Curioso, diria até intrigante
este título, não? Recall dos Espíritas. Sim,
você já deve ter visto esta expressão (recall)
em anúncios na TV e nos jornais. Geralmente são emitidos
pelos fabricantes de bens duráveis (aparelhos eletroeletrônicos
e veículos), para solicitar aos consumidores que se dirijam
a assistências técnicas ou concessionárias para
a verificação deste ou daquele componente, evitando
acidentes, danos e até mortes. É uma providência
usual em muitos países, considerando a legislação
vigente em cada um deles, no âmbito das medidas protetivas aos
consumidores e relações de consumo. A intenção,
em todos os casos, é evitar ações judiciais e
polpudas indenizações por "falha do produto",
decorrente do próprio processo de fabricação
ou de peças e componentes utilizados no fabrico. A expressão,
originária do inglês, significa na tradução
literal "chamar de volta" ou "chamamento" ou "recolhimento
para avaliação".
E o que é que isso tem a ver com os espíritas, Marcelo?
O que você quer dizer com este termo?
Vamos lá...
Muitos de meus textos enquadram situações fáticas
vivenciadas pelos espíritas, dentro do que se costuma chamar
de "movimento espírita". Nele, enquadro situações
comportamentais, posturas e práticas de pessoas e instituições
espiritistas, buscando associar as mesmas às orientações
dadas por Kardec todas as vezes em que ele, após dialogar com
os Espíritos e tomar ciência de informações
por eles trazidas, disserta sobre a organização formal
e atividades em geral, antevendo situações que poderiam
ocorrer e estipulando como deveria ser o modo de agir de uns e outros.
Em vários tópicos da Revista Espírita, por nós
considerado o verdadeiro "laboratório experimental"
do Codificador é possível tomar contato com oportunas
instruções para o movimento espírita, tanto o
da época de Kardec (meados do século XIX) como para
os supervenientes.
Neste sentido, qualquer posicionamento crítico e sincero dos
estudiosos e adeptos do Espiritismo, com foco nas organizações
sociais (centros, associações e outras denominações,
bem como ligas, uniões, federações e confederações),
suas dinâmicas, estruturas, pronunciamentos, orientações
e a práxis do dia a dia, permite perceber vários distanciamentos
da conduta usual e a forma de tratamento em relação
aos que pensam (ou agem) de modo diverso dos seus em relação
às diretrizes apresentadas pelo Mestre lionês.
Ainda que estejamos cientes do longo processo de maturação
da Doutrina Espírita como movimento social – tendo por
base os chamados "períodos do espiritismo" que o
próprio Codificador apresentou numa pontual dissertação
contida na Revue Spirite de dezembro de
1863 – bem como das características conjunturais do Brasil
e do povo brasileiro, considerada sua formação cultural
e a influência de seitas ou religiões sobre a população
(e sobre os espíritas), é preciso avançar e materializar
os projetos espirituais alinhavados em conjunto por inúmeros
espíritos, considerando, ainda, que independente do plano em
que estejam, encarnados e desencarnados operam em parceria para a
consecução daqueles objetivos inaugurais. É preciso
avançar, portanto!
Em referência à Doutrina dos Espíritos não
devemos perder de vista as suas características essenciais,
cultural e espiritualmente assim enquadradas: PLURALISMO, HUMANISMO,
LIVREPENSADOR, EDUCACIONAL, PROATIVIDADE, CONSTRUTIVISMO, PROGRESSIVIDADE,
PERMANÊNCIA. Vamos enquadrar cada uma dessas características:
PLURALISMO – o Espiritismo permite a dialógica
com toda e qualquer vertente do conhecimento humano. Ao interagir
com outras filosofias e teorias, permite localizar as semelhanças
e convergências. Na percepção de diferenças,
não as repulsa, de imediato, mas procura verificar-lhes a lógica
e o bom senso. Caso perceba, nelas, alguma utilidade, as reconhece
como úteis para a Humanidade, não necessitando abarca-las
em seu "corpo doutrinário". Na convivência
com outros modos de pensar, aproveita os instantes de contato e insiste
no diálogo, como forma de aproximação entre seres,
tendências e culturas. Tem como foco, sempre, o bem individual
e coletivo.
HUMANISMO – é a filosofiamoral que atribui
ao ser humano a condição principal, numa escala de importância.
