Em algumas exposições
e palestras, uso, constantemente este conceito: cada um de nós
somos os atores principais no cenário de nossas vidas. A expressão,
por si só bastante representativa, que remonta à atividade
artística de representação, ganha outro contorno
quando aplicada à existência espiritual, ou, à
vida real. O palco é cada uma das encarnações
e as cenas ocorrem em distintos locais, em que nosso concurso seja
necessário: família, trabalho, estudo, vizinhança,
lazer, ambientes públicos ou privados, veículos de transporte,
ruas...
Digo isto porque, em verdade, percebo uma relativa aura de pessimismo
ou de "conformismo" em grande parte do público que
acorre às instituições espíritas, seja
pelas questões inerentes ao cotidiano, seja pelos problemas
ou dificuldades existenciais que todos (repito, todos) temos. Em parte,
vejo responsabilidade dos espíritas (dirigentes e divulgadores)
que, em sua maioria, tecem a pedagogia da dor, que é cunhada
como "uma das formas de evolução", e, na crônica
espírita, associa-se ao amor como opções possíveis
para o desenvolvimento espiritual. Creio, particularmente, que a "apologia"
do sofrimento como "caminho" é resultante, tanto
de nossas peregrinações espirituais sob a tutela de
outras filosofias ou religiões, que atemorizam ou apregoam
castigos e penas (presentes e/ou futuros), quanto da própria
circunstância da ambiência brasileira, resultado de uma
colorida miscigenação e pluralidade sócio-étnico-religiosa,
que abre espaço para a adoção de conceitos e
crenças particulares, que se somam aos fundamentos espiritistas.
Há, inclusive, muita discussão, no meio e nos veículos
de divulgação espíritas, sobre as chamadas "correntes"
de pensamento, mais ou menos influentes e com quantitativo variável
de adesões e seguidores.
Assim sendo, muitos freqüentadores de centros já "entram"
na reunião com aquele aspecto sofrido (e sofrível),
cabisbaixos, semblante sisudo, como se carregassem em seus ombros
"todos os problemas do mundo". Sentam e permanecem, quase
sempre, em silêncio (medidativo?), na espera no início
dos trabalhos. Quando principia a exposição, em numerosas
vezes, o tom de advertência ou de "recomendação"
de algumas abordagens continua a sobrecarregar nossos companheiros
ouvintes, que lamentam sua (ainda) atrasada condição,
sonhando pelos dias futuros de mundos mais adiantados – a visão
do "paraíso", naquele momento. São convidados,
assim, a "amar" (tolerar, ter paciência, perseverança,
confiança no porvir, etc.) os sofrimentos, ou a sua própria
condição existencial.
Muitos adeptos do espiritismo, assim, assumem "confortavelmente"
a posição de "coitadinhos", de alguém
que está aqui, neste mundo (o "vale de lágrimas")
quase totalmente vinculado à reparação dos erros
"passados", os débitos que programou, antes de reencarnar,
para saldar. Esquecemo-nos, em verdade, da própria dinâmica
da vida, com seus contornos peculiares e progressivos, que altera
(em função de nossa liberdade de escolha, e a atitude
que dela deriva) substancialmente os meandros e as contingências
de nossa atual peregrinação corporal. Nada, absolutamente,
está tão predeterminado que não seja, por nós,
consciencial e voluntariamente, modificado (principalmente, para melhor).
Devolver às criaturas esta maravilhosa "ferramenta"
que é a disposição para a mudança, alinhavada
ao direito (inalienável, inafastável e insubstituível)
de escolha é o grande diferencial da Doutrina Espírita
em relação às demais interpretações
filosófico-morais disponíveis. A ciência espírita
aplicada, por sua vez, consegue decifrar os principais enigmas de
nossa existência, colocando-nos, deste modo, no devido lugar
que temos, cada um, indistintamente e, como somatório, o conjunto
social, que é o de contribuir decisivamente, primeiro em nossa
própria superação e adiantamento espiritual,
e, na seqüência, como somatório das individualidades
despertas e conscientes, a progressão da coletividade planetária.
O que sobressai, em mais esta temporada, no palco
da matéria, é que está em cartaz
a vivência oportuna dos Josés, das Marias, dos Marcelos,
em novos figurinos, mas fazendo transparecer nas
performances do dia-a-dia, os caracteres verdadeiros
que marcam aqueles que encenam suas próprias
histórias, em cenários distintos: o
Espírito, individualidade inteligente, o filho pródigo
da Criação.