Em Defesa do Espiritismo
Houve um tempo em que se conheceu um homem cuja
motivação era a defesa incondicional dos postulados
espíritas.
Considerando que ele veio a conhecer
a Doutrina dos Espíritos na fase de mocidade, foram em torno
de quarenta anos, até o desencarne, de atuação
firme, segura e inspirada, na divulgação das obras de
Allan Kardec e na construção do pensamento filosófico
espírita. Esse homem era (é) Herculano Pires.
Não foram poucas as vezes em
que ele bradou contra as enxertias, as tentativas de adulteração,
as ações de grupos inescrupulosos que publicaram livros
tidos como espíritas, mas que apresentavam vícios de
origem, maculados por apresentarem ideias ou teorias totalmente disformes
e incompatíveis com o edifício espiritista.
Mesmo não possuindo mediunidade
ostensiva mas, apenas, a de inspiração, quando se associava
em pensamento às inteligências superiores desencarnadas
e produzia textos, livros, programas radiofônicos e palestras,
todos com o seu destacado e conhecido brilhantismo, nem por isso não
deixava de conhecer a fundo o fenômeno mediúnico, os
detalhes do intercâmbio entre “vivos” e “mortos”,
e a distinção entre a produção mediúnica
e a anímica, quando o médium se utilizava de nomes de
personalidades desencarnadas, reais ou fictícias, com designações
apócrifas ou apropriando-se da imagem de alguém que,
por já estar do outro lado da vida, não poderia se defender
da apropriação indébita de seu legado.
Noutros
Flancos
Ele também alertava, a partir de uma sólida formação
nas teses espíritas e da experimentação prática
em grupos familiares de espiritismo, sobre a pontual necessidade de
vigilância permanente, a fim de evitar que os médiuns,
por mais bem-intencionados e moralmente estruturados que fossem, não
sucumbissem ante o “canto da sereia” das manifestações
recheadas de aforismos e retóricas, cujo conteúdo seria
discutível e enganoso, apesar da forma aparentemente construída
para o engano dos distraídos ou pouco letrados em matéria
espiritista.
Herculano
Assim, por toda a sua trajetória espírita, manteve inabalável
zelo pela Doutrina dos Espíritos, e bradou contra qualquer
um que, encarnado ou desencarnado, agisse em desacordo com os princípios
kardecianos, independentemente do peso e da credibilidade que o agente
tivesse no meio espírita.
Lembremos que Allan Kardec não
se deixou seduzir nem pelas assinaturas de fama, nem pela bela plumagem,
com contornos e coloridos, das mensagens que lhe chegaram às
mãos ou que foram produzidas em sua presença.
À distância, no primeiro plano
O Codificador do Espiritismo não poderia estar ciente da fenomenologia
ocorrida, e a ausência de médiuns videntes, quando da
produção das páginas, seja espontâneas,
seja por evocação, não permitia, igualmente,
a delimitação da imagem perispiritual dos comunicantes.
Somente em situações específicas, Kardec obteve
a confirmação da identidade espiritual com recursos
medianímicos. Em todas as outras, valeu-se da lógica,
do bom senso e da técnica de exame e comparação,
a fundo, para identificar os traços personalísticos
das entidades espirituais que se manifestavam, assim como o conteúdo
e a sua vinculação (ou não) aos princípios
espiritistas.
Após a morte do pioneiro francês
O movimento que já havia mostrado sinais
de dissensão e personalismos vários, tornou-se ainda
mais difuso e pleno em rachaduras, decorrentes estas das intenções
e dos objetivos pessoais, e muito distantes da união que se
fazia necessária e constante, quando da coordenação
efetiva de Rivail nas reuniões e assembleias, assim como na
produção das edições de seus livros e
dos volumes da Revue Spirite, a ponto de ser formada uma nova instituição.
Como os homens defendem seus próprios
interesses, em pouco tempo a viúva e os colaboradores mais
diretos e confiáveis de Kardec foram sendo alijados dos processos
decisórios, e o legado genuinamente espírita, deixado
pelo professor lionês, foi sendo, aos poucos, ameaçado
e dilapidado.
