Em comemoração
aos 12 anos do GEAE
Aula 13 :
O Espiritismo e a Universidade
O Espiritismo é a única doutrina espiritualista que
não foi desenvolvida unicamente a partir dos esforços
intelectuais de uma única pessoa ou único grupo de
pessoas. Ele representa o ensinamento dos Espíritos, seres
humanos despojados do corpo físico, que além de descortinarem
um mundo espiritual além dos limites da matéria, eles
próprios apresentaram as leis que o regem. O Espiritismo
não representa o mérito de um único Espírito
pois por mais inteligente e evoluído que fosse, jamais forneceria
as experiências que o conjunto de Espíritos, com maior
ou menor grau evolutivo, poderia dar. Essa é uma característica
muito especial pois se porventura todos os livros espíritas
fossem destruídos, os Espíritos poderiam se comunicar
novamente transmitindo suas mensagens aos homens.
Mesmo sabendo que a autoria do Espiritismo
pertence aos Espíritos, sabemos que eles não poderiam
tê-la materializado sozinhos. Eles precisaram da uma mente
sensata para o trabalho de codificação do Espiritismo.
Coube ao nosso irmão Allan Kardec, de reconhecida altura
moral e intelectual, o trabalho de receber as informações
dos Espíritos, analisá-las e deduzir as leis que regem
o mundo espiritual, construindo a Doutrina Espírita que é
o nosso porto seguro no estudo das verdades espirituais. A formação
de Kardec como educador levou-o a escrever a Doutrina Espírita
de modo bastante didático, facilitando o estudo de cada pessoa
interessada independente do grau de instrução.
Curiosamente, os Espíritos
superiores não desejaram aproveitar o prestígio que
o sobrenome Rivail detinha como educador e cientista, junto às
academias de Ciência da sua época. Eles sugeriram que
Rivail se utilizasse de um nome usado por ele em outra encarnação,
para então assinar as obras da codificação:
Allan Kardec. Esse fato é muito importante pois revela que
os Espíritos superiores não tiveram a intenção
do Espiritismo nascer como uma disciplina científica, no
interior das cátedras, com o brilho e o respeito análogos
aos das teorias modernas da época. Quiseram os Espíritos
que o Espiritismo nascesse como uma humilde porém verdadeira
doutrina destinada a todas as pessoas sem distinção,
que não estivesse circunscrita a um meio social em especial
e que não fosse privilégio de alguns poucos iniciados
no campo da Ciência e da Filosofia. Os Espíritos desejaram
(e desejam ainda) que as pessoas busquem conhecer o Espiritismo
não pelo prestígio pessoal de Rivail, mas pelo simples
e sincero interesse pelo assunto.
Estamos dizendo isso pois o Movimento
Espírita já a mais de 10 anos [1]
vém discutindo as possíveis relações
entre o Espiritismo e a instituição conhecida como
Universidade. Alguns companheiros defendem a inserção
do Espiritismo na Universidade como disciplina científica
e tópico de pesquisa chegando ao ponto de acreditarem ser
esse o único caminho para o progresso do Espiritismo [2],
enquanto que outros, sem discordarem de modo absoluto, levantam
questionamentos e analisam algumas consequências dessa idéia
[1].
Nesta aula, analisaremos a necessidade
do Espiritismo se inserir nos meios acadêmicos como condição
de sobrevivência e, em seguida, comentaremos a respeito de
algumas características ideais que uma Universidade Espírita
deve satisfazer, ao nosso ver, para cumprir de modo eficiente o
papel que a sociedade espera de uma instituição desse
porte. Os comentários a seguir foram tirados de alguns trabalhos
de nossa autoria sobre o assunto, publicados na literatura espírita
[3-7].
A sobrevivência do
Espiritismo e do Movimento Espírita não depende da
Universidade abrigá-lo como teoria acadêmica ou tópico
de pesquisa. A sobrevivência do Espiritismo
depende exclusivamente do Movimento Espírita, de
como ele trabalha a divulgação e a prática
dos conceitos e ensinamentos doutrinários (vide o Editorial
deste Boletim). Aliás, assim se expressou Leon Denis
na introdução do livro No Invisível:
“O Espiritismo será o que o fizerem dele os homens”.
