Resumo:
A chamada matéria escura do Universo e, recentemente, a suposição
da existência de uma energia escura têm levado os espíritas
a suporem que um deles pode corresponder ao Fluido Universal. Mostramos,
a partir da análise das propriedades físicas da matéria
e energia escuras e a partir dos ensinamentos dos Espíritos,
que elas, ainda, não correspondem ao Fluido Universal. Concluímos
que elas são, apenas, modificações do elemento
material da mesma forma que a matéria usual.
Introdução:
O conhecimento acerca do Universo surpreende a mente humana a cada
nova descoberta. Com o advento de modernos telescópios, como
o Hubble, o homem vasculha a imensidão buscando respostas para
questões como o surgimento do Universo e da Vida. O desejo
de saber é muito antigo, conforme a história demonstra
e ambas, Religião e Ciência, têm procurado desvendar
os segredos do Universo.
Atualmente, a Ciência possui um certo status de detentora da
verdade, isto é, do conhecimento considerado válido
e correto devido ao desenvolvimento dos métodos específicos
de pesquisa, que geram confiança nos resultados e, também,
aos sucessos que ela obteve em todas áreas do saber, especialmente,
em tecnologia e saúde. Por isso, as pessoas em geral buscam
na ciência as explicações para tudo o que ocorre
em suas vidas. O que elas não percebem é que a ciência,
na realidade, não é detentora da verdade absoluta e
que, muitas vezes, o que era tido como certo numa época é
rejeitado em outra. Outro ponto importante é que por detrás
das grandes descobertas científicas muita coisa foi estudada,
analisada, confirmada, debatida, rejeitada, criticada, e que somente
após muitas discussões é que as novas teorias
vão surgindo. Mesmo assim, essas novas teorias estão
sujeitas a serem substituídas por outras melhores a qualquer
momento. Isso é a roda do progresso seguindo adiante.
Graças ao desenvolvimento de algumas teorias da Física
Moderna, o entendimento sobre o Universo não é mais
o mesmo do século retrasado. Na verdade, surgiram mais dúvidas
do que certezas nas pesquisas em Astronomia e Cosmologia e por isso
existem vários modelos teóricos criados e desenvolvidos
por alguns cientistas para tentar explicar os dados astronômicos.
Tais modelos possuem algumas interpretações curiosas,
o que tem chamado a atenção de religiosos e espiritualistas
de diversos segmentos. Isso ocorre por causa desse status que a ciência
possui e porque se acredita que a conexão entre Ciência
e Espiritualismo, em geral, seja tão simples de se fazer quanto
as explicações publicadas em revistas de divulgação
científica. De modo a vermos como as questões de ordem
científica são complexas, discutiremos as interpretações
encontradas em alguns artigos espíritas que relacionam o Fluido
Universal a dois objetos de estudo em Cosmologia.
Primeiramente, vamos descrever ambos os objetos que possuem as seguintes
denominações: matéria escura e energia escura.
Recentemente, os astrônomos observaram que o movimento das galáxias
não pode ser explicado pela presença da matéria
visível ao redor delas. As leis da Gravitação,
que regem a interação entre e o movimento dos corpos
celestes não explicam tais movimentos e a suposição
de que existe uma matéria não visível aos telescópios
(por isso a denominação de matéria escura) ganhou
força entre os cientistas, chegando ao ponto deles formularem
modelos teóricos específicos para as supostas partículas
que a compõem.
Mais recente ainda é a descoberta de que o Universo tem expandido
numa taxa maior agora do que a milhões de anos atrás,
sugerindo que esteja havendo uma aceleração nessa expansão.
O interessante, nesse caso, é que esse efeito de aumentar a
expansão não pode ser atribuído nem à
matéria visível nem à matéria escura.
Os cientistas, então, propuseram a existência de um tipo
de energia, batizada de energia escura. Ela seria altamente sutil
e dispersa pelo Universo e, em conjunto, teria o efeito de provocar
a referida expansão. Por causa de ser bastante rarefeita, os
cientistas batizaram-na, também, de campo de quintessência.
Esses dois objetos astronômicos têm sugerido a alguns
espíritas o pensamento de que se tratam da matéria fluídica,
no sentido que o Espiritismo ensina. Neste artigo, mostramos que nenhuma
das duas pode ser considerada como o Fluido Universal ou como a matéria
fluídica que compõe o plano espiritual.
Nós nos baseamos nas propriedades físicas de ambos e
nas explicações dos Espíritos quanto às
propriedades do Fluido Universal.
Matéria
Escura:
Recentemente, na revista Reformador de setembro
de 2003, foi publicado um artigo sobre a matéria escura [1].