De outro lado, os que buscavam, assim,
a satisfação de suas teses e preferências, muitos
dos quais adeptos de teorias totalmente contraditórias em relação
ao edifício espírita, não recuaram e produziram,
sob a inspiração dos cismas e das dissensões,
um crime que deixa sequelas até os dias hodiernos: a introdução
de alterações (adulterações) na obra mais
científica da Doutrina Espírita, o livro “A Gênese,
os milagres e as predições segundo o espiritismo”,
capazes de estigmatizar a obra, por patrocinar a malfadada tese que
havia, ao tempo de Kardec, sido defendida por um conterrâneo
seu, de Bordéus, acerca da natureza fluídica do corpo
(material) de Jesus de Nazaré: Jean-Baptiste Roustaing e a
sua obra, confusa e perturbada, “Os quatro evangelhos”.
Vale dizer, enquanto Kardec ouviu centenas de espíritos, com
comunicações mediúnicas utilizando número
similar de médiuns, insuspeitos, sob o apanágio do Controle
Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE), Roustaing se valeu
de um espírito e um médium, representando, de pronto
e por si só, a anulação do próprio método
de aferição das mensagens, ponto fundamental do processo
de composição da doutrina.
Como este grupo que se adonou do chamado
“Espiritismo”
Com a titularidade de direitos autorais sobre
as obras e a continuidade da produção da Revue, torna-se
necessário continuar investigando, como se fez em relação
à quinta e conspurcada edição de “A Gênese”,
para alcançar eventuais reedições ou republicações
de todos os livros de Kardec, após o desencarne deste, ou seja,
posteriores a março de 1869, sobre os volumes deste ano, de
maio a dezembro, os quais não foram escritos ou editados pelo
Codificador, assim como sobre “Obras Póstumas”
(publicada em janeiro de 1890, 21 anos, quase, da morte de Rivail).
As pesquisas, os estudos comparativos,
o exame de correspondências e documentos que, a partir de agora,
estão em nossa posse, graças ao esforço de vários
espíritas sinceros e o apoio logístico e instrumental
da Fundação Espírita André Luiz (FEAL),
que recentemente assumiu o acervo de Canuto de Abreu, o qual, por
sua vez, recebeu dos espíritas franceses os documentos originais
que foram resgatados e guardados, inclusive escapando da primeira
guerra mundial, irá nos permitir o resgate da autenticidade
do pensamento de Kardec e repelir, assim como se fez em relação
à “A Gênese”, as inverdades, os acréscimos,
as supressões e a violência contra o patrimônio
intelectual e ético do Codificador.
Causa assombro que esta mesma mediunidade, tão aferida
e tratada com acuidade por Kardec, continue a servir outros interesses
em pleno século XXI.
Mas, também, não se
trata de nenhuma novidade, porquanto ao desembarcar no Brasil, no
início do século passado, por iniciativa de Telles de
Menezes, que pouco conhecia e que não era um espírita,
mas um religioso católico, o Espiritismo em terras tupiniquins
tivesse, desde cedo, abandonado os critérios de avaliação
das produções medianímicas, para considerar válida
toda e qualquer mensagem “oriunda de Espíritos”,
confiando e valorizando, tão-somente, o “peso”
da assinatura aposta no texto, o “colorido” de caráter
moral da mensagem ou a (aparente) confiabilidade e “doçura”
do médium que a produziu.
Minimamente, os critérios de aferição
destacados em “O livro dos médiuns” e “O
que é o espiritismo”, assim como as sucessivas e complementares
orientações apresentadas por Kardec em obras como “Viagem
Espírita em 1862” e nos doze volumes da Revue, foram
totalmente abandonados e descartados pela religião espírita
brasileira, seus guias oficiais, seus médiuns intocáveis
e seus seguidores entusiasmados.
