No número artigo anterior
publicado na revista digital Dirigente Espírita, apresentamos
uma descrição dos mecanismos do auxílio a Espíritos
sofredores através do diálogo fraterno em reuniões
mediúnicas (RMs), segundo a Doutrina Espírita (DE) (DA
FONSECA, 2022a). Aqui, vamos comentar sobre o papel dos médiuns
no diálogo fraterno com esses Espíritos. Definições
e perfis de Espíritos sofredores são dados na obra O
céu e o inferno (KARDEC, 2000).
Pra lembrar, em resumo, foi mostrado na parte I desse estudo que,
segundo KARDEC (2021), i) os fluidos são “impregnados
das qualidades boas ou más dos pensamentos que os fazem vibrar”
e ii) a natureza do perispírito, que é “uma condensação
desses fluidos em torno de um foco de inteligência”, é
determinada pelo “grau de adiantamento moral do Espírito”.
A principal mensagem da parte I foi que o que modifica um Espírito
não é a ajuda externa, fluídica, que recebe,
mas sim, a mudança dos seus pensamentos para o bem, para o
perdão, para a paz e o amor. Citamos o item 81 do capítulo
XXVIII de O Evangelho segundo o Espiritismo, onde Kardec
apresenta as condições para o sucesso de um diálogo
com um Espírito endurecido (aliás, ele repete isso no
item 46 do capítulo XIV de A gênese (GE)). Uma
dessas condições é a autoridade moral, já
que as palavras e pensamentos emanados pelo dialogador devem modificar
o fluido universal ao seu redor com qualidade moral real. A segunda
condição é usar de “instruções
habilmente dirigidas” ao Espírito para “fazer nascer
nele o arrependimento e o desejo do bem”. A importância
disso é que o arrependimento e o desejo do bem, quando nascidos
de modo sincero no íntimo do Espírito sofredor, faz
com que ele mesmo modifique para melhor a qualidade dos seus fluidos.
E o médium durante um diálogo desses? Deve permanecer
passivo? Ou o médium tem algum papel, igualmente importante,
durante o diálogo? Em outras palavras, pode o médium
atrapalhar ou prejudicar um diálogo com um Espírito
sofredor? Ou, pelo contrário, pode o médium, durante
o diálogo com Espírito sofredor, ajudar ainda mais o
dialogador a “fazer nascer nele o arrependimento e o desejo
do bem”? A resposta é sim para as três últimas
questões. Vejamos como isso pode dar-se com base na DE.
Para entender o papel do médium, vamos rever alguns itens dos
mecanismos da mediunidade segundo Kardec (DA
FONSECA, 2020). Além dos itens i) e ii) acima citados,
fazem parte dos mecanismos da mediunidade os seguintes pontos: iii)
os Espíritos se comunicam com os encarnados (médiuns)
através da irradiação e percepção
dos seus pensamentos (ver item 225 de O livro dos médiuns
(LM)); iv) Os perispíritos de ambos, desencarnado e médium,
servem de transmissão ao pensamento, como o fio elétrico
transmite um sinal elétrico (item 455 de O livro dos Espíritos
(LE)); v) é necessária combinação entre
os fluidos do médium e do desencarnado (item 51 e questões
XIII e XIV do item 74 do LM, questão 6, item 223 do LM, cap.
XIV da GE); e vi) Os Espíritos tem mais facilidade para se
comunicar com médiuns cujo perispírito possui afinidade
com o perispírito do desencarnado (item
225 do LM).
Durante o transe mediúnico, os fluidos do médium e do
desencarnado comunicante estão combinados de uma tal forma
que ao mesmo tempo que o médium percebe e sente os pensamentos
e sentimentos do Espírito comunicante, este é capaz
de sentir os pensamentos e sentimentos do médium. É
nesse último detalhe que se encontra o papel do médium
na eficácia do auxílio através do diálogo
com um Espírito sofredor. Isso pois o Espírito, além
de refletir nos conselhos que recebe do dialogador, também
sentirá pensamentos e sentimentos do próprio médium,
seja os que o médium é habituado a cultuar no seu dia
a dia, seja o que o médium pensa sobre o que o Espírito
diz ou o dialogador lhe aconselha. Analisemos esse processo com exemplos.
