Alexandre Fontes da Fonseca
é professor de Física na Universidade Estadual
Paulista "Júlio de Mesquita Filho", em Bauru-SP.
Nos últimos
anos, o número de espíritas cresceu a uma taxa pouco
acima da do crescimento da população brasileira, conforme
apontam pesquisas recentes do IBGE [1,2].
Essa notícia, sem dúvida, demonstra o bom andamento
das atividades de divulgação do Espiritismo, e estimula
a continuidade e aprimoramento das mesmas.
Certamente, os avanços
da tecnologia de armazenamento e divulgação de informação
contribuíram para esse crescimento, o que nos mostra a responsabilidade
que temos em nos instruirmos conforme orientação do
Espírito de Verdade (item V do Cap. VI de O Evangelho segundo
o Espiritismo [3]).
Entretanto, o mesmo progresso que
facilita o acesso às obras e aos estudos espíritas
também tem permitido o acesso a informações
e estudos de teor moral e intelectual questionáveis e inseguros.
No caso do movimento espírita, a facilidade de divulgar ideias
e doutrinas espiritualistas próprias, e a de acessá-las,
têm levado algumas pessoas a questionar o Espiritismo, propondo
ao movimento espírita a adoção de práticas
espiritualistas diferentes e alternativas em nome da modernidade.
Em alguns casos, o próprio conhecimento científico
tem sido invocado como razão suficiente para propor
desde inovações na prática mediúnica
até alterações na própria Doutrina Espírita,
sob alegações de que seus conceitos estariam ultrapassados.
Alguns dizem que por causa do comentário de Kardec (item
55 de A Gênese [4]) de que “Caminhando
de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado,
porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca
de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade
nova se revelar, ele a aceitará”, tais novidades
deveriam ser aceitas sem questionamento pois que afinal são
“verdades novas que se revelam”. Porém,
o que está de fato acontecendo é que muitos companheiros
espíritas, seduzidos por um discurso de atualidade de doutrinas
e práticas alternativas e, principalmente, por não
terem conhecimento profundo de teorias modernas da Ciência
para avaliar essas mesmas doutrinas, estão cedendo ao apelo
de se questionar a validade do Espiritismo na descrição
da realidade espiritual.
O receio que decorre da ignorância
sobre o que é Ciência
Como analisado por nós anteriormente
[5], “o receio de a Ciência
encontrar erros no Espiritismo se reflete na preocupação
exagerada em vê-lo confirmado por ela ou relacionado às
novidades científicas como, por exemplo, na ênfase
dada a teorias e práticas espiritualistas baseadas na Física
Quântica”. Esse receio, que decorre da ignorância
sobre o que é Ciência e como ela se desenvolve, abriu
uma brecha no movimento espírita: a possibilidade de se introduzir
novas práticas usando termos e conceitos desconhecidos dos
espíritas. Como consequência, erros graves podem ocorrer
como no exemplo da proposta de atualização da resposta
dada pelos Espíritos à questão número
34 de O Livro dos Espíritos [6]
que, segundo alguns, estaria errada do ponto de vista da Física
e da Química. Porém, o erro desta crítica estava
na falta de conhecimento da Física que permite justamente
demonstrar que a resposta dos Espíritos à questão
34 do L.E. está completamente correta (ver artigo da ref.
[7]). (*)
Se “Fé inabalável só o é a
que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas
da Humanidade” (Kardec, item 7 do Cap. XIX de O
Evangelho segundo o Espiritismo [3]),
como encarar críticas ao Espiritismo e propostas espiritualistas
que usam conceitos da Ciência se poucos têm condições
de avaliá-los? Como encarar a razão dos que dizem
que o Espiritismo está ultrapassado? Essas são questões
importantes e é oportuno observar que tanto no passado, quanto
no presente, a espiritualidade tem demonstrado preocupação
com alterações ou inovações indevidas
no Espiritismo:
“A Doutrina Espírita possui os seus aspectos essenciais
em configuração tríplice. Que ninguém
seja cerceado em seus anseios de construção e produção.
Quem se afeiçoe à ciência que a cultive em sua
dignidade, quem se devote à filosofia que lhe engrandeça
os postulados e quem se consagre à religião que lhe
divinize as aspirações, mas que a base kardequiana
permaneça em tudo e todos, para que não venhamos
a perder o equilíbrio sobre os alicerces em que se nos levanta
a organização.” (“Unificação”,
mensagem de Bezerra de Menezes recebida por D. P. Franco em 20-04-1963
[8]. Grifos em negrito do autor).
Pode o Espiritismo ser considerado uma
revelação?
“A programação que estabelecestes para
este quinquênio é bem significativa, porque verteu
do Alto, onde se encontrava elaborada, e vós vestistes-a
com as considerações hábeis e aplicáveis
a esta atualidade. Este é o grande momento, filhos da alma.
Não tergiverseis, deixando-vos seduzir pelo canto das sereias
da ilusão. Fidelidade à doutrina é
o que se nos impõe, celebrando os cento e cinquenta
anos da obra básica da Codificação Espírita.
Não permitais que adições esdrúxulas
sejam colocadas em forma de apêndices que desviem os menos
esclarecidos dos objetivos essenciais da doutrina. (...)
Sede fiéis, permanecendo profundamente vinculados ao espírito
do Espiritismo como o recebestes dos imortais através
do preclaro Codificador.” (“O Meio-Dia da Nova Era”,
mensagem de Bezerra de Menezes recebida por D. P. Franco em 12-04-2007
[9]. Grifos em negrito do autor).