Assim sendo, a preocupação maior das prescrições
espíritas deve ser a melhora da conduta humana, ética
e moralmente falando, no plano encarnado, isto é, no mundo
e nas relações humanas que se estabelecem. Em face da
conjuntura de encarnados, o Espiritismo deve orientar os homens a
serem melhores e a concentrar seus esforços no progresso do
mundo em que vivem. Em outras palavras, a vida espiritual é
ÚNICA, enquadrando as experiências na condição
encarnada e desencarnada, significando que não podemos viver
"no mundo" físico pensando estar "no mundo"
espiritual. Devemos aproveitar cada uma das experiências.
LIVRE PENSADOR – Kardec nunca pretendeu estabelecer
autoridade hierárquica entre pessoas ou instituições.
Mesmo quando prescreve a oportunidade da existência de um "Comitê
Central do Espiritismo" (Revue, dezembro de 1868), Kardec não
preceitua a obediência hierárquica e estabelece em vários
outros trechos das obras que publicou a condição de
absoluta liberdade de pensar em relação aos fundamentos
e preceitos espiritistas e a aproximação em torno dos
ideais e objetivos comuns. Parte do raciocínio individual de
cada espírito que tem o seu modo particular de ver e entender
as coisas. Na medida em que o ser vai avançando, melhor compreenderá
as diversas situações de sua existência e, delas,
tirará as melhores conclusões.
EDUCACIONAL – o Espiritismo é prospectivo,
de modo que suas orientações e explicações,
no contato e no diálogo com inteligências superiores
desencarnadas, se dirigem ao melhoramento espiritual individual –
com reflexos no coletivo – e a chamada "conduta espírita"
decorre do processo de conhecimento e entendimento paulatino das Leis
Espirituais e da perspectiva, sempre progressiva, de assimilação
dos conceitos enquanto práticas. A pedagogia dos Espíritos,
por assim dizer, tem raízes na maiêutica socrática,
com Sócrates e seu discípulo Platão (considerados
os precursores do Espiritismo), enquadra as pregações
e os feitos de Jesus de Nazaré e perpassa os métodos
educativos de Pestalozzi (o mestre de Rivail) e do próprio
Kardec. O Espiritismo é educativo por excelência.
PROATIVIDADE – a Filosofia Espírita
prescreve a necessidade da aplicação dos conceitos no
contexto existencial de cada ser, de modo a caracterizar a influência
do homem no progresso das ideias e das coletividades. As mudanças
qualitativas no ambiente planetário não são obra
dos espíritos desencarnados, mas da ação efetiva
dos encarnados, tendo como referência a participação
na Sociedade. Os espíritos disseram a Kardec que os bons precisariam
deixar de ser tímidos e vencer a influência dos maus
que são audaciosos; este é o caminho real para a consecução
dos objetivos espiritistas de avanço da Humanidade e do Planeta.
CONSTRUTIVISMO – Construtivismo é uma
das correntes teóricas que explicam o desenvolvimento da inteligência
humana a partir de ações mútuas entre o indivíduo
e o meio, considerando, ainda, que ele responde aos estímulos
externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio
conhecimento, de forma cada vez mais elaborada. Esta é a essência
da existência espiritual, em que cada ser atua em relação
ao meio e recebe, deste, influência direta, em reciprocidade.
Portanto, a proposta espírita é a de construção
e reconstrução permanente do mundo.
PROGRESSIVIDADE – considerado um dos princípios
básicos do Espiritismo, a Lei do Progresso também se
aplica à própria doutrina, de vez que tanto o homem
encarnado evolui em termos de entendimento, lógica, raciocínio
e percepção, quanto os espíritos superiores desencarnados
podem tratar de temas de modo mais aprofundado, os quais não
foram acessíveis ou compreensíveis ao tempo de Kardec.
O próprio Codificador, ao estabelecer as bases do trabalho
espiritista e ao definir o método de tratamento das mensagens
e das manifestações mediúnicas, permitiu fosse
possível aos seus continuadores contribuir com novas pesquisas
e novos diálogos com os desencarnados, para desembocar na continuidade
ou atualização do Espiritismo.
PERMANÊNCIA – Para não figurar
apenas no "panteão da Humanidade" como mais uma filosofia,
seita ou religião, muito bem intencionada, mas simplória
ou fracassada nas suas propostas para as sociedades terrenas, o Espiritismo
tem de acompanhar os progressos científicos, como asseverou
Kardec. Acompanhar a ciência significa estar ciente dos experimentos
e das teorias deles decorrentes em comparação com os
postulados espíritas e permitir que novas comunicações
espirituais permitam divisar temas e realidades que não eram
preocupação dos homens ao tempo de Kardec. E, de outra
sorte, contribuir para o progresso, participando de instituições
que promovem a cultura e a ciência e debatendo, em diversos
fóruns e ambientes sociais laicos, as questões de interesse
do homem contemporâneo.