Suponha um Espírito sofredor que tenha desencarnado em um evento
traumático e doloroso como um afogamento ou um incêndio.
Espíritos que sofrem situações como essas, registram
em sua memória as sensações horrendas da dor,
aflição e desespero pelos quais passaram. O(a) médium,
no momento em que consegue combinar seus fluidos com os do Espírito,
vai começar a sentir, em grau maior ou menor, essas lembranças,
a sensação de dor, de desespero e aflição
que o Espírito rememora pelo trauma que passou. Se o(a) médium
se esquecer que, na verdade, está num recinto do centro espírita,
seguro(a), em uma RM amparado(a) por colaboradores da tarefa mediúnica
encarnados e desencarnados, e se apegar a essas sensações
com intensidade, a ponto de pensar que está vivendo a aflição
vivida pelo Espírito, ele(a) também se desesperará
e se desequilibrará. Nesse momento, o(a) médium invigilante
reforçará negativamente a situação do
Espírito que, por estar fluidicamente ligado ao(à) médium,
irá pensar que tem alguém próximo também
em apuros e irá se desesperar ainda mais. Ao invés de
um necessitado, teremos dois seres necessitando de ajuda e apaziguamento.
Porém, se o médium consegue se concentrar e firmar o
pensamento de que está bem, de que está amparado por
amigos encarnados e desencarnados, e que sabe, pelo estudo doutrinário
e de como os bons Espíritos agem, que o Espírito não
mais está no ambiente onde ocorreu o evento doloroso, que o
socorro a ele(a) já está presente, o Espírito,
por estar ligado fluidicamente ao médium, captará esse
pensamento e sentimento, mesmo que de modo sutil e inconsciente, e
se tornará mais apto a perceber essa ajuda, de forma mais rápida
do que ocorreria se dependesse apenas das afirmações
e conselhos do dialogador.
A mesma lógica doutrinária se aplica a situações
distintas pelas quais o Espírito sofredor pode estar passando
como medo, dores, preconceitos, perseguições de outros
Espíritos, etc. O sentimento de segurança que o médium
equilibrado e cônscio do seu papel com base na DE tem e mantém,
são mensagens sutis ao pensamento do Espírito sofredor.
Quando o dialogador, por exemplo, afirma que tem uma equipe de irmãos
médicos ou enfermeiros que irão cuidar de suas dores,
o pensamento de certeza do amparo espiritual do(a) médium se
somam ao caráter acolhedor da palavra do dialogador e chegam
até o Espírito como dois (ao invés de um) bálsamo
fluídico de auxílio. Imaginem o contrário: o
médium temeroso do que está sentindo e inseguro quanto
ao amparo espiritual. O dialogador poderá falar com bastante
fé, mas haverá um pensamento contrário, produzindo
um fluido com qualidades contrárias, sendo transmitido ao Espírito
ao mesmo tempo das palavras do dialogador.
No caso particular de um diálogo com um Espírito endurecido
ou obsessor, o papel do(a) médium também é muito
importante. Se o(a) médium for uma pessoa que se esforça
por sua transformação moral, isso estará em seu
âmago e pensamentos até mesmo inconscientes que valorizam
a transformação para o bem serão repassados ao
Espírito. Por mais que este último não reconheça
(não queira, dar o braço a torcer como se diz na gíria),
a DE garante que o Espírito receberá do(a) médium
e dialogador os fluidos com as qualidades boas que ambos puderem produzir.
Alie-se a isso a qualidade e habilidade das instruções
que o dialogador experiente conseguir apresentar a Espíritos
como esses, e o trabalho de auxílio terá grandes chances
de êxito. Imagine, por outro lado, se o(a) médium não
estiver tão esforçado assim na prática do bem.
É possível acontecer do(a) médium até
mesmo concordar ou se comprazer com determinado tipo de pensamento
ou sentimento de um Espírito endurecido. Em geral, Espíritos
assim são muito inteligentes e alguns deles até nos
conhecem por nos acompanharem no dia a dia. Eles podem usar de palavras
e sentimentos que podem despertar em nós reações
mais ou menos dignas. Por isso, a vigilância é muito
importante, a sinceridade de propósitos combinada com o conhecimento
doutrinário e esforço na vivência dos princípios
morais do Evangelho, tornarão médiuns e dialogadores
mais aptos e capazes de fazer nascer no coração de um
Espírito assim, bons pensamentos e sentimentos de esperança
para o futuro.
