tampouco comparecem, alegando “n” desculpas. Sem ciência
não se terá a disseminação das ideias
espíritas na Sociedade, visto que todos os progressos humano-sociais
são capitaneados pelas descobertas científicas e
suas aplicações à vida em geral das individualidades
e coletividades.
15) “Kardec estabeleceu
a linha epistemológica da doutrina na sequência lógica:
Ciência, Filosofia e Religião, admitindo essa última
como Moralidade, segundo a concepção de Pestalozzi,
rejeitando a sua comparação com as religiões
formalistas e dogmáticas. A Religião Espírita
é livre e aberta, sem sacerdócio nem sacramentos,
apoiada nas conquistas científicas e nos desenvolvimentos
da Filosofia, buscando a verdade que só pode ser obtida pela
adequação do pensamento à realidade comprovada
pelos fatos cientificamente provados” (p.
199-200).
Herculano reproduz a concepção
genuinamente kardeciana para a Doutrina Espírita composta
como filosofia espiritualista de bases científicas e consequências
morais, afastando de plano a sua caracterização
como religião e seita e valorizando, ao contrário,
a porção de religiosidade de cada ser em marcha
possui, pelas vivências e pela relação individual
que tenha com o Criador. O problema é que, mesmo conhecendo
este contexto, muitos espíritas acabam privilegiando a
questão “religiosa” do Espiritismo e, embora
negando os componentes das religiões tradicionais (descritos
por Herculano como sacerdócio, sacramentos, além
de dogmas, ritos, rituais e hierarquia), se visualiza estas situações
em muitos centros e atividades espiritistas. Situação,
assim, bastante contraditória porque afirma não
ser religião, mas possuir um caráter religioso e
também por negar as características essenciais da
religião e, na prática, se perceber que a rotina
e a conduta se assemelham fortemente a estas. Como explicar isso?
Este, muito rapidamente, é um retrato da obra em comento e
da temática escolhida pelo saudoso professor para tratar do
Espiritismo como o “grande desconhecido” e oferecer-nos
a profilaxia para este mal (o desconhecimento proposital ou desidioso).
Recomendamos sua atenta leitura e, até, o estudo em grupo da
mesma em ambiência espírita, para que possamos, urgente
e celeremente, trabalharmos pela desmistificação do
Espiritismo e pela retomada das prescrições kardecianas
para grupos de estudo e trabalho e para as instituições
espiritistas, longe do pieguismo, da carolice e da simplificação
em nome das novidades e das enxertias.
Kardec, por certo, e o próprio Herculano estarão sorrindo
quando isso se efetivar!
Fonte:
http://www.aeradoespirito.net/
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