24/12/2014
Natal, é Natal, novamente...
A cada ano que passa, vejo repetidas as formulações
de desejos que são repartidos pelas pessoas, seja as que já
se conhecem, seja um transeunte ou alguém nos supermercados
ou lojas da vida. Evidente que o “espírito natalino”
contagia a todos (ou quase) e as pessoas se enchem de bons sentimentos
e intenções – embora, nem sempre, no trânsito
ou nas filas, isso seja materializado.
Enfim, é Natal... E como é o “Natal dos Espíritas”?
Qual é o entendimento dos espíritas sobre o personagem
Jesus? O que se diz dele? Em que se acredita? Que papel tem esse Jesus
na vida daqueles que aceitam, professam, seguem o Espiritismo?
Majoritariamente, os espiritistas
ainda não se libertaram do Mito Jesus Cristo. A construção
filosófica, pedagógica e personalista da Igreja Católica
Apostólica Romana ainda é muito evidente e marcante
entre os espíritas. O indivíduo Jesus, assim, tem traços
e contornos ainda fortemente religiosos, em torno de um personagem
que contém muito misticismo e sobre o qual se erigem teorias
que fundamentam dogmas e sacramentos pertinentes àquela Igreja.
Como, marcantemente, o pensamento cristão do Ocidente, expresso
em “n” igrejas ou seitas é derivado da composição
originária ditada pela Cúria Romana, desde que ela foi
oficializada pelo Império Romano, as explicações
e informações sobre Jesus, o Cristo de Deus, guardam
bastante sintonia ou sinergia.
E os espíritas, ainda bastante impregnados por este caldo cultural
e pela “boca torta do cachimbo” (consideradas a atual
existência e as anteriores, neste Planeta, em face das incursões
da grande maioria de nós em movimentos religiosos ditos cristãos),
acabam repetindo – mesmo que inconscientemente – suas
“crenças” acerca daquele Carpinteiro de Nazaré.
Vamos aos erros mais comuns:
1) Jesus seria o Filho de Deus. Filho
único, em termos de qualificação de sua posição,
“sentado à direita do Pai”. Mas, como se “crê”
que ele, Jesus, é nosso irmão, somos ou não,
todos, filhos de um mesmo pai, Deus? Somos, mas... E aí os
espíritas gaguejam, porquanto ainda consideram como pontual
a (grande) diferença evolutiva que há entre ele e nós.
Um filho com “precedências”, “vantagens”,
“regalias”... Mais simples seria dizer, com anteparo na
própria Filosofia Espírita, que a ascendência
notória e característica de Jesus se dá em virtude
de todo um passado de várias existências, a partir de
sua criação idêntica a nossa, como Espírito
simples e ignorante, mas avançando pelos próprios méritos,
para se credenciar como um dos Avatares/Guias/Modelos que a Humanidade
(deste Planeta e a de outros, de todos os matizes) têm conhecido
em suas trajetórias ascensionais.
2) Jesus foi concebido por um “milagre” e sua mãe,
Maria (Myriam) de Nazaré permaneceu virgem. E a fábula
muito bonita da “Anunciação” (lembro, aqui,
da música de Alceu Valença – “tu vens, tu
vens, eu já escuto os teus sinais”, ou, ainda, mais liturgicamente,
“A voz do anjo sussurrou no meu ouvido, Eu não duvido,
já escuto os teus sinais; que tu virias numa manhã de
domingo, eu te anuncio nos sinos das catedrais”). E há
quem repita, nas tribunas espíritas, até emocionadamente,
“Mãe Santíssima”, “Maria, Mãe
de Deus” e “Imaculada”, para adjetivar a genitora
do homem-rabi, decorrente a gestação de uma circunstância
física, material, natural, uma gravidez resultante de conjunção
carnal (ato sexual), cuja existência se dignifica, e não,
miticamente, se traveste em fantasia e absurdo.