Espíritos sofredores e desequilibrados podem sentir vontade
de adotar posturas, gestos e palavras menos dignos ou que coloquem
a integridade do médium e demais participantes em perigo. Assim,
médiuns que habitualmente vigiam seus pensamentos, posturas,
gestos e palavras, para sempre externarem de si a forma mais equilibrada
de expressão, naturalmente terão condições
de bloquear esses excessos da parte de um Espírito sofredor.
A sensação que o médium deve ter é similar
a que temos quando alguém nos pede para dizer um palavrão
ou fazer um ato ou gesto que temos pudor em realizar. Simplesmente,
recusamos por não nos comprazermos com tais gestos. Porém,
se o médium não for tão vigilante assim; se costumeiramente
dá vazão a alguns gestos de raiva, de palavrório
impróprio, se se compraz com alguns tipos de excessos na postura
ou no consumo, se ainda não consegue superar fraquezas morais
diante de certas pessoas ou situações, podem ter enorme
dificuldade em coibir esses mesmos excessos quando oriundos da mente
enfermiça de Espíritos sofredores. Nesses aspectos,
uma dúvida pode surgir. Pergunta-se como pode haver mediunidade
se ela requer afinidade e afinidade significa semelhança de
gostos e pensamentos. Não temos espaço para desenvolver
aqui esse assunto, mas citamos o estudo
de DA FONSECA (2022b) que propôs uma explicação
para isso baseada na semelhança de alguns gostos e pensamentos
apenas, para permitir que um médium de moral elevada possa
dar comunicação a um Espírito mais endurecido.
Outra forma do médium ajudar ou atrapalhar um diálogo
é quando ele(a) no simpatiza com a pessoa do dialogador. Nesses
casos, o sentimento do médium pode influenciar positivamente,
reforçando e apoiando em pensamento e sentimentos o que o dialogador
se esforça em aconselhar o Espírito; ou o médium
pode prejudicar completamente o diálogo gerando pensamentos
e fluidos contrários à tentativa fraterna do dialogador.
Pode acontecer do(a) médium ter ideais e questionamentos próprios
sobre a vida, a morte, o trabalho, a felicidade, a própria
DE etc. Assim, durante uma dada comunicação, o(a) médium
pode se sensibilizar com pensamentos ou falas do Espírito ou
dialogador que conflitam com seus próprios questionamentos.
A forma do(a) médium trabalhar essa situação
em benefício do trabalho de auxílio ao Espírito,
independente das divergências pessoais, é educar-se na
caridade do respeito à liberdade de pensamento que a DE deixa
claro que existe (questão 833 do LE). O(a) médium que
se esforça por respeitar o pensamento do próximo, se
previne de interferir negativamente quando sente pensamentos do Espírito
ou mesmo do dialogador que diferem dos seus.
Por essas razões, o estudo da mediunidade com base em Kardec
se faz imperioso a todos que realizam RMs (não apenas os médiuns).
Em particular, médiuns conscientes dos mecanismos da mediunidade
segundo a DE, estarão sempre mais aptos a socorrerem irmãos
desencarnados em maior grau de sofrimento e desequilíbrio,
por saberem de antemão o que está acontecendo e como
podem ajudar através do próprio pensamento.
Os mecanismos da mediunidade, segundo Kardec, são simples e
permitem entender a importância dos participantes de uma RM
se esforçarem pela sua transformação moral (KARDEC,
1996a, ESE, item 4 do cap. XVII) e pela sua cada vez maior
instrução (IDEM, item 5 do cap.
VI). O esforço no bem melhora a qualidade dos nossos
fluidos. O estudo nos mune com as ferramentas adequadas de ajuda ao
próximo. Na próxima e última parte desta matéria,
vamos analisar o papel dos chamados elementos ou colaboradores de
sustentação
bem como os demais assistentes. Embora possa não parecer, eles
também podem atuar ajudando ou prejudicando um diálogo
de auxílio a Espíritos sofredores.