Marcelo
Henrique Pereira
> Quem é o Jesus dos Espíritas em geral?
Chamar Jesus de Nazaré,
o Yeshua, ou o Magrão, de Cristo é o grande ERRO
de Allan Kardec. E isto influenciou e continua influenciando os
espíritas em geral em reconhecerem, indevidamente, uma
condição surreal, metafísica, sobre-humana
para o personagem, distanciando-o de sua missão corporal
e da nossa própria realidade.
Natal. É Natal, novamente…
A cada ano que passa, vejo repetidas as formulações de
desejos que são repartidos pelas pessoas, seja as que já
se conhecem, seja um transeunte ou alguém nos supermercados ou
lojas da vida. Evidente que o “espírito natalino”
contagia a todos (ou quase) e as pessoas se enchem de bons sentimentos
e intenções – embora, nem sempre, no trânsito
ou nas filas, isso seja materializado.
Enfim, é Natal… E como é o “Natal
dos Espíritas em geral”? Qual é o entendimento dos
espíritas sobre o personagem Jesus? O que se diz dele? Em que
se acredita? Que papel tem esse Jesus na vida daqueles que aceitam,
professam, seguem o Espiritismo?
Majoritariamente, os espiritistas ainda não se
libertaram do Mito Jesus-Cristo. A construção filosófica,
pedagógica e personalista da Igreja Católica Apostólica
Romana ainda é muito evidente e marcante entre os espíritas.
O indivíduo Jesus, assim, tem traços e contornos ainda
fortemente religiosos, em torno de um personagem que contém muito
misticismo e sobre o qual se erigem teorias que fundamentam dogmas e
sacramentos pertinentes àquela Igreja.
Estes conceitos são intuitivamente repetidos
pelos espiritistas, como se pertencessem ao conceito e a visão
espírita sobre o Homem de Nazaré. Como, marcantemente,
o pensamento cristão do Ocidente, expresso em “n”
igrejas ou seitas é derivado da composição originária
ditada pela Cúria Romana, desde que ela foi oficializada pelo
Império Romano, as explicações e informações
sobre Jesus, o Cristo de Deus, guardam bastante sintonia ou sinergia
entre si. E o espírita neófito, muito entusiasmado ou
pouco estudado em relação aos fundamentos espiritistas,
reproduz a visão cristã e nela se baseia, seja nas atividades
ditas doutrinárias seja no percurso da vida laica, e seus contornos
em distintos ambientes em que se localiza.
Assim é que os espíritas, ainda bastante
impregnados por este caldo cultural e pela “boca torta do cachimbo”
(consideradas a atual existência e as anteriores, neste Planeta,
em face das incursões da grande maioria de nós em movimentos
religiosos ditos cristãos), acabam repetindo – mesmo que
inconscientemente – suas “crenças” acerca daquele
Carpinteiro de Nazaré.
Vamos aos erros mais comuns:
- Jesus seria o Filho de Deus. Filho
único, em termos de qualificação de sua posição,
“sentado à direita do Pai”. Mas, como se “crê”
que ele, Jesus, é nosso irmão, somos ou não,
todos, filhos de um mesmo pai, Deus? Somos, mas… E aí
os espíritas gaguejam, porquanto ainda consideram como pontual
a (grande) diferença evolutiva que há entre ele e nós.
Um filho com “precedências”, “vantagens”,
“regalias”… Mais simples seria dizer, com anteparo
na própria Filosofia Espírita, que a ascendência
notória e característica de Jesus se dá em virtude
de todo um passado de várias existências, a partir de
sua criação idêntica a nossa, como Espírito
simples e ignorante, mas avançando pelos próprios méritos,
para se credenciar como um dos Avatares/Guias/Modelos que a Humanidade
(deste Planeta e a de outros, de todos os matizes) têm conhecido
em suas trajetórias ascensionais.
- Jesus foi concebido por um “milagre”
e sua mãe, Maria (Myriam) de Nazaré permaneceu virgem.
E a fábula muito bonita da “Anunciação”
(lembro, aqui, da música de Alceu Valença – “tu
vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais”, ou, ainda,
mais liturgicamente, “A voz do anjo sussurrou no meu ouvido,
Eu não duvido, já escuto os teus sinais; que tu virias
numa manhã de domingo, eu te anuncio nos sinos das catedrais”).
E há quem repita, nas tribunas espíritas, até
emocionadamente, “Mãe Santíssima”, “Maria,
Mãe de Deus” e “Imaculada”, para adjetivar
a genitora do homem-rabi. O correto, distante da fábula,
é compreender a gestação de Jesus como decorrente
de uma circunstância física, material, natural, uma gravidez
resultante de conjunção carnal (ato sexual),
cuja existência se dignifica, e não, miticamente, se
traveste em fantasia e absurdo.
