Toda tentativa de analisar o personagem
Jesus sob a ótica espírita principia pelo questionamento
de Kardec aos Espíritos, aposto no item 625, de O
Livro dos Espíritos
(1), sobre o modelo ou guia para a Humanidade
planetária. A resposta, na competente tradução
do Professor Herculano Pires é "Vede Jesus".
Obviamente, não estamos falando de Jesus Cristo, o mito inventado
pela religião cristã oficial (Catolicismo) e reproduzido
por todas as que lhe sucederam no tempo, um ser meio homem meio divino,
filho único (?) de Deus ou integrante do dogma da Santíssima
Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), como apregoam as liturgias.
Falamos do homem, cujos registros físicos (históricos)
são mínimos, mas que teria vivido há pouco mais
de dois mil anos, no Oriente Médio, dono de uma filosofia de
vida própria e que marcou a história humana ao ponto
de dividi-la entre antes e depois de sua passagem. Jesus de Nazaré,
este o seu nome. Mas é este o Jesus apresentado nas instituições
espíritas? É este o Jesus referenciado nas obras pós-kardecianas,
sobretudo aquelas de origem mediúnica? Cremos que não!
Há uma diferença muito grande entre a realidade e a
imagem que foi construída - muito fortemente em função
da influência das religiões sobre o arquétipo
coletivo.
Alguns dos problemas mais graves na
abordagem "espírita" de Jesus já principiam
pela gravidez de Maria (dita Santíssima pela tradição
religiosa e, portanto, submetida a uma gestação sem
ato sexual, sob a interferência do Espírito Santo), o
que levou à consideração de que o carpinteiro
seria um agênere, posto que detentor de um corpo não-físico,
mas fluídico, porquanto não teria ele suportado as dores
e lacerações a que foi submetido, na paixão e
crucificação.
Tais teorias nunca seriam concordes
à Filosofia Espírita, porque representariam a negação
dos mínimos princípios ou fundamentos básicos
espiritistas. Maria e José, tidos como pais de Jesus, tiveram
um relacionamento normal - como o de qualquer casal - e Jesus, inclusive,
teve vários irmãos, sendo o primogênito da prole
(vide a passagem "Quem são minha mãe e meus irmãos",
a propósito) (2). De uma gestação,
portanto, natural e "normal", decorreu um corpo físico
muito parecido com o nosso, guardadas as proporções
decorrentes do distanciamento temporal entre os nossos dias e os de
dois milênios atrás.
Como a fábula cristã enquadra situações
aparentemente sobrenaturais (como diversas passagens evangélicas
relacionadas aos feitos de Jesus e, também, todo o tétrico
relato das torturas a que teria sido submetido desde sua prisão,
no Horto das Oliveiras até sua crucificação no
Gólgota), muitas delas teriam sido construídas e moldadas
pelos doutores da Igreja, interessados na construção
de um super-homem, mítico e até mitológico, dotado
de superpoderes ilimitados (3).
Jesus foi um homem "normal" e "comum", em relação
às suas características físicas. Sua distinção
em relação aos demais homens (daquele tempo e até
hoje), evidentemente, pertence ao plano moral, das virtudes e das
características egressas de sua evolutividade espiritual (4).
Seu principal traço é o de uma moralidade bem acima
da média da população terrena de todos os tempos
conhecidos, daí porque os Espíritos o teriam sugerido
como referência (não a única, fique bem claro)
para a esteira de progresso espiritual compatível com este
orbe.
Mas, ainda que distante da maioria dos homens em termos de moralidade,
não deixou de "participar" da vida encarnada como
a grande maioria de nós. Sentiu dores, sofreu decepções,
alegrou-se com situações favoráveis, teve amigos
e relacionou-se SIM sexualmente com uma mulher - provavelmente Maria
de Magdala, de cuja relação teria nascido uma criança,
como, aliás, vários escritores - entre os quais, mais
presentemente, Dan Brown - já referenciaram.
Incrível é que, em muitas
instituições espíritas, que deveriam se pautar
pela "fé raciocinada", pelo exame lógico de
todas as situações e circunstâncias e pela abordagem
livre e baseada nos princípios espíritas, se verifique
um certo ar "pudico" quando o assunto vem à baila,
como se uma (muito) provável experiência conjugal e sexual
de Jesus de Nazaré pudesse diminuir o alcance de sua missão
e papel perante os homens. Uma abstinência da simbiose energético-sexual
não seria, nem de longe, "natural" e oportuna. Ademais,
todos nós que, sob a esteira da dicção espiritual
contida no item sublinhado da obra pioneira, nos espelhamos em Jesus
para a construção de nossa senda evolutiva, ao buscarmos
conhecer melhor o intercâmbio das relações humanas,
sabemos que a sexualidade é um vértice de aprendizado
espiritual e, antes de tudo, uma necessidade humana (5),
rumo ao equilíbrio.