3) Dúvidas sobre a condição corporal de Jesus,
que não teria, segundo dizem muitos, condições
de suportar, fisicamente, as macerações que seu corpo
sofrera, no episódio de sua prisão, julgamento, paixão
e crucificação. Daí a “facilidade”
em aceitar a natureza não-humana, não-corporal-material
de Jesus, tal qual consta da teoria docetista do advogado francês,
contemporâneo de Kardec, J.B.-Roustaing, que apresenta-nos um
Jesus agênere, de corpo fluídico, apenas “materializado”
na Terra para cumprimento de uma “missão sublime”.
Um Jesus “aparente”, tido, pelos espíritas daqui
e de alhures, como ESPÍRITO PURO (dentro da classificação
contida em “O livro dos espíritos”, na Escala Espírita).
Dentre os qualificativos dos Espíritos que se encontram na
PRIMEIRA ORDEM e CLASSE ÚNICA (questões 112 e 113 da
obra citada), tem-se: “Tendo alcançado a soma de perfeição
de que é suscetível a criatura, não têm
mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando
mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis,
realizam a vida eterna no seio de Deus”, conforme nossos grifos.
Do contrário, considerando o conjunto de informações
contidas em toda a Codificação e, só para ficar
enquadrado o contido na obra em comento, a primeira de Kardec, a pioneira,
temos no item 111, que traz as características dos Espíritos
da SEGUNDA ORDEM e SEGUNDA CLASSE, “Quando, por exceção,
encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso
e então nos oferecem o tipo da perfeição que
a Humanidade pode aspirar neste mundo”. Texto que, aliás,
é corroborado pelo contido em outra questão, a de número
625, quando os Espíritos respondem a Kardec quando perguntados
sobre que espíritos seriam considerados guias e modelos para
os homens terrenos: “Vede Jesus”. Adiantadíssimos,
mas ainda não na condição de plenitude fina,
espíritos do quilate do homem-carpinteiro-pescador-de-homens
estariam na condição de superioridade (mas não
ainda de perfeição), tendo sido submetidos a uma vida
material (encarnação) com a missão de serem o
tipo de espiritualidade possível à Humanidade aspirar,
neste orbe.
4) Insistência numa (im)possível natureza divina de Jesus,
impondo-lhe uma existência sisuda, compenetrada ao extremo,
pesada (porque sabia, ele, desde o princípio, que seria perseguido
“em nome da Verdade” e que padeceria todos os males que
são, litúrgica ou evangelicamente conhecidos –
paixão, crucificação e morte – escorada
na culpa judaico-cristã que, além do “pecado original”
(cometido pelos lendários Adão e Eva, símbolos
igualmente míticos dos primeiros exemplares da raça
humana sobre este orbe), enquadraria a “perseguição”
e o assassinato do “Filho do Homem” como de responsabilidade
de toda a Humanidade. Culpa carregada por séculos e séculos,
amém, mas minorada pela “subserviência” aos
dogmas e às prescrições de comportamento estabelecidas
pelas Igrejas aos seus “fiéis”. Jesus, mesmo nas
reuniões espíritas costumeiras, ainda é um personagem
DISTANTE. Cria-se uma “aura” desnecessária em torno
do Mestre, como se ele, ao estar ENCARNADO, não tivesse circunstâncias
naturais, e seus comportamentos não fossem, em regra, aqueles
comuns aos homens daquele tempo. Jesus se alimentou, repousou, trabalhou,
se divertiu, teve momentos de lazer e contentamento, assim como de
tristeza e melancolia. Sendo assim, por que não teria ele vivenciado
as experiências comuns aos homens – sobretudo considerando
as condições do cenário de mais de dois mil anos
atrás e as limitações conjunturais da vida material
daqueles tempos primevos? Não teria discutido com aqueles que
não “concordavam” com ele (vide a descrição
evangélica do episódio da “expulsão dos
vendilhões do templo”? Não teria se decepcionado
com a falta de coragem e tenacidade dos seus amigos mais próximos,
repreendendo-os em muitas ocasiões (como na “pesca maravilhosa”
e no “momento de oração no Horto das Oliveiras)?
