"O que é que todo
mundo tem e ao mesmo tempo todo mundo gosta de dar?
Resposta: Opinião!"
Como fazer para discernir conhecimento de opinião? Platão
definiu conhecimento como "toda crença verdadeira e justificada."
(1) Tudo que acreditamos ser verdade
e que possui justificativas baseadas em métodos criteriosos
de validação pode ser chamado de conhecimento. Embora
essa definição contenha brechas para sofismas, ela permite
entender a diferença entre uma mera opinião e um conhecimento.
Por exemplo, ninguém diz que acha que a Terra gira em torno
do Sol. Isso já é um conhecimento certo. Já opinião
é uma crença pessoal que não foi validada por
explicações ou justificativas conhecidas e respeitadas.
Isso nos faz lembrar que o espiritismo trouxe uma das maiores contribuições
para a sociedade: tornou as crenças a respeito da existência
e sobrevivência da alma, bem como dos processos de comunicação
entre 'mortos' e 'vivos', em conhecimento plenamente justificado através
do emprego de métodos de análise dos fenômenos
espíritas. (2)
No meio espírita é comum ouvir dizer que "se fulano
disse ou se saiu em tal livro ou revista, trata-se de uma verdade".
Isso é chamado de "argumento de autoridade", ou seja,
quando uma pessoa é reconhecida pela sociedade pela importância
de suas obras, torna-se respeitada e suas palavras passam a formar
opinião. Seus comentários são tidos como válidos
e certos independentemente de se avaliar sua veracidade. E no movimento
espírita, temos vários formadores de opinião.
Pessoas que pela dedicação ao bem, à caridade
e à divulgação do espiritismo, conquistaram o
respeito público.
Mas, como reconhecer uma opinião no movimento espírita?
Utilizemos a definição de conhecimento, dada por Platão
acima mencionada. Quando uma novidade é divulgada nos meios
espíritas, procuremos suas explicações. Se a
novidade não possui explicações, será
uma mera opinião. Se as possui, analisemo-las. Quais as bases
apresentadas para justificá-las? Conheço o conteúdo
e o seu valor? Sou capaz de compreender as justificativas apresentadas?
Se a resposta for "não" a alguma das questões
acima, se não temos conhecimento aprofundado das bases usadas
para defender a novidade, de duas uma: ou as estudamos para avaliar
melhor ou, simplesmente, consideramos a novidade uma opinião.
Um exemplo típico de novidades em nosso meio que representam
apenas a opinião de seus interlocutores são aquelas
que frequentemente usam conceitos e fórmulas da física
quântica para explicar as novidades.
Há quem justifique as novidades argumentando que o espiritismo
é uma doutrina aberta ao conhecimento e ao progresso. Kardec,
no item 55 do capítulo I de A Gênese (3)
afirmou que "Caminhando de par com o progresso, o espiritismo
jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe
demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria
nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará."
Portanto, realmente, o espiritismo é aberto ao progresso. Porém,
ele não é aberto a qualquer coisa e de qualquer modo.
É o próprio Kardec quem faz ressalva nesse mesmo item,
quando diz que o epiritismo "assimilará sempre todas as
doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam desde que hajam
assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio
da utopia, sem o que ele se suicidaria."
Para uma novidade assumir "o estado de verdades práticas"
e abandonar "o domínio da utopia", é preciso
que deixe de ser uma crença (isto é, mera opinião)
para ser tornar um conhecimento, através de trabalhos de estudo
e pesquisa que a justifiquem plenamente. Então, não
basta alegar que o espiritismo é aberto ao progresso: tem que
demonstrar que a novidade é, de fato, um progresso!
E nesse aspecto, como ninguém é perfeito, é natural
que, de vez em quando, os formadores de opinião no movimento
espírita se equivoquem. Como proceder quando isso ocorre? Como
fica, nesses casos, a "fé raciocinada" ensinada e
estimulada pelo espiritismo? Devemos aceitar uma informação
somente por ter sido trazida por um formador de opinião (médium
ou não) respeitado (ou o mais respeitado) no movimento espírita?
Como o espiritismo ensina a proceder diante de informações
que distoam do conhecimento científico e/ou doutrinário?
Felizmente, o espiritismo oferece orientações bem seguras.