Com base em tais elementos, é
de se perguntar: todos os espíritas e as instituições
em geral estão atentas e são concordes com tais premissas?
Mesmo considerando os distintos entendimentos pessoais e institucionais,
propiciam a aproximação entre pessoas ou grupos, ou
agem como "donos da verdade", como "defensoras"
de critérios parciais e subjetivos, distantes do caráter
pluralista e integrativo da Doutrina Espírita? Reflitamos...
Durante muito tempo as instituições se muniram de "garantias"
preestabelecidas para a manutenção de suas teses ou
do status quo, em face da existência de muitas configurações
adjetivadas como espíritas, mas diversas entre si em alguns
pontos. Surgiu, por exemplo, a tese da "pureza doutrinária"
que foi defendida a ferro e fogo para impedir as chamadas "enxertias"
de práticas ou ideias no "corpo" doutrinário.
À exceção de um episódio pontual, lá
pela década de 60, em que Herculano Pires defendeu com todo
ardor e êxito uma tentativa de adulteração dos
livros básicos, por parte de uma editora que pretendia "incluir"
interpretações que não estavam na versão
original, tudo o mais tem me parecido extremamente despropositado.
Há quem censure autores e obras, admitindo e prescrevendo a
necessidade de um "índex" ou um catálogo para
ser apresentado às instituições e livrarias ou
bibliotecas espíritas, para selecionar o que "pode"
ou não ser lido, vendido ou divulgado.
Este é um ledo equívoco, porquanto devemos deixar a
cargo de cada espírita (ou simpatizante) o critério
de seleção de suas leituras e, mais que isso, a lógica
aplicada à leitura para selecionar o que seja ou não
racional e consentâneo com os princípios ou axiomas espiritistas.
Não queiramos, nós, espíritas da "fé
raciocinada" e em pleno Século XXI, cometermos os mesmos
erros do passado, patrocinados por religiões ou ideologias,
em destruir livros, escondê-los de algum modo ou de desmerecer
seus textos ou autorias. Cabe ao estudioso espírita o critério
de seleção, sempre!
Fico triste e muito preocupado quando vejo valorosos, bem intencionados
e dedicados companheiros daqui ou dali se levantarem contra determinados
autores ou obras – quando não contra expositores e lideranças
espiritistas – em função da discordância
DE OPINIÃO. Alguns, até, mais vorazes, se dispõem
a escrever e a publicar textos desqualificando pessoas ou conteúdos,
como se fossem censores ou síndicos do Espiritismo. Agem, até,
em contrário à prática da caridade e da compreensão
interpessoal, como se tencionassem excluir dados companheiros de atividades
ou desmerecer suas ideias e trabalhos. Já deveríamos
ter sepultado há tempos esta tendência.
Particularmente, como iniciei na Doutrina
e no Movimento Espírita na fase de pré-adolescência
(aos 11 anos), procurei ler tudo o que me aparecia à frente.
Li Roustaing, Ramatís, Pietro Ubaldi, Polidoro, Ranieri, Krishamurti,
Jaci Régis, André Luís, Emmanuel, Joanna de Ângelis,
Zíbia e seus romances, os clássicos, os cientistas,
os filósofos, os religiosos... De tudo, procurei reter a melhor
parte. Fazia anotações e comentários, recorria
aos "livros básicos" (que, para mim, foram na ordem:
"O que é o Espiritismo",
"O Livro dos Espíritos"
e "O Livro dos Médiuns",
não me esquecendo de "O Principiante Espírita"
e "Instruções Práticas sobre
as Manifestações Espíritas",
além da coleção completa da Revue,
já citada neste ensaio). Utilizei, sempre, o Evangelho como
ponto de consulta para palestras e estudos e nas meditações
diárias ou semanais, nos vários momentos da existência
e, por complemento, "A Gênese",
"O Céu e o Inferno" e "Obras
Póstumas", para trabalhos e pesquisas específicos.