Individualmente, a sobrevivência do Espiritismo depende de
nosso esforço no estudo e na prática da Doutrina Espírita
em pleno acordo com os ensinamentos cristãos. Podemos acrescentar
ainda que a sobrevivência do Espiritismo depende da recomendação
do Espírito de Verdade presente no ítem 5 do Cap.
VI de O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Espíritas!
amai-vos, este o primeiro mandamento; instruí-vos, este o
segundo”. Se soubermos nos amar uns aos outros (respeitando
nossas diferenças e limitações) e nos mantermos
sempre estudando (Jesus: “conhecereis
a verdade e ela vos libertará” JO 8,32), toda
atividade que iniciarmos em nome do Espiritismo progridirá
tendo o apoio dos bons Espíritos.
Se a inserção do Espiritismo
na Universidade não é condição necessária
para sua sobrevivência, isso não significa que não
pode haver benefícios decorrentes dessa inserção.
Entretanto, qualquer projeto de inserção do Espiritismo
na Universidade não poderá prescindir das recomendações
do Espírito de Verdade de modo que o projeto esteja completo
sem o risco de desvirtuar-se em seus objetivos mais nobres. Assim,
antes de querermos ver tópicos espíritas divulgados
nas paredes e corredores dos institutos e faculdades, devemos nos
preocupar com nossa postura cristã perante nós mesmos
e os colegas de trabalho. Sendo o meio acadêmico
um local em que o orgulho encontra terra fértil para se desenvolver,
como nós espíritas que estudamos ou trabalhamos em
uma Universidade estamos nos portando com relação
aos outros? Como nos sentimos quando nossos colegas obtém
sucesso, destaque e prêmiações enquanto nosso
trabalho caminha sem muita valorização? Como agimos
perante os servidores de funções mais simples dentro
da instituição que nos emprega? É certo que
nos sentimos honrados ao sabermos da existência de mais uma
tese espírita bem sucedida. Porém, tão importante
ou mais, é ter a certeza de que o recém formado mestre
ou doutor se esforçou por pautar seus atos pelos ensinamentos
cristãos iluminados pelo Espiritismo. É certo que
sentimos muita satisfação ao ter notícias sobre
a publicação de artigos espíritas em revistas
científicas, mas não devemos nos esquecer da alegria
de nos sentirmos em esforço por nossa reforma íntima,
muito mais necessária ao nosso aprimoramento do que o artigo
científico. Não achamos que é errado buscar
alargar os limites de divulgação do Espiritismo para
além dos livros e periódicos espíritas. Mas
a inserção do Espiritismo na Universidade,
assim como qualquer projeto espírita perante a sociedade,
deve ser completa e não ocorrer apenas sob o aspecto intelectual.
Aqui vale um importante comentário.
O jovem espírita, estudante universitário, que deseja
iniciar os estudos de pós-graduação, não
deve, ao nosso ver, se sentir pressionado a realizar um projeto
de pesquisa espírita. Sabemos do sucesso de alguns companheiros
espíritas com teses ligadas ao Espiritismo, como a tese de
Doutoramento na área de Educação da Dra. Dora
Incontri [8]; na área de Psiquiatria
do Dr. Alexander de Almeida [9] e de mestrado na área de
Literatura de Alexandre Caroli Rocha [10] (ver Ref. [11]
para conhecer uma lista de teses espíritas já realizadas).
No entanto, isso não justifica nenhuma ansiedade ou precipitação
em tentar realizar projetos de mestrado ou doutorado sem o apoio
de um bom orientador, sem a preparação de um bom projeto
em que as motivações, o cronograma de atividades e
os objetivos previstos sejam bem analisados e descritos. Se um estudante
espírita encontrar essas condições para a realização
de seu curso de pós-graduação e tiver vontade
de fazê-lo, certamente que ele terá o apoio não
somente do Movimento Espírita mas também dos bons
Espíritos. Mas se alguma dessas condições não
puder ser satisfeita, é preferível adiar o ideal e
realizar um bom mestrado ou doutorado em um assunto acadêmico
usual, do que arriscar-se num projeto mal preparado e perder a chance
de se formar de modo satisfatório. Ninguém deve achar
que é falta de coragem moral realizar projetos de mestrado
ou doutorado em outros assuntos que não envolvem o Espiritismo.