“Esses tempos atuais chamam-nos à fidelidade
aos projetos do Espírito de Verdade, para que estejamos
atentos a fim de que não abandonemos o trabalho genuinamente
espiritista, passando a ocupar valioso tempo com palavrórios
e disputas, situações e questões que, declaradamente,
nada tenham a ver com a nossa Causa, por não serem da alçada
do Espiritismo.” (“Definição e trabalho
em tempos difíceis”, mensagem de Camilo recebida por
Raul Teixeira em 11-11-2005 [10]. Grifos
em negrito do autor).
Conforta-nos saber que Kardec não se esqueceu de analisar
a importante questão da validade da Doutrina Espírita.
No item 1 do Cap. 1 de A Gênese [4],
Kardec lista questões fundamentais para o fortalecimento
da fé espírita: “Pode o Espiritismo ser
considerado uma revelação?”, “Neste
caso, qual o seu caráter?”, “Em que
se funda sua autenticidade?”, “A quem e de
que maneira foi ela feita?”, e outras. Essas questões
demonstram o cuidado de Kardec em munir o espírita de razões
sólidas para assegurar a integridade do Espiritismo e orientar
a condução do seu aspecto progressivo. Se não
soubermos qual o caráter do Espiritismo, seus valores, suas
bases, e os critérios utilizados na codificação,
dificilmente saberemos nos posicionar perante as novidades que se
apresentam na atualidade.
O Espiritismo é a única
doutrina que possui duplo caráter
O leitor encontrará em A
Gênese [4] as respostas
de Kardec a essas questões. Aqui, desejamos apenas destacar
um detalhe muito importante que nos permite responder à pergunta
título deste artigo: “Estaria o Espiritismo ultrapassado?
... Ou muito na frente?” Esse detalhe irá certamente
contribuir para a nossa segurança em preservar a Doutrina
Espírita conforme nos pedem Bezerra e Camilo. Mostraremos
ao leitor que o Espiritismo, na verdade, como revelação,
está à frente dos avanços de nosso tempo e
não ultrapassado, como alguns acreditam.
Este detalhe, como já ressaltado em artigos anteriores [11,12],
consiste da constatação de que o Espiritismo é
a única doutrina ou teoria do conhecimento
humano que possui duplo caráter de uma revelação!
O “duplo” significa “dois tipos” possíveis:
o caráter divino e o caráter científico
de uma revelação. A codificação do Espiritismo
ocorreu através de ambos, e o leitor é remetido ao
item 13 de A Gênese [4]
para verificar a explicação de Kardec.
O caráter divino da revelação espírita
decorre do fato de os conceitos fundamentais do Espiritismo serem
oriundos da revelação dos Espíritos. O caráter
científico decorre do fato de que, como meio de elaboração
(Kardec, item 14 de [4]), “o
Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências
positivas, aplicando o método experimental”.
Como, em pleno século 21, não há doutrina
ou teoria sequer que tenha o duplo caráter de uma revelação,
podemos concluir que o Espiritismo é uma doutrina inédita
e ao mesmo tempo única na história
da humanidade! As teorias científicas e filosóficas
possuem apenas o caráter científico de uma revelação,
enquanto que todas as obras de natureza mediúnica possuem
apenas o caráter divino de uma revelação.
Isso também nos leva a concluir com segurança que
por mais que se reconheça o valor moral, literário
e científico das obras psicografadas por médiuns exemplares
como Francisco C. Xavier, Divaldo P. Franco, José Raul Teixeira,
e muitos outros, essas obras não podem formar uma doutrina
com o mesmo valor e caráter de revelação
que o Espiritismo possui. Isso porque são elas apenas revelações
de caráter divino.
Como o progresso do Espiritismo deverá
processar-se?
O fato de algumas obras possuírem
conteúdos científicos não é razão
para considerarmo-las como tendo caráter científico
de uma revelação, pois que esse caráter decorre
da metodologia de pesquisa e descobrimento das novas ideias e não
do tipo de novas ideias.
Assim, o Espiritismo, mesmo tendo sido codificado há século
e meio atrás, demonstra estar, na verdade, ainda na
frente de todas essas doutrinas, teorias e propostas espiritualistas,
tanto de encarnados quanto desencarnados. Mesmo as doutrinas que
se baseiam em conceitos considerados modernos não estão
à frente do Espiritismo, por lhes faltarem desenvolvimento
em um dos dois tipos de caráter. E, é importante dizer,
essa característica única do Espiritismo não
significa que ele não irá progredir. Porém,
o progresso do Espiritismo deverá ocorrer respeitando-se
o duplo caráter de uma revelação, isto é,
deverá ocorrer através do estudo e da pesquisa sérias,
aliado ao apoio da espiritualidade através do consenso universal.
Portanto, não será meramente aceitando conceitos que
não sabemos avaliar, mas que parecem modernos,
que devemos incentivar alterações ou inserções
no Espiritismo; não será nem com mensagens que aparentam
elevação, nem com comparações superficiais
com conceitos da Ciência, que novas práticas espiritualistas
devem ser aceitas no movimento espírita. Quando não
tivermos conhecimento bastante para avaliar uma novidade, seja ela
proposta por encarnado ou por desencarnado, devemos seguir a recomendação
de Erasto (item 230 de O Livro dos Médiuns [13]): “É
melhor repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade,
uma só teoria errônea.”
Percebemos, agora, o alcance e a
sabedoria dessas palavras na defesa do movimento espírita
e do Espiritismo. Não foi à toa que o Espírito
de Verdade nos orientou a estudar com mais profundidade o Espiritismo.