Não me considero melhor ou superior a ninguém, nem dotado
de "amplo conhecimento" espiritista, mas a base das leituras
e da frequência a grupos de estudo e de prática mediúnica,
em distintas instituições, ainda na fase pré-adulta,
me permitiu formar a estrutura de convencimento e de seleção
de toda e qualquer leitura, espírita ou espiritualista.
Nunca deixei de ler qualquer obra ou citação, por mais
desqualificadores que fossem os comentários de expositores,
dirigentes ou articulistas sobre tal o qual obra. Pelo contrário,
quanto mais criticavam, mais vontade e interesse me despertavam. E
isso foi, é e será fundamental para quem pretende ser
espírita e para quem deseja formar convencimento (nunca definitivo,
diga-se de passagem) sobre temas de interesse espiritual. Essa abertura,
creio, é essencial para aqueles que desejam conhecer e entender
melhor cada um dos quadrantes dessa e da vida futura.
Assim, vislumbrando que o Movimento Espírita possa estar avançando,
em face do que tenho visto em termos de organizações
coletivas espíritas na atualidade, considerando as principais,
com quem tenho tido contato, federações, confederações
e entidades nacionais especializadas, percebo uma tendência
muito positiva. E ela, para mim, irá ser portadora das seguintes
mensagens-vivências:
1) Perspectiva da verdadeira
UNIÃO ENTRE OS ESPÍRITAS, a partir dos pontos de conexão
e similitude entre as distintas acepções de entendimento
de pessoas ou grupos, investindo-se nas SEMELHANÇAS e discutindo,
se e quando possível, com o caráter da amistosidade
e do respeito, as diferenças porventura existentes;
2) Diálogo pessoal e institucional permanente seja pelas
ligações entre si das pessoas e das instituições,
seja pela abertura de espaços em eventos patrocinados por
uns e outros para o debate salutar dos "pontos de vista"
diversos existentes no movimento, favorecendo com o gesto do convite
e da boa acolhida, quando da presença, de representantes
daquilo que se cognomina de "correntes espíritas";
3) Interlocução com distintas correntes filosóficas,
ideológicas, religiosas ou não e movimentos sociais,
para o trato de temas específicos, da atualidade planetária
e de interesse de todos, assim como participação efetiva
e qualificada em fóruns e eventos de debate de ideias, para
divulgação do pensamento espírita e para o
diálogo com outras formas de pensamento;
4) Investimento e interesse em atividades de caráter científico
e cultural, para o desenvolvimento de ações de continuidade
e atualização do Espiritismo, dentro da proposta de
permanência espírita cunhada por Kardec, permitindo-se,
quando e se necessário, a revisão de conteúdos
das obras fundamentais, não para demonstrar que "Kardec
estava em erro", mas para averiguar se as informações
disponibilizadas no final do século XIX ainda permanecem
sob a mesma configuração; e,
5) Idealização de eventos que permitam a apresentação
de novas teses e estudos ou pesquisas espíritas, de caráter
científico ou cultural, os primeiros com a organização
e acuidade devidas para a caracterização dos métodos
e da excelência dos debates, os segundos para permitir a interlocução
com a Sociedade, por meio da disseminação, o mais
amplamente possível, das ideias espíritas, utilizando-se
os mais variados meios: arte em suas várias expressões,
letras, filosofia, mídia e meios de comunicação.
Este é o verdadeiro recall
dos espíritas. Alguns defeitos – como os listados acima
– precisam ser corrigidos. Trata-se de um chamamento para a
mudança qualitativa, a permitir os avanços necessários.
E para caminharmos a passos largos para a instauração
do período de regeneração social, já que,
na descrição posta por Kardec, temos de suplantar o
período religioso posto que já estamos no intermediário,
de transição entre este e aquele.
Vale salientar que a porção majoritária dos espíritas
prescreve a existência de um caráter ou aspecto religioso
do espiritismo, tratando-o como "uma religião" (ainda
que em caráter ou sentido "filosófico", como
bem asseverou Kardec na Revue de dezembro de 1868), afirmando que,
neste sentido, seria "a doutrina que funda os vínculos
da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre
uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas:
as próprias leis da Natureza". Será que todos sabem,
realmente, o que é o tal "caráter ou sentido filosófico"
do termo religião? Ou tendem a dogmatizar e a sacralizar a
Doutrina Espírita e os escritos compilados por Kardec? Lembremos
que isto é tão somente um ponto de vista, havendo outros,
como o manifesto por aqueles que não encaram o Espiritismo
como religião, dizendo-se espíritas laicos, os quais
são afastados ou, até, boicotados como se não
fossem espíritas!