O fato de uma tese ser espírita não torna os seus
autores pessoas especiais e melhores que os outros assim como o
fato de um projeto não ser espírita não torna
o seu autor menos especial do que ninguém. Muitas vezes,
uma boa tese em assunto não-espírita pode levar o
seu autor(a) a conquistar oportunidades profissionais em posições
de grande destaque acadêmico onde, como espírita, ele
ou ela poderá fazer muito pela divulgação do
Espiritismo.
Se a inserção
do Espiritismo na Universidade é assunto que merece ainda
muita discussão, a idéia de uma Universidade com adjetivo
espírita é algo ainda mais delicado. Por
exemplo, o que diríamos de um Hospital Espírita que
oferecesse apenas água fluidificada e passes no tratamento
aos necessitados, doentes e acidentados? Diríamos não
se tratar de um Hospital e que no máximo seria uma Casa Espírita.
Para que uma instituição seja um Hospital, é
necessário que ela tenha tudo o que a sociedade prevê
em suas leis para a existência e funcionamento de um Hospital,
como médicos, enfermeiros, prédios adequados, equipamentos
variados, etc. Da mesma forma, o que diríamos de uma Universidade
Espírita que não satisfazesse tudo o que a sociedade
espera de uma Universidade? A sociedade já conta com algumas
instituições de ensino superior espíritas.
Nossos comentários não se baseiam nas características
dessas instituições e, portanto, não se referem
a nenhuma delas. A nossa contribuição, aqui, se resume
na discussão de algumas características que, ao nosso
ver, são ideais para uma Universidade Espírita cumprir
tudo o que a sociedade e o Espiritismo esperam dela.
Primeiramente, por ser espírita,
deverá a Universidade Espírita, como um todo (instituição
e servidores), pautar seu regulamento e comportamento pelos princípios
da Doutrina Espírita. Sem exigir que ninguém se torne
espírita (a lei garante a liberdade de crença religiosa),
todas as atividades realizadas na Universidade Espírita e
em nome dela deverão estar de acordo com os ensinamentos
doutrinários e cristãos. Sendo uma instituição
social com adjetivo espírita, a Universidade Espírita
deverá ser um verdadeiro exemplo da máxima “Dai
a César o que é de César e a Deus o que é
Deus”, seguindo fielmente as leis civis sem faltar com
as leis morais.
As pessoas olham a Universidade
como um local de progresso, de geração de riquezas,
de oportunidade e estudo. Alguns a vêem como porta de entrada
para uma carreira promissora e outros como o local onde a cura de
determinadas doenças surgirá. O que as pessoas desconhecem
é que para ter esse status a Universidade precisa realizar
e manter uma série de atividades muito específicas
executadas por pessoas com uma determinada formação
e competência.
Uma Universidade se caracteriza
pela união de diversas faculdades e institutos responsáveis,
cada um, por uma área do conhecimento. Uma Universidade tem
dois objetivos básicos: ensino e pesquisa. Como ensino,
ela oferece cursos básicos de nível superior que preparam
os indivíduos para a exerção de cargos e funções
junto à sociedade. Oferece, ainda, como extensão,
cursos específicos voltados para o interesse de determinados
setores da sociedade como a comunidade e indústrias. Como
pesquisa, a Universidade realiza trabalhos de teor
básico e aplicado, sob o rigor científico
de cada área específica. O produto de toda pesquisa,
mesmo a pesquisa básica, contribui para o desenvolvimento
da sociedade e do país através de novos conhecimentos
que ajudam no desenvolvimento de novas tecnologias, no aprimoramento
da saúde e no desenvolvimento social. A sociedade
esperará que os profissionais que atuem na Universidade Espírita
tenham formação e experiência científica
e acadêmica necessárias para a execução
das atividades universitárias de ensino e pesquisa. Qualquer
instituição que tenha como objetivo se tornar uma
Universidade Espírita deve buscar a excelência tanto
no ensino quanto na pesquisa.
Não podemos nos furtar da
análise de questionamentos sérios no tocante à
ideia de um projeto de uma Universidade Espírita. Por exemplo,
deve-se exigir que os funcionários, docentes e pesquisadores
de uma Universidade Espírita sejam espíritas? Como
o nosso país garante por lei a liberdade de opção
religiosa, acreditamos que essa exigência não cabe.