- Dúvidas sobre a condição
corporal de Jesus, que não teria, segundo dizem muitos,
condições de suportar, fisicamente, as macerações
que seu corpo sofrera, no episódio de sua prisão, julgamento,
paixão e crucificação. Daí a “facilidade”
em aceitar a natureza não-humana, não-corporal-material
de Jesus, tal qual consta da teoria docetista do advogado francês,
contemporâneo de Kardec, J.B.-Roustaing, que apresenta-nos um
Jesus agênere, de corpo fluídico, apenas “materializado”
na Terra para cumprimento de uma “missão sublime”.
Um Jesus “aparente”, tido, pelos espíritas daqui
e de alhures, como ESPÍRITO PURO (dentro da classificação
contida em “O livro dos espíritos”, na Escala Espírita).
Dentre os qualificativos dos Espíritos que se encontram na
PRIMEIRA ORDEM e CLASSE ÚNICA (questões 112 e 113 da
obra citada), tem-se: “Tendo alcançado a soma de perfeição
de que é suscetível a criatura, não têm
mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando
mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis,
realizam a vida eterna no seio de Deus”, conforme nossos grifos.
Do contrário, considerando o conjunto de informações
contidas em toda a Codificação e, só para ficar
enquadrado o contido na obra em comento, a primeira de Kardec, a pioneira,
temos no item 111, que traz as características dos Espíritos
da SEGUNDA ORDEM e SEGUNDA CLASSE, “Quando, por exceção,
encarnam na Terra, é para cumprir missão
de progresso e então nos oferecem o tipo da
perfeição que a Humanidade pode aspirar neste mundo”.
Texto que, aliás, é corroborado pelo contido em outra
questão, a de número 625, quando os Espíritos
respondem a Kardec quando perguntados sobre que espíritos seriam
considerados guias e modelos para os homens terrenos: “Vede
Jesus”. Adiantadíssimos, mas ainda não na condição
de plenitude fina, espíritos do quilate do homem-carpinteiro-pescador-de-homens
estariam na condição de superioridade (mas não
ainda de perfeição), tendo sido submetidos a uma vida
material (encarnação) com a missão de serem o
tipo de espiritualidade possível à Humanidade aspirar,
neste orbe. Jesus, assim, foi um homem, com virtudes e defeitos,
envolto na condição de ser humano, com as limitações
que a carne impõe a todo e qualquer Espírito, numa existência
que compreendeu provas, expiações e uma destacada missão,
sobretudo ensinando, na prática, o percurso que nos fará,
um dia, a nos assemelharmos a ele. E,
- Insistência numa (im)possível
natureza divina de Jesus, impondo-lhe uma existência
sisuda, compenetrada ao extremo, pesada (porque sabia, ele, desde
o princípio, que seria perseguido “em nome da Verdade”
e que padeceria todos os males que são, litúrgica ou
evangelicamente conhecidos – paixão, crucificação
e morte – escorada na culpa judaico-cristã que, além
do “pecado original” (cometido pelos lendários
Adão e Eva, símbolos igualmente míticos dos primeiros
exemplares da raça humana sobre este orbe), enquadraria a “perseguição”
e o assassinato do “Filho do Homem” como de responsabilidade
de toda a Humanidade. Culpa carregada por séculos e séculos,
amém, mas minorada pela “subserviência” aos
dogmas e às prescrições de comportamento estabelecidas
pelas Igrejas aos seus “fiéis”. Jesus, mesmo nas
reuniões espíritas costumeiras, ainda é um personagem
DISTANTE. Cria-se uma “aura” desnecessária em torno
do Mestre, como se ele, ao estar ENCARNADO, não tivesse circunstâncias
naturais, e seus comportamentos não fossem, em regra, aqueles
comuns aos homens daquele tempo. Jesus se alimentou, repousou, trabalhou,
se divertiu, teve momentos de lazer e contentamento, assim como de
tristeza e melancolia. Sendo assim, por que não teria ele vivenciado
as experiências comuns aos homens – sobretudo considerando
as condições do cenário de mais de dois mil anos
atrás e as limitações conjunturais da vida material
daqueles tempos primevos? Não teria discutido com aqueles que
não “concordavam” com ele (vide a descrição
evangélica do episódio da “expulsão dos
vendilhões do templo”? Não teria se decepcionado
com a falta de coragem e tenacidade dos seus amigos mais próximos,
repreendendo-os em muitas ocasiões (como na “pesca maravilhosa”
e no “momento de oração no Horto das Oliveiras)?