Não teria se enamorado por alguma moça, com predicados,
vivendo um amor sublime, mas enquadrado nas questões ainda
humano-corporais pertinentes a todos nós que habitamos neste
planeta, tendo se consorciado com tal mulher e tido, até mesmo,
uma prole? O que diminuiria a MISSÃO de Jesus o fato de ter,
verdadeiramente, amado alguém MAIS DO QUE OS OUTROS, seus irmãos
em Humanidade, a ponto de numa sociedade extremamente atrasada, preconceituosa
e machista, dado projeção, entre os doze que escolheu
para serem seus seguidores mais próximos, apóstolos,
discípulos, ela Myriam de Migdal (Maria Madalena), presença
marcante nos três anos de vida pública e exemplificativa
do Rabi?
É fato que os espíritas, mais carolas, evidentemente,
mais afeiçoados a tradições, liturgias e formações
culturais-religiosas, se ESCANDALIZAM ante a proposta HUMANIZADORA
do Carpinteiro nascido em Belém. A aproximação,
por fatos ainda em nível de cogitação, já
que a Igreja cuidou de “eleger” suas narrativas oficiais
sobre a Vida de Jesus e destruir, pela Inquisição, qualquer
documento que não estivesse em sintonia com suas liturgias
construídas habilmente no curso dos séculos, pela ação
inteligente de muitos expoentes de seus quadros, alguns, até,
reconhecidos “doutores”, pode representar a tais religiosos
espíritas, uma BLASFÊMIA ou um MENOSPREZO da “missão
divina” daquele que chamam de Jesus Cristo.
Cristo, aliás, como personagem construído pela doutrina
da Igreja e cultuado séculos afora, corresponde a um “grau
de evolução”, o Crístico, expressão
utilizada por diversas seitas, muitas delas espiritualistas. Cristo
é o grande ERRO de Allan Kardec (leia-se, a propósito,
no preâmbulo de “O evangelho segundo o espiritismo”
– mas, também, por toda essa obra – o subtítulo
cunhado pelo Codificador: “Contendo: a explicação
das máximas morais do Cristo, sua concordância com o
Espiritismo e sua aplicação às diversas situações
da vida”). Erro crasso de Kardec, porque invocou toda a “construção
histórica” do personagem mítico-mitológico
Jesus Cristo, Ungido de Deus, Verbo que se fez Carne, Cordeiro de
Deus, e tantos outros associados, alguém que NUNCA EXISTIU,
não tem registros históricos conhecidos e é a
materialização das “predições”
também de natureza religiosa, do JUDAÍSMO e, depois
do CRISTIANISMO CONVERTIDO EM RELIGIÃO DO IMPÉRIO ROMANO,
oficial e obrigatória, com todos os “milagres”,
“sacramentos”, “mandamentos” e tudo o mais.
Este, meus amigos, não é o JESUS DO ESPIRITISMO. Não
é o Jesus espírito encarnado. Não é o
Jesus Guia, Modelo de Perfeição à Humanidade.
Não é o bebê que nos emociona por nascer DE NOVO,
todos os anos na data fictícia de 25 de dezembro. Não
é o menino Jesus que nos alenta e acalenta, nos alegra e energiza,
nos completa e aproxima, nos infunde ânimo para sermos melhores
a cada dia...
O Jesus dos Espíritas Sensatos NÃO É o Jesus
“do” movimento espírita. Este último é,
infelizmente, ainda, o mito cristão, que traz em si elementos
que não agregam, mas afastam em relação àqueles
que não sejam seguidores de uma ou outra doutrina ou religião.
Um Jesus do “Cristianismo Redivivo”, ou do “Consolador
Prometido”, nem, tampouco do “Coração do
Mundo e da Pátria do Evangelho” que são expressões
que repetem os erros do passado, de povos ou instituições
que se julgaram acima das demais, porquanto segregacionistas, pedantes
e preconceituosas.
O Jesus que eu desejo homenagear e visitar, na manjedoura do coração
de cada amigo que eu encontrar nestes 24 e 25 de dezembro –
e nos dias que os seguirem – é o de uma proposta LIVRE,
HUMANISTA, PROGRESSISTA, LAICA mas plena de RELIGIOSIDADE ÍNTIMA,
já que a verdadeira religião é a do AMOR, incondicional,
fraterno, total, dos homens pelos homens, no mundo inteiro e no Universo
das Encarnações...
Feliz Natal com o HOMEM JESUS!