O maior médium em atividade em nosso país,
Divaldo Franco, acaba de produzir mensagem (colocada ao final deste
artigo) em que pontua, sob a assinatura de um espírita de escol,
cuja militância quando em vida (1874-1926) apresentou fatos
e atividades bastante relevantes por cerca de 30 anos (1896-1926),
em que se considera válida a aludida quinta edição
de “A Gênese”, afirmando, entre alguns elementos
de caráter histórico que não guardam relação
direta com a trajetória do Codificador e a produção
deste livro, que Kardec teria, ele mesmo, revisto o livro, descartado
a teoria que havia abraçado até então (acerca
da natureza material do corpo de Jesus de Nazaré, condição
inafastável da grandeza da missão que desempenhou em
vida e dos feitos que estão abordados em vários textos
da Codificação, inclusive em “O Evangelho segundo
o Espiritismo” e “O Céu e o Inferno”) para
afirmar, surpreendentemente: “Cuidada com carinho e examinada
zelosamente pelo seu autor, revista em alguns pontos necessitados
de maior clareza e atualidade, após a publicação
de 1868, antes de sua desencarnação, deixa
ilibada a obra, que é verdadeiro relicário de conforto
e de instruções perfeitamente compatíveis com
as leis então conhecidas” (nossas as marcações).
Um elemento preliminar, no entanto, merece
acurada apreciação de todo espírita sensato e
estudioso. Seria, mesmo, uma produção mediúnica?
Ou seria uma manifestação anímica do citado orador?
Isto porque já se conhece a posição da federativa
nacional acerca da “autenticidade kardeciana” da quinta
edição do livro em tela e, portanto, como há
uma ligação direta entre o personagem e a entidade,
poderíamos estar diante de uma mensagem produzida pela perspicácia
do primeiro e seu conhecimento das situações materiais
e institucionais, ainda que pudesse ter sido assistido (acompanhado)
por inteligências invisíveis, ainda que estas não
tivessem, de fato, assinado a missiva. Assunto, portanto, de política
institucional e não de filosofia doutrinária. Algo como
a defesa de uma posição que, sabe-se, está vinculada
à mantença do status quo diante, inclusive, da publicidade
da alteração do texto original de Kardec, por seus sucessores
“doutrinários”.
Que alterações seriam essas
Objeto da “revisão” tratada
pela entidade e assinada em conjunto com o médium? Não
outras, senão, mais de CEM alterações, entre
acréscimos e supressões, bastante significativas no
que se refere ao conteúdo doutrinário. Ao examinar-se,
em comparativo, as duas versões (a de Kardec, isto é,
a que está idêntica na forma entre as primeira, segunda,
terceira e quarta edições, e a que foi maciçamente
difundida no Brasil, a quinta, de autoria não suficientemente
clara, mas atribuída aos seguidores de Kardec, entre os quais,
Pierre-Gaëtan Leymarie e Armand Thèodore Desliens),
há a modificação de diversos conteúdos
que haviam sido diligentemente tratados por Kardec em volumes distintos
da Revue, os quais foram, pela pesquisa sistemática do Codificador,
confirmados segundo os “critérios espíritas”,
tornando-se, por assim dizer, integrantes do “corpo doutrinário
espírita”, alguns, até, responsáveis pela
produção, pela pena de Kardec, de alterações
em suas obras tidas como fundamentais.
Tal não aconteceu com “A
Gênese”, e a citada e “derradeira” edição,
a quinta, contém passagens com erros, inclusive doutrinários,
com a inserção de temas e abordagens inclusive de caráter
supersticioso, exatamente o oposto da natureza do trabalho do professor
francês.