Mas há os que, não tão ingenuamente, pensam o
contrário e tentam "importar" para o Espiritismo
visões que pertencem aos dogmas das igrejas (6). Estes ainda
não se tornaram espíritas!
* * *
(*) Marcelo Henrique, Doutorando em Direito
e Assessor Administrativo
da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo
- ABRADE.
PESQUISA DO
A ERA DO ESPÍRITO:
(1) Ver o Livro dos Espíritos, As Leis
Morais, Capítulo I, A Lei Divina ou Natural, II Conhecimento
da Lei Natural.
http://www.aeradoespirito.net/OLivrodosEspiritos/O_LIVRO_DOS_ESPI_L3_C1_SC2.html
621. Onde está escrita a lei
de Deus?
-- Na consciência.
621-a. Desde que o homem traz na consciência a lei de Deus,
que necessidade tem de que lha revelem?
-- Ele a havia esquecido e desprezado: Deus quis que ela lhe fosse
lembrada.
622. Deus deu a alguns homens a missão de revelar a sua lei?
-- Sim, certamente; em todos os tempos houve homens que receberam
essa missão. São Espíritos superiores, encarnados
com o fim de fazer progredir a Humanidade.
623. Esses que pretenderam instruir os homens na lei de Deus não
se enganaram algumas vezes, e não os fizeram transviar-se muitas
vezes, através de falsos princípios?
-- Os que não eram inspirados por Deus e que se atribuíram
a si mesmos, por ambição, uma missão que não
tinham, certamente os fizeram extraviar; não obstante, como
eram homens de gênio, em meio aos próprios erros ensinaram
freqüentemente grandes verdades.
624. Qual é o caráter do verdadeiro profeta?
-- O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por Deus.
Podemos reconhecê-lo por suas palavras e por suas ações.
Deus não se serve da boca da mentiroso para ensinar a verdade.
625. Qual o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem, para lhe
servir de guia e modelo?
-- Vede Jesus.
Jesus é para o homem o tipo de
perfeição moral a que pode aspirar a Humanidade na Terra.
Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ele
ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque ele
estava animado do Espírito divino e foi o ser mais puro que
já apareceu na Terra.
Se alguns dos que pretenderam instruir os homens na lei de Deus algumas
vezes os desviavam para falsos princípios, foi por se deixarem
dominar por sentimentos demasiado terrenos e por terem confundido
as leis que regem as condições da vida da alma com as
que regem a vida do corpo. Muitos deles apresentaram como leis divinas
o que era apenas leis humanas, instituídas para servir às
paixões e dominar os homens.
626. As leis divinas e naturais só foram reveladas
aos homens por Jesus e antes dele só foram conhecidas por intuição?
-- Não dissemos que elas estão escritas por toda parte?
Todos os homens que meditaram sobre a sabedoria puderam compreendê-las
e ensiná-las desde os séculos mais distantes. Por seus
ensinamentos, mesmo incompletos, eles prepararam o terreno para receber
a semente. Estando as leis divinas escritas no livro da Natureza,
o homem pôde conhecê-las sempre que desejou procurá-las.
Eis porque os seus princípios foram proclamados em todos os
tempos pelos homens de bem, e também porque encontramos os
seus elementos na doutrina moral de todos os povos saídos da
barbárie, mas incompletos ou alterados pela ignorância
e a superstição.
(2) Phronemata Blogspot - http://phronemata.blogspot.com/2010/01/perguntas-e-respostas-os-irmaos-de.html
Nota: De vez em quando, algum dos
meus amigos, de perto ou de longe, me faz perguntas relativas a assuntos
bíblicos. Pensando que, talvez, a resposta que lhes dê
sirva também para sanar a dúvida de outros, tomei a liberdade
de iniciar essa seção aqui no blog. Espero que gostem!
Pergunta: Maria teve outros filhos
além de Jesus?
Resposta: Os quatro evangelistas e
o apóstolo Paulo afirmam que Jesus possuía irmãos
e irmãs terrestres (Mateus 12:46, 47; 13:55, 56; Marcos 3:31,
32; 6:3; Lucas 8:19, 20; João 2:12; 7:3, 5; Atos 1:14; Gálatas
1:19; 1 Coríntios 9:5). Mesmo que alguns tenham tentando confundir
os grupos, os irmãos de Jesus e seus discípulos são
sempre mencionados como grupos distintos (Atos 1:13, 14; 1 Coríntios
9:5)[1]. Muitos, então, ao ler estes textos, se questionam: de
quem eram filhos estes irmãos de Jesus? De Maria? De outra mulher?
Dos dados bíblicos, três principais interpretações
têm surgido [2]:
(1) Os irmãos e irmãs de Jesus eram filhos
mais novos de José e Maria: esta interpretação
iniciou-se com Helvídio no quarto século e por muito tempo
foi tida como herética em vista do dogma da perpétua virgindade
de Maria.[3] Em vista de seu forte apoio bíblico, é a
interpretação mantida mais comumente pelas igrejas protestantes.