A autora questiona: ... essa matéria escura não seria
a matéria cósmica universal?. (sexto parágrafo
da ref. [1], p. 15). Em face das razões que o estudo e análise
das propriedades físicas da matéria escura nos apresenta,
adiantamos que a resposta para essa questão é não.
Os físicos chegaram à conclusão de que para que
a matéria visível no Universo esteja na configuração
observada pelos telescópios as partículas que compõem
a matéria escura têm que ser altamente massivas, isto
é, sua massa tem que ser muito grande, muito maior que a massa
das partículas que compõem a matéria usual: os
prótons e nêutrons. Essas partículas, batizadas
de simpzillas e wimpzillas, têm que possuir tanta massa que
uma delas, a simpzilla, recentemente foi descartada como possível
partícula de matéria escura por não ter tanta
massa assim [2]. Se as partículas
que compõem a matéria escura precisam ser muito mais
pesadas que a matéria comum, então elas não podem
corresponder ao Fluido Universal que, por natureza, é o elemento
material mais sutil do Universo.
Vejamos o que dizem os Espíritos na questão número
29 de O Livro dos Espíritos [3]:
29. A ponderabilidade é
um atributo essencial da matéria ?
- Da matéria como a entendeis, sim; não, porém,
da matéria considerada como fluido universal. A matéria
etérea e sutil que constitui esse fluido lhe é imponderável.
Nem por isso, entretanto, deixa de ser o princípio da vossa
matéria pesada.
Vemos claramente que o Fluido Universal
tem que ser um elemento mais imponderável e sutil do que a
nossa matéria. De acordo com a exposição acima,
a matéria escura é mais pesada que a nossa matéria
não podendo, portanto, ser o Fluido Universal. Note que nada
impede que a matéria escura seja formada pela condensação
do Fluido Universal da mesma forma como toda a matéria que
conhecemos.
Energia
Escura:
Na revista Reformador de Agosto e Setembro de 2002, o Dr. Sérgio
Thiesen escreveu um artigo, em duas partes, a respeito da energia
escura [4,5]. Ele propõe que essa
energia seja o Fluido Universal devido ao fato dela ser muito rarefeita
e, portanto, muito sutil, diferentemente da matéria escura.
Apesar de a lógica estar correta já que, como citado
acima, o Fluido Universal é extremamente sutil, outras propriedades
físicas da energia escura não foram analisadas em contrapartida
com as outras propriedades que os Espíritos disseram que o
Fluido Universal deve satisfazer. Vamos transcrever a questão
número 27 de O Livro dos Espíritos
[3]:
27. Há então dois
elementos gerais do Universo: a matéria e o Espírito?
- Sim e acima de tudo Deus, o criador, o pai de todas as coisas.
Deus, espírito e matéria constituem o princípio
de tudo o que existe, a trindade universal. Mas ao elemento material
se tem que juntar o fluido universal, que desempenha o papel de
intermediário entre o espírito e a matéria
propriamente dita, por demais grosseira para que o espírito
possa exercer ação sobre ela. Embora, de certo ponto
de vista, seja lícito classificá-lo como elemento
material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se
o fluido universal fosse positivamente matéria, razão
não haveria para que o espírito também não
o fosse. Está colocado entre o Espírito e a matéria;
é fluido, como a matéria, e susceptível, pelas
suas inumeráveis combinações com esta e sob
a ação do espírito, de produzir a infinita
variedade de coisas de que apenas conheceis uma parte mínima.
Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo
o agente de que o espírito se utiliza, é o princípio
sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de
divisão e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade
lhe dá..(Grifos nossos)
Na frase acima
destacada vemos que uma das propriedades do Fluido Universal é
evitar que a matéria esteja em perpétuo estado de divisão.
Conforme mencionamos na Introdução, o efeito da energia
escura seria o de proporcionar uma aceleração na expansão
do Universo. Expansão é um efeito que faz com que a
matéria se afaste e, por isso, esteja num estado de divisão.
Mesmo sabendo que esse efeito é relativamente pequeno e que
leva milhões de anos para ser percebido, ele constitui-se num
comportamento diferente daquele que os Espíritos disseram que
o Fluido Universal tem, que é o de evitar esse tipo de afastamento.
Por essa razão a energia escura ainda não seria o Fluido
Universal.
Em um recente artigo, da Fonseca [6]
propõe que os cosmologistas espíritas pesquisem e verifiquem
a plausibilidade da idéia do Fluido Universal corresponder
ao elemento (ainda não cogitado) que anularia o efeito do chamado
vácuo quântico. Segundo os físicos [7],
os efeitos do vácuo quântico seriam responsáveis
por fazer com que o Universo se expandisse tão rápido
que ele estaria num perpétuo estado de divisão e afastamento.
