A questão sobre a alimentação
tem sido bastante discutida no movimento espírita. Mensagens
como a de Emmanuel (questão 129 da Ref. (1))
e de André Luiz (Cap. 4 da Ref. (2)) desaconselham o uso da
alimentação carnívora. Entretanto, isso parece
se contrapor com a orientação básica dos Espíritos
superiores presentes nas questões 722, 723, 724 e 734 do Livro
dos Espíritos (3).
Reproduziremos aqui a questão 723:
723. A alimentação
animal é, com relação ao homem, contrária
à lei da Natureza?
“Dada a vossa constituição física,
a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A
lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que
mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei
do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame
a sua organização”.
Pretendemos demonstrar aqui que a
recomendação de Emmanuel e André Luiz de se evitar
a alimentação carnívora possui bases doutrinárias
não estando, portanto, em desacordo com o Espiritismo. Para
isso, recorremos à Revista Espírita de dezembro de 1863
onde Kardec reproduziu uma mensagem do Espírito Lamennais (4)
que esclarece de modo claro todos os ângulos dessa questão:
"Sobre a alimentação
do Homem
(Sociedade de Paris, 4 de Julho de 1863. Médium:
Sr. A. Didier)
O sacrifício da carne
foi severamente condenado pelos grandes filósofos da antiguidade.
O Espírito elevado revolta-se à idéia de
sangue e, sobretudo, à idéia de que o sangue é
agradável à Divindade. E notai bem, que aqui não
se trata de sacrifícios humanos, mas unicamente de animais
oferecidos em holocausto. Quando o Cristo veio anunciar a Boa-Nova,
não ordenou sacrifícios de sangue: ocupou-se unicamente
do Espírito. Os grandes sábios da antiguidade igualmente
tinham horror a estas espécies de sacrifícios e
eles próprios só se alimentavam de frutos e raízes.
Na terra os incarnados têm uma missão a cumprir:
têm o Espírito que deve ser nutrido pelo Espírito,
o corpo com a matéria; mas a natureza da matéria
influi - compreende-se facilmente - sobre a espessura do corpo
e, em consequência, sobre as manifestações
do Espírito. Os temperamentos naturalmente muito fortes
para viver como os anacoretas (5)
fazem bem, porque o esquecimento da carne leva mais facilmente
à meditação e à prece. Mas para viver
assim, geralmente seria necessária de uma natureza mais
espiritualizada que a vossa, o que é impossível
com as condições terrestres. E como, antes de tudo,
a natureza jamais age contra o bom senso, é impossível
ao homem submeter-se impunemente a essas privações.
Pode ser-se bom cristão e bom espírita e comer a
seu gosto, desde que seja razoável.
É uma questão algo leviana para os nossos estudos,
mas não menos útil e proveitosa". (os
grifos são nossos).
Essa mensagem explica que a dieta
sem o uso da carne é melhor, pois isso “leva
mais facilmente à meditação e à prece”.Isso
aconteceria, pois, segundo Lamennais, a natureza da matéria
influi nas manifestações do Espírito. Podemos
comparar a situação com os vícios. Aquele faz
uso de uma droga, por exemplo, impregna seu perispírito de
vibrações que limitarão suas manifestações
no mundo espiritual. Da mesma forma, o uso de uma dieta menos carnívora
torna o perispírito menos “espesso” (usando aqui
uma palavra que Lamennais usou no texto) o que permite que ele tenha
mais facilidade em elevar seu pensamento em prece.
Porém, Lamennais, de modo responsável, deixou claro
que a dieta vegetariana dependeria do aprimoramento espiritual da
nossa Humanidade terrestre, o que ainda não ocorre. Daí
adverte que “a natureza jamais age contra o bom senso, é
impossível ao homem submeter-se impunemente a essas privações”.
Por isso a questão 723 acima não condena o uso da carne.
Sobre privações, a questão 724 do Livro dos Espíritos
(3) recomenda:
724. Será
meritório abster-se o homem da alimentação
animal, ou de outra qualquer, por expiação?
“Sim, se praticar essa privação em benefício
dos outros. Aos olhos de Deus, porém, só há
mortificação, havendo privação séria
e útil. Por isso é que qualificamos de hipócritas
os que apenas aparentemente se privam de alguma coisa”.
Dessa forma, a privação
da carne só teria mérito se ocorrer em benefício
do próximo. As atividades espíritas de passes e as reuniões
mediúnicas constituem exemplos em que a abstenção
do uso da carne, pelo menos no dia dessas atividades, pode levar a
benefícios aos assistidos encarnados ou desencarnados. Mas
se o tarefeiro tiver dificuldade com isso, Raul Teixeira (6) assevera
que, “É mais compreensível, e me parece mais
lógico, que a pessoa coma no almoço o seu bife, se for
o caso, ou tome seu cafezinho pela manhã, do que passar todo
o dia atormentada pela vontade desses alimentos, sem conseguir retirar
da cabeça o seu uso, deixando-se de concentrar-se na tarefa,
em razão da ansiedade para chegar em casa, após a reunião,
e comer ou beber aquilo de que tem vontade”.
Lamennais ainda disse que "Pode ser-se bom cristão
e bom espírita e comer a seu gosto" sem esquecer
que isso deve ser feito “desde que seja razoável”,
isto é, sem exageros.
Portanto, a recomendação de Emmanuel e André
Luiz é válida e está de acordo com o Espiritismo,
mas não deve ser considerada uma exigência para a realização
de um bom trabalho espírita ou uma boa reunião mediúnica.
Lembremos, afinal, que Jesus em Mateus, Cap. 15 e vers. 11 disse que:
"Não é o que entra pela boca que contamina
o homem; mas o que sai da boca, isso é o que o contamina”.
E, para aprimorar o que sai de “nossa boca” e de nossos
atos, devemos nos esforçar pela reforma íntima e no
estudo doutrinário.
Referências
[1] Emmanuel, psicografia de F. C. Xavier, O Consolador,
FEB, 20ª Edição (1999).
[2] André Luiz, psicografia de F. C Xavier, Missionários
da Luz, FEB, 26ª Edição (1995).
[3] A. Kardec, O Livro dos Espíritos,
Editora FEB, 76a Edição, (1995).
[4] Lamennais, Revista Espírita,
Dezembro, pp. 387—388 (1863).
[5] Anacoreta é uma pessoa que se retira a um local isolado
para dedicar-se a meditação e oração.
[6] D. P. Franco e J. R. Teixeira, Diretrizes de Segurança,
Editora FRATER, 8ª Edição (2000).