Há algum tempo escrevi sobre o (então) maior acidente
aéreo ocorrido no Brasil, com 154 mortos, no vôo 1907,
da Gol Linhas Aéreas, que envolve a temática dos desencarnes
coletivos. Pois bem, agora, novamente, a opinião pública
brasileira (e internacional) vê-se às voltas com mais
um infeliz episódio: novo acidente aéreo, desta vez
com uma aeronave da TAM, que, segundo as últimas informações,
carregava 186 pessoas, entre passageiros e tripulantes. Como se não
bastasse, a colisão se deu com um prédio comercial da
empresa e estima-se o número de 300 vítimas fatais.
Para o Espiritismo, tais situações não são
“acidentais”, nem, tampouco, “obras do acaso”,
já que o único "acaso" aceito pela Doutrina
Espírita, é o inteligente. Não há, na
filosofia espírita, espaço para "sorte" ou
"azar", "ventura" ou "maldição",
e cada ser vive o que está contido na Lei de Causa e Efeito,
uma diretriz inteligente que, longe de ser absoluta e pré-determinada
(inafastável) para todas as circunstâncias, nos coloca
no ponto de partida e de chegada de todas as situações
que conosco ocorrem, nesta e em outras encarnações.
Mesmo considerando o chamado "planejamento encarnatório",
feito ainda no plano espiritual e com, em regra, nossa anuência,
o direito (inalienável) ao livre-arbítrio possibilita
a alteração do plano, em virtude de nossas escolhas
presentes. Podemos dizer, assim, que há "tendências",
"caminhos", "diretrizes", mas, no plano concreto,
somos nós quem tomamos as decisões, sempre. Também,
a presença de mentores espirituais (anjos de guarda ou protetores)
para cada um de nós, em missão de orientação
particular, em relação a cada espírito, e o que
chamamos de "intuição", "sexto sentido",
ou, "voz interior", é, na verdade, a sugestão
(não-indução) de alguém que "nos
quer bem" e que "deseja o nosso sucesso", para que
possamos tomar as "melhores" decisões, caso a caso.
O protetor, contudo, não interfere em nossas escolhas e, quando
resolvemos fazer "o que bem entendemos", ele se afasta,
momentaneamente, retornando após, para continuar a sua tarefa.
Catástrofes – naturais ou acidentais, como esta –
vitimam centenas ou milhares de pessoas e as imagens televisivas,
virtuais ou impressas nos mostram as tintas do drama de inúmeros
semelhantes, enquanto a população recolhe e chora seus
mortos.
Pela cátedra da filosofia espírita, entendemos a destruição
como uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos
(1), importando no aniquilamento da vida material, a interrupção
da atual experiência. Isto porque há as desencarnações
naturais, as provocadas e as violentas. As naturais decorrem do esgotamento
dos órgãos e representam o encerramento “programado”
das existências corporais, segundo a lei de causa e efeito e
o planejamento encarnatório do ser. As provocadas resultam
da ação humana no espectro da criminalidade e da agressividade
(assassínio, atentados, guerras). Por último, as violentas
encampam a ocorrência de catástrofes naturais (enchentes,
terremotos, maremotos, ciclones, erupções, desmoronamentos,
acidentes aéreos, automobilísticos, ferro ou aquaviários,
entre outros).
Em muitas das situações, o nexo causal entre a catástrofe
e a ação humana acha-se presente. Movido por interesses
mesquinhos e sem a adequada compreensão do conjunto (leia-se
a contemporânea preocupação com os ecossistemas,
a preservação do meio ambiente), os homens alteram a
composição geológica, com escavações,
desmatamentos, aterros e outros mais, e sua imprevidência acaba
gerando as ocorrências das mencionadas catástrofes “naturais”
(2). Também podemos mencionar aqui a situação
daqueles que, migrando de suas cidades para os grandes centros, habitam
os morros, nas periferias das metrópoles, e, sem a mínima
infra-estrutura, ficam à mercê das primeiras enxurradas,
que levam seus barracos, que fazem desmoronar enormes pedras, vitimando,
não-raro, diversas pessoas. Há, aí, um misto
entre o evento natural e a ação humana, como causa direta
do evento fatal (3).