Não teria se enamorado por alguma moça, com predicados,
vivendo um amor sublime, mas enquadrado nas questões ainda
humano-corporais pertinentes a todos nós que habitamos neste
planeta, tendo se consorciado com tal mulher e tido, até mesmo,
uma prole? O que diminuiria a MISSÃO de Jesus o fato de ter,
verdadeiramente, amado alguém MAIS DO QUE OS OUTROS, seus irmãos
em Humanidade, a ponto de numa sociedade extremamente atrasada, preconceituosa
e machista, dado projeção, entre os doze que escolheu
para serem seus seguidores mais próximos, apóstolos,
discípulos, ela Myriam de Migdal (Maria Madalena), presença
marcante nos três anos de vida pública e exemplificativa
do Rabi? Quanto mais resgatarmos a proximidade do homem Yeshua
– a quem apelidamos carinhosamente de Magrão –
com as nossas condições humanas da atualidade, nossas
limitações e defeitos, assim como nossas virtudes e
esperanças, teremos muito maior facilidade de com ele nos identificarmos,
para, como ele mesmo nos exortou: “Na verdade, na verdade vos
digo que aquele que crê em mim também fará as
obras que eu faço, e as fará maiores do que estas”
(Jo; 14:12).
É fato que os espíritas, mais carolas,
evidentemente, mais afeiçoados a tradições, liturgias
e formações culturais-religiosas, se ESCANDALIZAM ante
a proposta HUMANIZADORA do Carpinteiro nascido em Belém. A aproximação,
por fatos ainda em nível de cogitação, já
que a Igreja cuidou de “eleger” suas narrativas oficiais
sobre a Vida de Jesus e destruir, pela Inquisição, qualquer
documento que não estivesse em sintonia com suas liturgias construídas
habilmente no curso dos séculos, pela ação inteligente
de muitos expoentes de seus quadros, alguns, até, reconhecidos
“doutores”, pode representar a tais religiosos espíritas,
uma BLASFÊMIA ou um MENOSPREZO da “missão divina”
daquele que chamam de Jesus Cristo.
Cristo, aliás, como personagem construído pela doutrina
da Igreja e cultuado séculos afora, corresponde a um “grau
de evolução”, o Crístico, expressão
utilizada por diversas seitas, muitas delas espiritualistas. Chamar
Jesus de Nazaré, o Yeshua, ou o Magrão, de Cristo é
o grande ERRO de Allan Kardec, e isto influenciou e continua influenciando
os espíritas em geral em reconhecerem, indevidamente, uma condição
surreal, metafísica, sobre-humana para o personagem, distanciando-o
de sua missão corporal e da nossa própria realidade.
Leia-se, a propósito, o próprio subtítulo/preâmbulo
de “O evangelho segundo o Espiritismo”, além de muitas
outras referências, seja de Kardec, seja dos autores de mensagens
mediúnicas. No primeiro, Kardec sucumbiu à “tentação”
de considerar o personagem da religião romana: “Contendo:
a explicação das máximas morais do Cristo, sua
concordância com o Espiritismo e sua aplicação às
diversas situações da vida”).
O erro crasso de Kardec, assim, consiste na invocação
de toda a “construção histórica” do
personagem mítico-mitológico Jesus Cristo, Ungido de Deus,
Verbo que se fez Carne, Cordeiro de Deus, e tantos outros associados,
alguém que NUNCA EXISTIU, não tem registros históricos
conhecidos e é a materialização das “predições”
também de natureza religiosa, do JUDAÍSMO e, depois do
CRISTIANISMO CONVERTIDO EM RELIGIÃO DO IMPÉRIO ROMANO,
oficial e obrigatória, com todos os “milagres”, “sacramentos”,
“mandamentos” e tudo o mais.
Este, meus amigos, não é o JESUS DO ESPIRITISMO.
Não é o Jesus, Espírito encarnado. Não é
o Jesus Guia, Modelo de Perfeição à Humanidade.
Não é o bebê que nos emociona por nascer DE NOVO,
todos os anos, na data fictícia de 25 de dezembro. Não
é o menino Jesus que nos alenta e acalenta, nos alegra e energiza,
nos completa e aproxima, nos infunde ânimo para sermos melhores
a cada dia…
O Jesus dos Espíritas Sensatos NÃO É
o Jesus “do” movimento espírita. Este último
é, infelizmente, ainda, o mito cristão, que traz em si
elementos que não agregam, mas afastam em relação
àqueles que não sejam seguidores de uma ou outra doutrina
ou religião. Um Jesus do “Cristianismo Redivivo”,
ou do “Consolador Prometido”, nem, tampouco do “Coração
do Mundo e da Pátria do Evangelho” que são expressões
que repetem os erros do passado, de povos ou instituições
que se julgaram acima das demais, porquanto segregacionistas, pedantes
e preconceituosas.
O Jesus que eu desejo homenagear e visitar, na manjedoura
do coração de cada amigo que eu encontrar nestes 24 e
25 de dezembro – e nos dias que os seguirem – é
o Jesus de uma proposta LIVRE, HUMANISTA, PROGRESSISTA, LAICA mas plena
de RELIGIOSIDADE ÍNTIMA, já que a verdadeira religião
é a do AMOR, incondicional, fraterno, total, dos homens pelos
homens, no mundo inteiro e no Universo das Encarnações…
Feliz Natal, então, não com o mito,
mas com o HOMEM JESUS!
Fonte: https://www.comkardec.net.br/quem-e-o-jesus-dos-espiritas-em-geral-por-marcelo-henrique/
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