Além dos textos que mencionam os irmãos de Jesus, baseia-se
também nos textos de Mateus 1:25 e Lucas 2:7. Neles, é
dito que Jesus é o primogênito de Maria, implicando que
ela teve outros filhos depois disso, e que José não a
conheceu (ou seja, não manteve com ela relações
sexuais) até que Jesus nascesse, implicando que o fez após
este momento. Assim, segundo esta posição, os irmãos
de Jesus eram mais novos do que Ele e filhos de Maria e José.
(2) Os irmãos e irmãs de Jesus eram filhos
mais velhos de uma primeira esposa de José: segundo o New Bible
Dictionary, esta interpretação não possui apelo
bíblico direto[4] e essa é a posição adotada
pela Igreja Ortodoxa Grega. Contudo, o Comentário Bíblico
Adventista, baseado em textos como Marcos 3:21, 31 e João 7:3-5,
que a atitude dos irmãos de Jesus implicam em que eles fossem
mais velhos: "apenas irmãos que fossem mais velhos ousariam
fazer [as coisas descritas nos versos mencionados] naqueles dias."[5]
Além disso, a atitude de Jesus na cruz, ao encomendar Sua mãe
aos cuidados de João implicaria em que ela não tivesse
outros filhos que dela pudessem cuidar depois de Sua morte.[6] Portanto,
segundo esta posição, ao menos os irmãos do sexo
masculino de Jesus (uma vez que as mulheres não tinham voz ativa
na sociedade e, nos textos citados, os irmão de Jesus aparecem
interferindo em assuntos que, de certa forma, eram públicos)
eram mais velhos do que Ele, e assim, filhos de um primeiro casamento
de José.
(3) Os irmãos e irmãs de Jesus, na verdade,
eram Seus primos: esta interpretação surgiu com Jerônimo,
com vistas a defender o dogma da perpétua virgindade de Maria.
De acordo com o New Bible Dictionary, tal interpretação
está baseada em uma série de pressuposições
arbitrárias (as quais não mencionaremos nesta ocasião).
Uma das suas bases é a pressuposição de que toda
vez que o Novo Testamento usa a palavra ?de?f?? (adelphós), irmão
(pelo menos em conexão com Jesus) ela deva ser traduzida por
primo, o que parece muito inconsistente, desmerecendo o significado
semântico básico da palavra. Apesar das tentativas, não
há qualquer base bíblica para essa interpretação.
Portanto, a resposta à nossa pergunta inicial
está entre a interpretação (1) e (2). Todavia,
não podemos ter, biblicamente, certeza se os irmãos de
Jesus eram filhos de Maria ou de outro casamento de José. Uma
posição intermediária seria considerar os irmãos
do sexo masculino como sendo enteados de Maria e as irmãs como
sendo suas próprias filhas. Mas não temos como fazer uma
afirmação contundente sobre isso. O que veementemente
podemos negar, alicerçados na Bíblia, é que o dogma
da perpétua virgindade de Maria não tem qualquer base
escriturística. É possível que Maria, mesmo casada
com José, não tenha concebido outros filhos. Negar, entretanto,
sua posição de esposa, com todas as prerrogativas a ela
associadas, é ir contra todo o contexto cultural judaico do primeiro
século.
[1] Elwell, Walter A. e Barry J. Beitzel. Baker Encyclopedia
of the Bible. Grand Rapids, Mich.: Baker Books House, 1988, 384.
[2] Wood, D. R. W. e I. Howard Marshall. New Bible
Dictionary. Leicester: InterVarsity Press, 1996, 146.
[3] Idem, 146, 147.
[4] Idem, 147.
[5] The Seventh-day Adventist Bible Commentary. Editado
por Nichol, Francis D. Hagerstown: Review and Herald Publishing Association,
1978, 5:399, 400. Este ponto de vista também é sancionado
por Ellen G. White em O Desejado de Todas as Nações, 86-87,
90, 321 e 326.
6] The Seventh-day Adventist Bible Commentary, 5:286.
(3) O Eterno ao Moderno: arte sacra católica
no Brasil, anos 1940-50 - Anna Paola P. Baptista
http://www.scribd.com/doc/7177918/603-O-Eterno-Ao-Moderno
(4) A Gênese (conforme o Espiritismo), Allan
Kardec, cap. XV, item 2.
http://www.aeradoespirito.net/AGenese/GE_CAP_15.html
(5) Revista Brasileira de Medicina, Edição
Especial: Nov. 98 V55 - Ciber Saúde, Um breve histórico
do estudo da sexualidade humana (A short observation about the study
of human sexuality) - Nélson Vitiello, Ginecologista. Doutor
em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP). http://www.drcarlos.med.br/sex_historia.html
(6) Dogmas sobre Jesus Cristo - http://www.ultimasmisericordias.com.br/Pagina/1578/DOGMAS-SOBRE-JESUS-CRISTO.
Fonte: http://www.aeradoespirito.net/ArtigosMH/JESUS_PARA_O_ESPIRITISMO_MH.html
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