Evidências científicas demonstram que o sono estimula
a criatividade. Aqui discutiremos essa questão com base no
Espiritismo.
Os dorminhocos devem estar dormindo um pouco mais tranquilos após
a recente publicação na revista Nature [1,2],
de fortes evidências que sugerem que dormir estimula a criatividade.
Mas a alegria dos dorminhocos preguiçosos não vai muito
longe porque, segundo essa mesma pesquisa, apenas dormir não
é suficiente: é necessário haver esforços
anteriores. Explicaremos essas questões ao longo do texto.
Até então, a idéia
de que o sono estimulava o pensamento criativo era considerada uma
anedota popular [2] principalmente devido
ao relato de alguns grandes cientistas e artistas que disseram ter
tido seus “insights” ou inspirações durante
ou após uma boa noite de sono. Mas, no artigo da referência
[1], um grupo de cientistas alemães
descrevem uma série de experiências criadas e realizadas
por eles, que demonstram os efeitos positivos do sono no aumento daquilo
que chamamos de “insight”, isto é, da percepção
consciente repentina de leis ou regras não conhecidas previamente.
Enfatizamos que tais experimentos não apontam as causas do
aumento na criatividade ou no nível de “insight”.
Eles apenas mostram a correlação
entre dormir e ter “insights”. Assim, neste artigo,
pretendemos discutir uma possível alternativa para a origem
dos “insights” de acordo com o ensinamento dos Espíritos.
Não podemos ainda demonstrar cientificamente, através
desses experimentos, que é o Espírito que está
por trás do fenômeno. Mas podemos verificar que os ensinamentos
espíritas estão de acordo com eles. Podemos ainda nos
motivar a criar experimentos semelhantes para responder outras questões
de interesse como, por exemplo, se os médiuns ostensivos apresentariam
um maior rendimento em “insights” do que as pessoas sem
mediunidade ostensiva. Isso poderia sugerir que os “insights”
podem ter como origem as idéias provindas do plano espiritual
já que médiuns ostensivos são mais sensíveis
a essa “captação”.
No experimento dos cientistas alemães,
os participantes tinham que realizar um tipo de tarefa mental onde
a partir de um determinado grupo de números, eles tinham que
obter corretamente, uma outra sequência de números utilizando
regras pré-estabelecidas. A figura 1 abaixo mostra um exemplo
do teste e apresenta as regras. A resposta final para a tarefa ou
teste é o último número da sequência que
eles tinham que descobrir. Uma das formas de se atingir esse objetivo
final era seguir-se as regras do teste, número por número,
até o final. Também era permitido aos participantes
apresentarem a resposta final a qualquer momento. O que os participantes
não sabiam, era que os pesquisadores sempre apresentavam sequências
iniciais tais que após a obtenção do terceiro
número da nova sequência, usando as regras normais do
teste, este sempre correspondia ao último número e,
portanto, à resposta desejada. O teste, desta forma, podia
verificar quando o participante tinha o “insight” de perceber
que o terceiro número era a resposta exigida.
Para constatar a necessidade daquilo
que os cientistas batizaram de treino vários grupos de pessoas
foram submetidas a um mesmo número de testes em condições
diferentes que descreveremos a seguir. Três grupos de pessoas
realizaram um treino antes de uma bateria de dez testes. Neste treino
todos os participantes fizeram o teste três vezes e, após
um intervalo de oito horas, voltaram a realizar o teste por mais dez
vezes. Um outro grupo realizou de forma direta os treze testes. Dos
três grupos acima, um deles permaneceu acordado durante o dia
nas oito horas de intervalo entre o treino e a bateria de dez testes;
o outro permaneceu acordado durante a noite nas oito horas de intervalo;
e o grupo final dormiu nas oito horas de intervalo. Os resultados
foram bastante significativos. A percentagem dos que tiveram o “insight”
esperado no grupo que dormiu foi de 60%, mais que o dobro da percentagem
daqueles que não dormiram, de dia ou de noite, entre o treino
e a bateria de dez testes finais: 22%. Como não houve diferença
entre o grupo que ficou acordado de dia e o que ficou acordado de
noite o aumento de “insights” no grupo que dormiu não
se deve ao fator descanso dos que dormiram. A proporção
dos que tiveram o “insight” no grupo que não treinou
oito horas antes foi de 25%, portanto, praticamente a mesma dos que
se mantiveram acordados.
Como se pode ver essa experiência
é bem significativa. Não apenas dormir é necessário
mas deve-se treinar antes na tarefa que foi designada. Isso significa
que ninguém deve esperar que vai se tornar gênio após
uma boa noite de sono! É necessário que exista esforço
próprio para que, durante o sono, algo se processe que culmine
com a percepção melhor das soluções dos
problemas.
É de se esperar que nossos
irmãos cientistas busquem na matéria as hipóteses
para esse processamento mental durante o sono. Eles começam
a imaginar que tipo de circuitos neuronais seriam atividados e em
qual fase do sono isso aconteceria para que o “insight”
ocorra [2]. Não estamos aqui para
julgar e sim para desejar-lhes que desvendem cada vez mais os segredos
da máquina humana. E pedimos a Deus que não tarde o
dia em que a humanidade reconheça o espírito imortal
comandando-a.
Figura 1: Teste de
Redução Numérica (TRN) ilustrado por um exemplo.