Antes de concluir, gostaria de chamar a atenção para
aquilo que Kardec, com a antevisão que lhe era característica,
em face de sua bagagem espiritual e dos atributos que lhe fizeram
ser nomeado o "organizador" do Espiritismo, disse a esse
respeito em duas dissertações valiosíssimas,
abaixo mencionadas.
A primeira, em "O que é o espiritismo"
(1859) no célebre diálogo de Kardec com o padre, nestes
termos: "O Espiritismo, melhor observado depois que se vulgarizou,
veio lançar luz sobre uma multidão de questões
até aqui insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro
caráter, pois, é o de uma ciência, e não
de uma religião; e a prova disso é que conta entre seus
adeptos homens de todas as crenças, que não renunciaram
por isso às suas convicções: católicos
fervorosos que não praticam menos todos os deveres de seu culto,
quando não são repelidos pela Igreja, protestantes de
todas as seitas, israelitas, muçulmanos, e até budistas
e brâmanes. Ele repousa, pois, sobre princípios independentes
de toda questão dogmática. Suas consequências
morais estão no sentido do Cristianismo, porque o Cristianismo
é, de todas as doutrinas, a mais esclarecida e a mais pura,
e é por essa razão que, de todas as seitas religiosas
do mundo, os cristãos estão mais aptos a compreendê-lo
em sua verdadeira essência. Pode-se, por isso, fazer-lhe uma
censura? Cada um, sem dúvida, pode fazer uma religião
de suas opiniões, interpretar à vontade s religiões
conhecidas, mas daí a constituição de uma nova
Igreja, há distância."
A segunda, na Revue de maio de 1859, na
resposta ao abade Chesnel: "O Espiritismo, melhor observado
depois que foi vulgarizado, vem lançar a luz sobre uma multidão
de questões até aqui insolúveis ou mal resolvidas.
Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência
e não de uma religião, e a prova disso é que
conta, entre seus adeptos, com homens de todas as crenças,
e que por isso não renunciaram às suas convicções:
os católicos fervorosos que não praticam menos todos
os deveres de seu culto, protestantes de todas as seitas, israelitas,
muçulmanos e até budistas e brâmanes; há
de tudo, exceto materialistas e ateus, porque essas ideias são
incompatíveis com as observações espíritas.
O Espiritismo repousa, pois, sobre princípios gerais independentes
de todas as questões dogmáticas. Ele tem, é verdade,
consequências morais como todas as ciências filosóficas;
essas consequências estão no sentimento do Cristianismo,
porque o Cristianismo, de todas as doutrinas, é a mais clara,
a mais pura, e é por esta razão que, de todas as seitas
religiosas do mundo, os cristãos são os mais aptos a
compreendê-lo em sua verdadeira essência. O Espiritismo
não é, pois, uma religião: de outro modo teria
seu culto, seus templos, seus ministros. Cada um, sem dúvida,
pode se fazer uma religião de suas opiniões, interpretar
ao seu gosto as religiões conhecidas, mas daí à
constituição de uma nova Igreja, há distância,
e creio que seria imprudente dar-lhe a ideia. Em resumo, o Espiritismo
se ocupa com a observação dos fatos, e não com
as particularidades de tal ou tal crença, da procura das causas,
de explicações que esses fatos podem dar de fenômenos
conhecidos, na ordem moral como na ordem física, e não
impõe mais um culto aos seus adeptos do que a astronomia impõe
o culto dos astros, nem a pirotécnica o do fogo."
Kardec, assim, reafirma que o verdadeiro caráter espiritista
é o de uma ciência (e não uma religião),
permitindo coexistir entre seus partidários católicos,
protestantes, budistas, bramanistas, etc., posto que cada ser continuaria
a manter sua própria religião (ou a expressão
íntima de sua religiosidade) e iria, pouco a pouco, compreendendo
a natureza lógica e racional das Leis Espirituais, a que todos
nós nos achamos sujeitos, compreendendo-lhes as causas e os
efeitos.
E tudo isso, respeitosamente, dialogicamente.
A hora é, destarte, para a UNIÃO e o DIÁLOGO
entre TODOS os espíritas, sem distinções ou exclusões.
E diálogo só se faz com RESPEITO e ALTERIDADE.
É isto que precisa de Recall!
Mãos à obra, portanto! Kardec prossegue conosco