Do conjunto de violências perpetradas em relação
à obra genuína de Rivail, há alterações
em TODOS os capítulos da obra e nos seguintes itens:
Capítulo I (itens 1, 2, 6,
9, 14, 16, 17, 18, 20, 24 a 26, 18, 29, 34, 36, 38, 42, 44 a 46, 52
a 54, 56, 59 e 60 a 62); Capítulo II (itens 2 a 8, 13, 14,
20, 22 a a 27, 29 e 32 a 34); Capítulo III (itens 2, 3, 5 a
10, 12, 13 a 15, e 17 a 24); Capítulo IV (itens 2, 3, 7 a 9,
e 13 a 17); Capítulo V (itens 2, 10 a 12 e 14); Capítulo
VI (itens 4, 5, 8 a 10, 15, 16, 19, 25, 17 a 30, 34, 38, 40, 47, 50,
51 e 58); Capítulo VII (itens 7, 10, 11, 18, 20, 21, 23, 25,
27, 28, 30, 31, 32, 36, 41, 44 a 47 e 49); Capítulo VIII (itens
2, 3 e 5 a 7); Capítulo IX (itens 2, 4, 5 a 8, 11, 13 e 15);
Capítulo X (itens 2, 4, 5, 7 a 9, 11, 13, 15, 18, 22, 23, 25
a 27 e 30); Capítulo XI (itens 1, 2, 3, 5, 10, 11, 16, 18,
20, 21, 23, 25, 26, 29 a 31, 33, 34, 39, 41 a 43 e 45 a 49); Capítulo
XII (itens 7 a 9, 12, 14 a 19, 21 e 23 a 25); Capítulo XIII
(itens 1, 2, 3, 15, 16 e 19); Capítulo XIV (itens 1, 2, 4,
6, 9, 10, 12 a 15, 17 a 20, 22, 28, 29, 31, 34, 35, 38 e 46); Capítulo
XV (itens 2, 4, 11, 15, 25, 28, 31, 34, 36, 40, 46, 47, 49, 52, 59,
62 e 67); Capítulo XVI (itens 4, 6 a 9, 11 e 15 a 17); Capítulo
XVII (itens 2, 21, 30, 32, 34, 37, 41, 42, 46, 49, 54, 55, 59, 60
e 67); e, finalmente, Capítulo XVIII (itens 2, 5, 6, 8 a 12,
14, 17 a 19, 23, 26 a 30 e 35).
Entre tais conteúdos estão
elementos fundamentais e principiológicos da Doutrina dos Espíritos,
entre os quais os seguintes temas: revelação espírita
(Capítulo I); Providência (Capítulo II); visão
de Deus (Capítulo II); destruição dos seres vivos
uns pelos outros (Capítulo III); doutrina dos anjos caídos
e da origem da raça adâmica (Capítulo XI); teoria
da presciência (Capítulo XVI); sinais dos tempos (Capítulo
XVIII); e a nova geração (Capítulo XVIII).
Isto sem falar na deplorável supressão do item 20, do
Capítulo XVIII, um dos mais importantes da Filosofia Espírita
porque é o que enfoca o considerável papel do espiritismo
na regeneração da Humanidade, item, aliás, também
confirmado pelo critério da concordância dos ensinos
dos espíritos, posto que incluso no volume de outubro de 1866,
da Revue.
Ainda assim, encontramos trechos voltados à satisfação
da incompreensível, inadequada e inoportuna tese de que o homem
Jesus, considerado como um dos avatares, um dos guias e modelos para
a Humanidade em marcha neste orbe, teria tido uma existência
fictícia, semimaterial, sob a contextura de um “corpo
fluídico”, ou seja, um agênere, tese, aliás,
que não é nova e não é de exclusividade
daquele advogado contemporâneo de Rivail, na obra já
citada. Séculos e séculos foram marcados pela apresentação
desta teoria, abjeta e detestável, sob todos os aspectos, estabelecendo
que os sofrimentos de natureza física, ao lado dos de caráter
moral, suportados pelo filho de José e Maria, nascido na Galileia,
teriam sido uma encenação, similares aos verificados
em inúmeras películas cinematográficas, com a
simulação de ferimentos e mortes, já que se trata
de personagens em histórias encenadas e gravadas.
Kardec, a esse respeito, no texto original (primeira à quarta
edição de “A Gênese”), mais especificamente
no Capítulo XV, que é o que versa sobre os milagres
do Evangelho, em que, na parte final se discute sobre o “desaparecimento
do corpo de Jesus”. Na obra publicada por Kardec, há
os itens 64 a 68, enquanto naquela que é tida como a quinta
edição, póstuma, temos os itens 64 a 67. O que
ocorreu foi que os que são responsáveis por esta última
edição (a quinta, adulterada) suprimiram o item 67,
que inicia deste modo: “Em que se transformou o corpo carnal?”