Nos casos em que subsistem várias vítimas, seja em pequena,
média ou grave dimensão, entende-se que as faltas coletivamente
cometidas pelas pessoas (que retornam à vida material) são
expiadas solidariamente, em razão dos vínculos espirituais
entre elas existentes (4). Todavia, necessário
se torna qualificar a condição daqueles que, por comportamentos
na atual existência, possam sublimar as provas, alterando para
melhor o planejamento vital, garantindo a ampliação
de sua permanência no orbe, redefinindo aspectos relativos à
reparação de faltas e à construção
e realização de novas oportunidades. Eis um caminho
para explicar, por exemplo, a existência de sobreviventes (5).
Num cenário altamente doloroso como aquele decorrente das diversas
catástrofes já vistas neste Plano, como, então,
explicar a existência de alguns milagrosos sobreviventes, ante
os escombros, senão a condição de que tais espíritos,
ou não eram originariamente “devedores” para encaixar-se
no fatal resgate, ou conseguiram, com esforço e mérito
pessoais, inverter o ônus encarnatório, credenciando-se
à revisão de seu plano de vida, proporcionando uma outra
e posterior causa de retorno ao plano espiritual, em outro momento
mais oportuno (6).
A compreensão espírita, calcada no sério estudo
e na relação direta entre os fundamentos filosóficos
espíritas e o cotidiano do ser, na análise de tudo o
que lhe rodeia, permitem, assim, a desconsideração do
termo “fatalidade” como sendo algo relativo à desgraça,
ao destino imutável dos seres, pois o Espírito,
conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é
sempre senhor de ceder ou de resistir. Então, a palavra destino
também ganha um redesenho, para representar, tão-somente,
o mapa de probabilidades e ocorrências da existência corporal,
resultantes, em regra, das escolhas e adequações realizadas
anteriormente à nova vida, somadas às atitudes e aos
condicionantes do contexto atual, onde, com base no seu discernimento
e liberdade, continuará o rol de decisões que levarão
o ser aos caminhos diretamente proporcionais àquelas, colocando-o,
sempre, na condição de primeiro e principal responsável
por tudo o que lhe ocorra.
É verdadeiramente por isto que cognominamos o Espiritismo como
a “Doutrina da Responsabilidade”, porque se nos permite
a análise criteriosa de nossa relação direta
com fatos e acontecimentos da vida (material e espiritual).
Com a freqüência de tais “tragédias”,
um medo me ocorre: o de que nos “acostumemos” com isso,
tratando-as com “naturalidade”, ou, até, com certo
desdém, pela repetitividade. Do contrário, espero que
os cidadãos conscientes saibam protestar, bem como as autoridades
competentes atuarem corretiva e, depois, preventivamente, diminuindo
ao patamar mínimo o risco de novas ocorrências, erradicando,
se possível, as causas que possam levar a tais eventos infelizes.
Que a apatia e o comodismo não sejam, assim, motivo para “deixarmos
de lado” a responsabilização (perante a justiça
humana) daqueles que deram causa, direta ou indiretamente ao ocorrido,
já que sabemos pelas denúncias da imprensa e pela atuação
dos órgãos fiscalizadores, que o país deixou
de realizar importantes e necessários investimentos na nossa
“malha” aérea e, também, muitas empresas
sonegam impostos ou deixam de tomar medidas de segurança em
função dos altos custos e para aumentar sua lucratividade.
Por fim, ante tais eventos, que possamos, mesmo de longe, efetivar
por meio de vibrações e preces, o apoio às equipes
de espíritos socorristas, que encaminham as “vítimas”
do desencarne em massa, ao necessário e conseqüente despertar
no Novo Mundo, considerando, ainda, que o período de recuperação
espiritual daqueles que foram vitimados, em regra, é demorado
e doloroso. E que eles, despertos e recuperados das mazelas físico-espirituais,
possam compreender, novamente, que o curso da evolução
espiritual continua. Para eles, que voltaram, e para todos nós,
que ainda aqui estagiamos.
(*) Marcelo Henrique Pereira, Mestre
em Ciência Jurídica, Presidente da Associação
de Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina e Delegado da Confederação
Espírita Pan-Americana para a Grande Florianópolis (SC)