Como o Universo não está se expandindo assim, ou a previsão
do efeito do vácuo quântico está errada ou alguma
coisa o está anulando. Como o chamado efeito Casimir [8]
é uma evidência experimental dos efeitos do vácuo
quântico, então a hipótese da existência
de algum elemento, disperso pelo Universo, que anule esse efeito nos
parece ser razoável. Ressaltamos que apenas um cientista, atuante
na área em questão, pode avaliar a validade dessa hipótese,
pois ele é o único capaz de Traduzi-la na linguagem
científica apropriada. Portanto, a lógica da idéia
proposta por da Fonseca, sozinha, não é suficiente para
dizermos que ela é uma comprovação científica
para o Fluido Universal.
Conclusão:
A partir da discussão apresentada aqui concluímos que
nem a matéria escura nem a energia escura correspondem ao Fluido
Universal. Eles são substâncias. Feitas dessa matéria
elementar através de múltiplas condensações
e combinações a que ela está sujeita. Propomos
que os físicos, que sejam espíritas e que sejam especialistas
nessa área busquem estudar e verificar a hipótese espírita
na solução desses problemas de ordem cosmológica.
Cabe mencionar que a existência da matéria e energia
escuras ainda é controversa. No artigo da referência
[2], o autor cita uma proposta alternativa
para explicar os efeitos no movimento das galáxias visíveis
aos telescópios. É proposto que as leis da Gravitação
estejam incompletas e que em certas regiões do Universo, elas
sejam diferentes. Os defensores dessa proposta afirmam que isso solucionaria
o problema do movimento das galáxias sem a necessidade da existência
de uma matéria escura.
O mesmo ocorre com a energia escura. Existem propostas alternativas
para ela [6]. Por isso, é importante
que as pessoas que trabalham profissionalmente em Cosmologia verifiquem
as hipóteses que formulamos.
Assim, reafirmamos um alerta de que a ligação entre
as questões espíritas e a Ciência deve ser feita
com muito cuidado, estudo e pesquisa. Imagine, por exemplo, se no
futuro for demonstrado que a matéria escura realmente não
existe. Qualquer artigo que tenha se baseado nisso para defender alguma
idéia espírita cairá por terra. Isso pode prejudicar
o processo de divulgação do Espiritismo. Com relação
à publicação e divulgação de mensagens
isoladas de alguns espíritos, Kardec diz (19o. Parágrafo
do item II da Introdução do Evangelho Segundo o
Espiritismo [9]): Essa confirmação
(pelo consenso universal) é que se precisa aguardar, antes
de apresentar um princípio como verdade absoluta, a menos se
queira ser acusado de leviandade ou de credulidade irrefletida.. Esse
cuidado vale, também, para as questões de ordem científica.
Ao contrário do que alguns pensam, o Espiritismo não
necessita ser atualizado sob o ponto de vista científico, como
bem apontaram as pesquisas de Chibeni e seus colaboradores [10-14]
(*). Tentativas mal feitas de fazê-lo podem levar o Espiritismo
ao descrédito por parte daqueles que mais entendem de Ciência:
os cientistas.
[1] S. C. Schubert, A matéria escura
do Universo e as constantes universais (2003), Reformador, Setembro,
p. 14.
[2] R. Zorzetto, O lado escuro do Universo (2003), Pesquisa FAPESP,
91, p. 56.
[3] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição,
Rio de Janeiro (1995).
[4] S. Thiesen, A Quintessência do Universo (1a Parte) (2002),
Reformador, Agosto, p. 15.
[5] S. Thiesen, A Quintessência do Universo (2a Parte) (2002),
Reformador, Setembro, p. 11.
[6] A. F. da Fonseca, O fluido universal e as teorias cosmológicas
(2003), FidelidadEspírita, 14 p. 16.
[7] L. M. Krauss, Cosmological Antigravity (1999), Scientific American,
Janeiro, p. 35.
[8] G. J. Maclay, H. Fearn e P. W. Milanni, Of some theoretical significance:
implications of the Casimir effects (2001),
European Journal of Physics, 22, p. 463. Para uma revisão histórica
do efeito Casimir o leitor é referido à: D. L. Andrews
e L.
C. D. Romero, Conceptualization of the Casimir effect (2001), European
Journal of Physics, 22, p. 447.
[9] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 112a.
Edição, Rio de Janeiro (1996).
[10] S. S. Chibeni, A Excelência Metodológica do Espiritismo
(1988), Reformador Novembro, p. 328 e Dezembro, p. 373.
[11] S. S. Chibeni, Ciência Espírita (1991), Revista
Internacional de Espiritismo Março , p.45.
[12] S. S. Chibeni, O paradigma espírita (1994), Reformador
Junho, p. 176.
[13] A. P. Chagas, A Ciência confirma o Espiritismo? (1995),
Reformador, Julho, p.208.
[14] A. P. Chagas, As provas científicas (1987), Reformador,
Agosto, p.232.