(tratando do corpo material de Jesus de Nazaré, portanto).
Os homens são consequência
de suas épocas e estas, as épocas, produzem os homens
conforme seus ideais e objetivos.
Na atual ambiência espírita
são visualizados, claramente, dois tipos de grupos espíritas:
o primeiro, majoritário, proeminente, escudado na existência
de um circuito de instituições, locais, regionais e
nacional, para quem, o Espiritismo é a “religião
de Deus”, o “cristianismo redivivo”, possuindo um
aspecto de identificação similar às religiões
existentes, embora, dizem, desprovidas dos elementos caracterizadores
das crenças, como a hierarquia, os dogmas e os sacramentos;
e o outro, minoritário, difuso, até mesmo desorganizado,
pela ausência de um “órgão central”,
que militam buscando resgatar o pensamento original de Kardec, ante
tantas incursões e acréscimos decorrentes das ideias
pessoais de homens, médiuns e espíritos, sem a preocupação
de observância e respeito aos postulados originais.
Os primeiros tudo admitem – ou, quase – dizendo que os
Espíritos continuam (o que é certo) a se comunicar com
a Humanidade por meio dos médiuns, mas não adotam qualquer
elemento de aferição da verdade e da pertinência
das comunicações, permitindo, assim, que inverdades
sejam incorporadas ao cenário e aos “costumes”
espíritas.
Os segundos são céticos, como Kardec o foi, e como Erasto
nos recomendou, sugerindo fraternalmente que deixássemos de
lado, até, uma ou outra verdade, mas que jamais aceitássemos
como verdadeira qualquer afirmação mentirosa.
Vejamos que Kardec pontua
Na própria Introdução
de “A Gênese” tal cuidado e tal mecanismo de aferição:
“O Livro dos Espíritos só viu seu crédito
se consolidar porque é a expressão de um pensamento
coletivo geral. Em abril de 1867 completou o seu primeiro
decênio. Nesse período, os princípios
fundamentais, a partir dos quais sua base foi formada, foram
sucessivamente completados e desenvolvidos em consequência do
ensino progressivo dos Espíritos. Nenhum foi desmentido
pela experiência. Todos, sem exceção,
têm permanecido de pé, mais vivos do que nunca,
enquanto todas as ideias contraditórias que tentaram lhe opor,
nenhuma prevaleceu, precisamente porque em todas as partes se ensinava
o contrário” (destacamos).
Não foi Allan Kardec que alterou “A Gênese”
para desfigurar o princípio da existência física,
material, de todos os Espíritos que encarnam. Inclusive Jesus
de Nazaré. Até a quarta edição, considerando
que da primeira até esta última, todas publicadas em
vida por Rivail, não houve qualquer alteração
– nem de forma nem de conteúdo – e estava, ali,
grafada a TEORIA DA NATUREZA CORPORAL MATERIAL DE JESUS”, somente
na quinta, póstuma, é que, dentre muitas alterações
sobrepostas àquela edição, foi inclusa a tese
– já rechaçada pelo Codificador quando em vida
– de que Jesus teria um corpo fluídico ou semimaterial.
E Kardec, ainda, finaliza na citada Introdução:
“Os mesmos escrúpulos,
tendo presidido à redação de nossas demais obras,
permitindo-nos, com absoluta verdade, dizer segundo o Espiritismo,
porque estamos seguros de sua conformidade com o ensino geral
dos Espíritos. O mesmo ocorre com esta obra
[“A Gênese”], que, por motivos semelhantes, podemos
apresentar como complemento das anteriores, com exceção,
porém de alguma teorias ainda hipotéticas, que tivemos
o cuidado indicar como tais, e que devem ser consideradas como opiniões
pessoais, até que sejam confirmadas ou contraditadas, a fim
de que não pese essa responsabilidade sobre a doutrina”
(sublinhados nossos).
