No dia 11 de maio de 2007, em cerimônia
com a presença da autoridade máxima da Igreja Católica
(Papa Bento XVI, o Cardeal alemão Joseph Ratzinger) no Brasil,
será canonizado o frade franciscano Antônio de Sant’Anna
Galvão (mais conhecido como Frei Galvão), o primeiro
santo brasileiro [1]. A estratégia
da cúria católica tem apoio no fato de que o Brasil
– país com o maior número de adeptos desta religião
no mundo – nunca teve um filho seu nesta condição.
A canonização foi a alternativa do pontificado de João
Paulo II (o polonês Karol Wojtyla) que, preocupado com a expansão
crescente de outras filosofias e seitas, adotou a prática como
um meio de manter a penetração do catolicismo nas diversas
regiões do planeta. Antes dele, a Igreja tinha 302 santos.
Wojtyla consagrou 482 nos 26 anos de seu papado, contribuindo decisivamente
para a manutenção da popularidade católica, já
que a relação com o sagrado (divino) fica mais familiar,
próxima e palpável, fortalecendo os laços dos
fiéis com a religião que professam, aproximando a criatura
do Criador.
O estágio de santidade (canonização) é
a última fase de um processo que se inicia com a condição
de servo de Deus, cinco anos após a morte
do candidato, a partir de iniciativa do bispo da diocese em que o
mesmo viveu. Após, defendido por um postulador, que enfrenta
um contraditor, ambos nomeados pelo Vaticano, são provados
(ou não) o martírio ou as virtudes
daquele que, se confirmada um ou outras, alcança a fase de
venerável. O processo, então, desenvolve-se
em trâmites burocráticos em Roma, para que seja oficializado
o martírio ou, no caso dos milagres, um deles pelo menos precisa
ser atestado por médicos e teólogos. Se positivado,
atinge-se, assim, a condição de beato.
Na circunstância da prova de um segundo milagre, o candidato
alcança a santidade, por ato do pontífice,
que detém a última palavra neste processo, a qual é
declarada em cerimônia específica, na sede romana ou
no país de origem ou de atividade do santo
[2].
O caso de Galvão ultrapassou, por exemplo, o de José
de Anchieta, o Apóstolo do Brasil, religioso espanhol que viveu
a maior parte da vida em nossa pátria, beatificado por João
Paulo II (1980) e que aguarda a prova material de um milagre. Mais
de 4.500 relatos referentes a curas do Frei Galvão foram apreciados,
sendo provados, em 1998, a cura de uma menina (Daniela Cristina da
Silva, desenganada por médicos em 1990, por causa de uma hepatite
aguda) e, em 1999, a gestação que vingou e gerou um
filho (a gestante Sandra Grossi de Almeida, com má-formação
do útero já havia tido dois abortos espontâneos).
Nos dois casos, as pessoas ingeriram as conhecidas “pílulas
de Frei Galvão”, pedacinhos de papel de arroz, enrolados
em forma de cânula, em que se acha impressa uma oração
atribuída ao religioso (prece em latim à Virgem Maria).
Tais pílulas são distribuídas diariamente aos
fiéis que comparecem ao Mosteiro da Luz (SP), numa quantidade
superior a 5.000, por dia.
A santidade é uma espécie de grau máximo na hierarquia
dos homens, segundo a religião católica, que indica
que o ser é iluminado, um intermediário entre as pessoas
“comuns” e o Plano Divino. Segundo teólogos e especialistas,
a santidade permite a cumplicidade dos seres humanos (fiéis)
com o representante de Deus na Terra, diminuindo o assombro diante
da superioridade do Criador, conferindo humanidade à transcendência.
De modo análogo, outras religiões e filosofias têm
seus “santos”, mártires, missionários, iluminados,
avatares ou intermediáiros, chegando, inclusive, a estabelecer
entre eles certos degraus ou graus hierárquicos.
Para o Espiritismo, que não cultua santos, não prescreve
hierarquias litúrgicas e, tampouco, acredita em milagres (já
que as curas espirituais pertencem ao plano da relação
com as energias), tais são reconhecidos como médiuns
– atributo inerente à condição espiritual
(“todos somos médiuns”). Todavia, nem todos possuem
idêntica mediunidade, em razão das provas, expiações
e missões a que nos achamos sujeitos, na esteira das encarnações.
A mediunidade, que não é circunstância exclusiva
e particular do Espiritismo, ocorre em todo e qualquer lugar, estabelecendo
o intercâmbio entre os mundos espiritual e físico e,
neste sentido, visa atender às necessidades e minimizar as
dificuldades humanas. O traço distintivo entre os médiuns,
sempre, é a sua moralidade, demonstrativa do alcance de patamares
espirituais mais adiantados, a integração paulatina
na obra divina.
Há, em verdade, uma “necessidade” dos indivíduos
– mesmo em instituições e no movimento espírita
– de “acercar-se” de santos ou protetores no curso
da vida. Assim, por exemplo, determinados médiuns acabam sendo
elevados à “categoria” de santos, pelos espíritas
(simpatizantes ou adeptos) que não entendem ainda muito bem
o conteúdo da proposta da Doutrina Espírita. E o fazem,
é claro, sem maldade mas por ingenuidade ou falta de estudo
ou conhecimento, quando o médium está vivo e/ou após
a sua morte, como ocorreu com Francisco Cândido Xavier.
Respeitando os adeptos de outras crenças e, até, os
“quase-espíritas” (isto é, aqueles que no
seio do movimento espírita agem como se houvesse santidade),
devemos entender melhor a dinâmica da vida (material-espiritual)
para aproximarmo-nos de Deus por nossa conduta mais espiritualizada,
estudando a filosofia espírita e encarando a mediunidade como
o exercício do amor e da fraternidade, laço de aproximação
das criaturas entre si e com Deus. Sem santos, mas com (e como) homens
de bem!