Uma delas é a conhecida afirmação de Erasto (item
230 do capítulo 20 de O livro dos médiuns 4):
"Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única
falsidade, uma só teoria errônea." Outra, menos
conhecida, é a orientação de Santo Agostinho:
"Observai e estudai com cuidado as comunicações
que recebeis; aceitai o que a vossa razão não rejeita;
repeli o que a choca; pedi esclarecimentos sobre as que vos deixam
na dúvida. Tendes aí a marcha a seguir para transmitir
às gerações futuras, (...), as verdades que distinguireis
sem dificuldade de seu cortejo inevitável de erros." (5)
Erasto e Santo Agostinho deixam claro que aquilo que a razão
não aprova, devemos rejeitar. Podemos, também, pedir
esclarecimentos, mas enquanto isso não ocorre, a novidade não
merece crédito.
Agora, mudemos o foco das questões para nós. Que valor
damos ao que é revelado por médiuns ou pessoas reconhecidas
no movimento espírita? Qual deve ser a nossa postura perante
essas novidades? Há algum exemplo do próprio Kardec?
Isso é importante pelo caráter de dependência
que se cria para com a opinião de certas pessoas em detrimento
do exercício da fé raciocinada. Quando os nossos companheiros
mais respeitados desencarnarem, como formaremos nossas opiniões
a respeito das novidades? Quais serão nossos critérios
de aceitação do que dizem encarnados ou desencarnados?
E, mesmo que surjam companheiros cuja moral e esforços no bem
e na divulgação do espiritismo mereçam o nosso
mais profundo respeito e estima, vamos continuar a transferir para
eles a responsabilidade de discernir no que devemos ou não
crer? Não criticamos essa postura em outros meios religiosos?
Vejamos um exemplo significativo do próprio Kardec sobre uma
opinião que ele acreditava estar correta (mas que hoje se sabe
que não estava), e que, por prudência, ele evitou inseri-la
no corpo da doutrina espírita por ser apenas uma opinião
própria: (6) "A questão
da geração espontânea está neste número.
Para nós, pessoalmente, é uma convicção,
e se a tivéssemos tratado numa obra comum, tê-la-íamos
resolvido pela afirmativa; mas numa obra constitutiva da doutrina
espírita, as opiniões individuais não podem fazer
lei; não se baseando a doutrina em probabilidades, não
podíamos decidir uma questão de tal gravidade, apenas
despontada, e que ainda está em litígio entre os especialistas.
Afirmando a coisa sem restrição, teria sido comprometer
a doutrina prematuramente, o que jamais fazemos, mesmo para fazer
prevalecerem as nossas simpatias." Como se vê, não
se deve tomar opiniões individuais como verdades e serem propagadas
em nome do espiritismo.
Há quem justifique que o formador de opinião é
criatura tão bondosa, culta e dedicada ao bem e à divulgação
do espiritismo que jamais divulgaria uma ideia equivocada. Mas, para
isso, temos em Kardec outro exemplo significativo. Ele levava a compreensão
das ideias tão a sério que foi capaz de questionar até
mesmo algumas palavras de Jesus! Veja, por exemplo, o conteúdo
do capítulo 33 de O evangelho segundo o espiritismo
(7), intitulado "Estranha moral".
Não foi porque Jesus disse que devemos "odiar" pai,
mãe, esposa e filhos (S. Lucas, cap. 14, vv. 25 a 27) que de
fato era para isso ser feito! Teria encarnado entre nós alguém
mais bondoso, culto e dedicado ao bem que Jesus? Se isso fosse razão
suficiente para aceitar certas palavras de Jesus, não teríamos
o capítulo "Estranha moral" em O evangelho segundo
o espiritismo. Como ninguém está acima do Cristo,
ninguém pode clamar perfeição para suas opiniões.
Portanto, analisemos as novidades, sejam elas de quem for, e rejeitemos
tudo o que não estiver de acordo com os conhecimentos da ciência
e do espiritismo, ou que não puder ser verificado por ambos.
Isso não significa desrespeitar a pessoa que apresenta a novidade,
nem reprimir a chegada delas. Os cuidados mencionados aqui visam apenas
destacar a postura prudente, ensinada pela doutrina espírita,
de não aceitar uma ideia só porque pessoas em quem confiamos
as veiculam. Isso seria agir com fé cega, além da propagação,
em nome do espiritismo, de conteúdos que não sabemos
estar certo ser falta de responsabilidade. A Doutrina tem nos ajudado
a sair da "fase" onde aceitamos e fazemos o que nossos mestres
dizem, para aceitarmos e fazermos o que a nossa consciência,
iluminada pela razão, consente. Meditemos que, talvez, quando
irmãos respeitados no movimento espírita propagam ideias
controversas, a espiritualidade esteja justamente nos convidando a
exercer a fé raciocinada para despertar em nós, cada
vez mais, o sentimento da responsabilidade espírita.