No entanto, a Universidade Espírita pode ter um regulamento
próprio que busque orientar estudantes e funcionários
para o bom comportamento dentro da Universidade de acordo com os
princípios doutrinários.
Que tipo de pesquisas a
Universidade Espírita pode realizar? Em princípio,
qualquer assunto é passível de ser estudado na Universidade
Espírita, desde que não tenha objetivos menos dignos.
Deve ela só realizar pesquisas de interesse espírita?
Para ter respaldo científico a Universidade Espírita
deve se dedicar, também, a pesquisas usuais. Na medida que
a Universidade Espírita produzir pesquisa de boa qualidade
sobre assuntos acadêmicos normais (não-espíritas),
ela fortalece os seus docentes/pesquisadores para as atividades
de ensino e pesquisa; se habilita a receber, através de seus
pesquisadores, financiamento de instiuições públicas
e privadas de fomento à pesquisa; e desenvolve uma imagem
muito positiva junto à sociedade mostrando que ser espírita
é ser e trabalhar de modo tão sério e responsável
quanto qualquer outro setor da sociedade. Isso favoreceria, indiretamente,
a realização de trabalhos de pesquisa de interesse
espírita já que a Universidade Espírita poderia,
então, destinar uma maior parte de sua renda para o financiamento
dessas pesquisas que, infelizmente, não são reconhecidas
como assuntos de interesse pelos cientistas em geral.
Os cursos profissionais de graduação
e pós-graduação, cujos diplomas são
reconhecidos pelos órgãos governamentais competentes,
que formam os indivíduos para o mercado de trabalho, possuem
custo relativamente elevado e que infelizmente não podem
ser gratuitos. A Universidade Espírita primará pela
honestidade jamais cobrando valores incompatíveis com os
custos, definindo claramente a destinação ou o emprego
dos lucros que obtiver. Deve a Universidade, então, possuir
cursos sobre Espiritismo? Deve-se cobrar por esses cursos? Em nossa
opinião, desde que sejam cursos livres, gratuitos e não-obrigatórios,
não vemos nenhum problema. Livres no sentido de que qualquer
pessoa pode ter acesso aos mesmos; gratuitos para que todos possam
ter acesso ao conhecimento espírita; e não-obrigatórios
no sentido de que não se deve obrigar ninguém, nem
alunos e funcionários, a aceitar o Espiritismo, em respeito
ao direito pessoal de opção pela crença religiosa.
Além disso, o Espiritismo não deve, ao nosso ver,
se tornar um estudo passível de recebimento de diploma, notas,
etc., pois isso criaria um sistema de hierarquias prejudicial ao
Movimento Espírita. Por exemplo, um doutor em Espiritismo
seria alguém que sabe mais do que outros espíritas?
Um diploma em curso de Espiritismo permitiria que o indivíduo
tivesse uma melhor colocação no mercado de trabalho?
Essas questões são muito importantes e precisam ser
debatidas no Movimento Espírita pois a Doutrina Espírita,
desde sua origem, não surgiu para ficar circunscrita a determinado
meio ou grupo social e deve ser divulgada de modo gratuito, no caso
de palestras e cursos, e de modo mais barato possível no
caso de livros e revistas.
Para finalizar, apresentaremos
um questionamento que parecerá contraditório, mas
que precisa ser analisado por todos os interessados. Será
realmente necessária a existência de uma Universidade
Espírita? Se ela deve oferecer cursos usuais (não-espíritas);
se ela deve realizar pesquisa usual (não-espírita);
se ela não pode exigir que todos os seus funcionários
e alunos sejam espíritas; se ela, por fim, oferecerá
serviços tão bons quanto os de qualquer outra universidade;
será que é necessário criar uma em especial
que tenha o adjetivo espírita? Não pretendemos responder
a essa questão pois o assunto não encerra aqui. Como
mencionado anteriormente, já existem algumas instituições
de ensino superior espíritas e desejamos que elas progridam
cada vez mais, cumprindo de modo eficiente o seu papel na sociedade.
Nossa intenção é trazer à tona questões
necessárias para que as pessoas interessadas no assunto meditem
na melhor forma de empregar seus esforços nesse ideal que,
no fundo, está contido em um ideal maior que todos temos
que é o de divulgar a Doutrina Espírita para toda
a Humanidade. Todos os comentários, críticas e sugestões
são e serão sempre muito bem vindos.