Há sempre a possibilidade da existência de mais
de uma verdade: a que enxergamos, a que o outro enxerga e
a realidade.
Referida circunstância – que pode se repetir à
exaustão no cotidiano da vida – reflete a individualidade
e a liberdade de opinião e de crença (que,
neste caso, não tem a ver com religiosidade, mas reflete aquilo
em que acreditamos). Quanto mais nos dispomos ao diálogo, mais
enfrentaremos a dualidade de posicionamentos e, neste sentido, muito
mais perto estaremos de possíveis conflitos. Quando os conflitos
são administráveis e permanecem no campo das idéias,
é uma excelente oportunidade para a revisão de conceitos,
a comparação entre nossos mitos de verdade e os dos
outros e, neste sentido, o progresso no entendimento de fatos e acontecimentos
da vida é a decorrência natural e possível. Do
contrário, quando nos enveredamos pelo simples desejo de convencer
e subjugar os outros, pela pressão em aceitar nossas idéias,
podemos estar diante de situações mais graves, onde
os riscos (à própria continuidade da convivência
ou à segurança, à integridade física e,
até, à vida) podem tornar-se relevantes.
Grande parte das lides que ganham corpo em nossos Tribunais decorre
da impossibilidade de conciliação entre pessoas, instituições
ou entre umas e outras. O culto exacerbado à individualidade
e a ausência do efetivo respeito ao contexto do outro, suas
ideologias e posicionamentos podem ser apontados como causas do aumento
dos conflitos.
A história da Humanidade tem sido permeada pela presença
de pensadores que, não obstante possuírem um conhecimento
diferenciado e ocuparem um degrau acima em termos de sabedoria e visão
de conjunto, acenavam com a humildade na postura e com a lição
da tolerância para com os outros, exortando à conciliação
baseada no diálogo e na cessão de pontos de vista e,
até, de direitos. A diretriz, útil e necessária
para muitas situações, seria, na cátedra destas
luminares consciências, ceder para, quem sabe, ganhar mais à
frente.
Com relativa demora, a Justiça contemporânea tem se inspirado
em tais parâmetros para conceber sistemas e alternativas jurídico-processuais
para, sempre que possível, evitar o desgaste que o embate direto
e a extensão e continuidade temporal causam às partes,
e ao próprio conjunto julgador. Neste sentido, a atuação
precisa e decisiva do juiz na presidência do processo pode desencadear
bons resultados, tanto no aspecto de acordos em si, quanto na substantiva
diminuição das demandas, cada vez mais numerosas, estrangulando
o sistema.
Contudo, não podemos e não devemos esperar apenas dos
poderes constituídos o esforço construtivo desta nova
mentalidade. “Na rua, na chuva, na fazenda”, como diz
o poeta, isto é, no cotidiano das relações interpessoais,
possamos nos investir da coragem e da iniciativa para resolver as
divergências naturais, presentes no bojo da vida. Neste novo
cenário, que há de se instaurar, pouco a pouco, advogados
e demais operadores jurídicos deverão concentrar seus
esforços e sua atuação não mais na resolução
de conflitos egressos de fatos pretéritos, mas na orientação
prévia para o bom convívio e o respeito ao Direito.
Afinal, vale o adágio: “prevenir é (sempre) melhor
que remediar”.