Magistralmente
Assim, o Codificador reitera a natureza sistêmica da Doutrina
dos Espíritos e a impossibilidade de, numa obra posterior,
se ver descaracterizada a principiologia adotada na(s) anterior(es),
o que confere ao contexto de todas as obras editadas por Kardec como
“de conformidade com o ensino geral dos Espíritos”,
conforme ele mesmo no-lo disse. Não há, nos trechos
contidos na quinta edição, e que são contraditórios
e conflitantes tanto com a quarta edição, quanto com
o conteúdo das demais obras que têm a assinatura deste
luminar homem, qualquer afirmação quanto à natureza
hipotética em relação à introdução
da tese do corpo fluídico (na quinta edição,
póstuma) e, em assim sendo, a aposição destas
afirmações, pela dissensão em relação
aos demais textos e ao conjunto de informações sobre
a natureza do corpo material de Jesus, assim como os princípios
correlacionados aos elementos do Universo (Deus, Espírito e
Matéria) deve ser, de pronto, invalidada e combatida. O “corpo
doutrinário espírita” assim, prospera em relação
às adulterações que foram, infelizmente, introduzidas
em 1872.
Poderia, uma vez mais, o tribuno-médium
ter ficado silente, diante de polêmica injustificável.
Soa a hora dolorosa, cantou o galo três vezes e ainda há
os que preferem negar, a afirmar as verdades espirituais e espíritas.
Que prossigamos na defesa do legado kardeciano e que as novas gerações
recebam um “Espiritismo pacificado”, de vozes “segundo
o Espiritismo” e não a algaravia das dissonâncias
produzidas por homens ainda afetos e afeitos às suas próprias
conformidades e interesses particulares!
A MENSAGEM
A GÊNESE
O LIVRO DA SABEDORIA
Vianna de Carvalho (Espírito)
Em todas as épocas da Humanidade, celebrizaram-se as tradições
provindas do mundo espiritual, que posteriormente foram transformadas
em fontes vivas de inspiração, qual ocorre com os
livros famosos.
Desde os rolos de papiros às
tabuinhas, aos tijolos de barro e pedaços de madeira, bem
como às paredes de cavernas, gravaram-se os acontecimentos
e as experiências vividas que se transformaram em páginas
da fé religiosa, da ética, da guerra, da beleza, ao
mesmo tempo portadores de sabedoria, conforme o pensamento da época…
Fizeram-se verdadeiros guias para
o aformoseamento e a história das culturas dos povos e nações,
algumas das quais hoje desaparecidas ou que sobrevivem sob outras
condições.
Na Índia, o Vedanta
e outros narram as sagas heroicas dos deuses e dos homens que construíram
o mundo e o país.
No Egito, O livro dos mortos
é repositório de revelações a respeito
da imortalidade e dos deveres que são impostos aos homens
para a vida espiritual.
Na Grécia, os diálogos
de Platão e a Odisseia revelam princípios
éticos dos mais significativos.
Em Israel, o Velho Testamento, depois
a inclusão do Novo, que se apresentam como incomparáveis
modelos de histórias e narrações lendárias.
Na Pérsia, o Zoroastrismo
apresenta o Zend Avesta como a primeira revelação
do monoteísmo ético.
O Corão procura
renovar o pensamento cristão através de Mohamed e
sucedem-se, através dos tempos e especialmente na Idade Média,
obras de incomparável beleza, que servem até hoje
de condutores das criaturas humanas.
Santo Agostinho, anteriormente,
escreveu as suas Confissões, Dante Alighieri a sua
Divina comédia, também surgindo o Imitação
de Cristo, os Florilégios, de São Francisco,
a Minha vida, de Santa Tereza…
Mesmo na atualidade, apesar das técnicas
em que se apresenta, permanece o livro como o amigo mantenedor da
criatura humana nos mais diferentes acontecimentos existenciais.
Suas páginas, memórias
inapagáveis da época em que foram narradas, permanecem
convidando ao conhecimento e ao aprofundamento da cultura nos mais
diferentes ramos do pensamento.
O livro é o instrumento silencioso
e discreto que fala quando consultado e cala-se, aguardando outro
momento.
Uma civilização feliz
é aquela que se permite a educação dos hábitos
e costumes, traçando uma trajetória de beleza e de
progresso, que o livro nobre proporciona.
Sempre atual, a sua mensagem vibra
e motiva todos aqueles que lhe recorrem ao auxílio.
O Espiritismo não poderia
desconsiderar tão formidável instrumento para a divulgação
dos postulados da imortalidade.
Desde o início das informações
e esclarecimentos luminosos oferecidos pela fenomenologia mediúnica,
culmina a sua contribuição científica, moral
e intelectual com a publicação de A gênese,
os milagres e as predições segundo o espiritismo.
O Codificador encontrava-se amadurecido pelas experiências
e pesquisas, sentindo a necessidade de abordar palpitantes temas
da cultura terrestre.
A Teologia havia dominado as mentes
baseada em formulações filosóficas de homens
e mulheres notáveis, seja no Catolicismo ou no Protestantismo,
mas não conseguiu diminuir os conflitos existenciais e espirituais
que dominavam a Humanidade. Multiplicavam-se desaires e correntes
de pensamento díspares, quase todos firmados nas expressões
do materialismo, tornando as dúvidas e os sofismas as armas
culturais para aumentar a descrença que se assenhoreava das
mentes humanas.
A lógica e a razão,
no entanto, apresentavam-se nos laboratórios da investigação
da mediunidade e a revelação clara, sem artifícios,
ressumava de cada fato novo.
Nesse clima de afervorados debates, surgiu O livro dos espíritos,
e logo sucederam-se as demais obras da Codificação
Espírita com a sua força de bronze, eliminando as
superstições vigentes, especialmente nas religiões,
apoiando as conquistas da ciência, ao tempo em que propõem
a investigação para o multimilenar quesito da imortalidade
do ser e das suas experiências multifárias mediante
a reencarnação.
Os pseudocientistas de ocasião, sem
experiência de laboratório nem exame dos novos acontecimentos,
dão-lhe as costas e zombam, utilizando-se do velho comportamento
do desprezo por falta de argumentação capaz de enfrentar
a razão face a face.
Outros, mais apaixonados, apelam
para caducas teses de demonização, o que ainda mais
confirma a imortalidade, e pensam atacar os idealistas por ausência
de conhecimentos para rebater as ideias superiores em torno da vida
e da sua excelência.
Os velhos tabus dominantes são
vencidos pelo bom senso de Allan Kardec e pelas elucidações
espirituais dos Mentores da Humanidade. A ética do Evangelho,
sem dúvida a mais honorável, por dignificar o ser
humano, é apresentada por modelo de conduta para todos os
que sofrem, para quantos anelam por explicações libertadoras
da ignorância, instalando-se o período espírita
na cultura hodierna.
Outros complexos desafios, no entanto, permaneciam sob suspeita
e descréditos quando o mestre de Lyon publicou A gênese,
os milagres e as predições segundo o espiritismo,
referindo-se aos milagres de Jesus, às origens do Universo,
aos dias da Criação, às leis dos fluidos, assim
como ao futuro do planeta.
Cuidada com carinho e examinada zelosamente pelo seu autor, revista em alguns pontos necessitados de maior clareza e atualidade,
após a publicação de 1868,
antes da sua desencarnação, deixa ilibada a obra,
que é verdadeiro relicário de conforto e de instruções
perfeitamente compatíveis com as leis então conhecidas.
Cento e cinquenta anos após,
ainda permanece como um manancial de bênçãos,
orientando as multidões que se lhe abeiram e lhe penetram
as inexauríveis nascentes.
Quando os sofrimentos de vária origem esmagam a sociedade
contemporânea, essa obra de raro esplendor dá cumprimento
à determinação de Jesus sobre o Consolador
e proporciona a certeza inabalável sobre a indestrutibilidade
da vida e da sua fatalidade na conquista da plenitude.