Em cada teste uma sequência diferente de números é
apresentada. Cada sequência é composta de três
dígitos como ‘1’, ’5’ e ‘8’
no exemplo acima. Para cada sequência, os participantes tem
que determinar o dígito definido como “Resposta final”
(em vermelho). Isso pode ser realizado a partir do processamento dos
dígitos de acordo com duas regras simples iniciando pelo dígito
da esquerda e indo em direção ao da direita. A primeira
é a regra do mesmo número que diz que o resultado de
dois dígitos idênticos é o próprio dígito.
Por exemplo, ‘1’ e ‘1’ resulta em ‘1’
como na resposta 1 na figura. A segunda é a regra do número
diferente que diz que o resultado de dois dígitos diferentes
é o terceiro dígito. Por exemplo, ‘1’ e
‘5’ resulta em ‘8’, como na resposta 2. Após
a primeira resposta, as comparações são feitas
entre o resultado anterior e próximo dígito da sequência
inicial. A sétima resposta indica a solução final
exigida, a ser confirmada pelo participante através de um botão
diferente. As instruções dizem que apenas a solução
final (a resposta final na figura) é que tem que ser determinada
e que isso pode ser feito em qualquer momento.
Enquanto isso, nós que tivemos
a oportunidade de ter a luz dos ensinamentos dos espíritos,
podemos, sem perda de seriedade, analisar a questão sob o aspecto
doutrinário. No assunto em questão, o Livro
dos Espíritos apresenta um capítulo inteiro
sobre a emancipação da alma (cap. VIII
da parte segunda do Livro dos Espíritos [3],
questões 400 a 455). Vamos comentar algumas dessas questões.
Na extensa resposta dos espíritos
à questão número 402, destacamos a frase: “Numa
palavra: o sono influi mais do que supondes na vossa vida”.
Os cientistas acabaram de demonstrar mais uma boa influência
do sono. Mas os espíritos disseram também que “Graças
ao sono, os Espíritos encarnados estão sempre em relação
com o mundo dos Espíritos”. Portanto uma hipótese
bastante plausível é que idéias para a resolução
dos nossos problemas cotidianos se originem dos amigos espirituais.
Lembramos que isso não significa que devemos cruzar os braços
e dormir esperando a solução de todos os nossos problemas.
Se faz necessário a existência de um grande esforço
de nossa parte em resolvê-los de modo a criar em nossa mente
as idéias e subsídios para que os espíritos possam
nos ajudar sem interferir no nosso livre arbítrio e mérito
da descoberta e da escolha. Como vimos, seja qual for o mecanismo
psíquico por trás dos “insights”, por ocasião
do sono, ele depende do esforço prévio.
Na questão 417 do Livro dos
Espíritos [3] Kardec pergunta
se os espíritos encarnados podem se reunir em assembléias
durante o sono e os espíritos respondem que sim e que “Ao
despertar, guardamos intuição das idéias que
haurimos nesses colóquios...” Um pouco adiante, na questão
419, os espíritos confirmam que é pela emancipação
da alma através do sono, que várias pessoas de lugares
bem distantes podem ter idéias semelhantes ao mesmo tempo,
sem nunca terem trocado um telefonema que seja (ou um “e-mail”
que está mais na moda hoje).
Além disso, as questões
402, 410, 460 e 462 do Livro dos Espíritos [3]
oferecem, com precisão, uma proposta espírita para a
questão sobre ter idéias ou “insights”.
Transcreveremos as seguintes palavras dos espíritos:
402. Como podemos julgar da liberdade
do Espírito durante o sono?
“Pelos sonhos. Quando o corpo repousa, acredita-o, tem o Espírito
mais faculdades do que no estado de vigília. Lembra-se do passado
e algumas vezes prevê o futuro. Adquire maior potencialidade
e pode por-se em comunicação com os demais Espíritos,
quer deste mundo, quer do outro. (...).”
410. Dá-se também que,
durante o sono, ou quando nos achamos apenas ligeiramente adormecidos,
acodem-nos idéias que nos parecem excelentes e que se nos apagam
da memória, apesar dos esforços que façamos para
retê-las. Donde vêm essas idéias?
“Provêm da liberdade do Espírito que se emancipa
e que, emancipado, goza de suas faculdades com maior amplitude. Também
são, freqüentemente, conselhos que outros Espíritos
dão.”
460. De par com os pensamentos que
nos são próprios, outros haverá que nos sejam
sugeridos?
“Vossa alma é um Espírito que pensa. Não
ignorais que, freqüentemente, muitos pensamentos vos acodem a
um tempo sobre o mesmo assunto, não raro, contrários
uns dos outros. Pois bem! No conjunto deles, estão sempre de
mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em que vos
vedes. É que tendes em vós duas idéias a se combaterem.”
462. É sempre de dentro de
si mesmos que os homens inteligentes e de gênio tiram suas idéias?
“Algumas vezes, elas lhes vêm do seu próprio Espírito,
porém, de outras muitas, lhes são sugeridas por Espíritos
que os julgam capazes de compreendê-las e dignos de vulgarizá-las.
Quando tais homens não as acham em si mesmos, apelam para a
inspiração. Fazem assim, sem o suspeitarem, uma verdadeira
evocação.”(Grifos em negrito
nossos)
Inferimos tanto pela forma das questões
formuladas por Kardec quanto pelas respostas dos espíritos
que ter idéias ou “insights” não significa,
apenas, que elas tenham que ser provenientes de outros espíritos.
Uma vez que estamos um pouco mais libertos dos laços da matéria
e que recobramos parcialmente as faculdades mais elevadas do espírito,
teremos uma visão mais ampla dos problemas que estamos vivenciando
e isso pode permitir que as soluções pensadas e meditadas
pelo espírito, durante o estado de emancipação
da alma, podem vir à tona em nossa consciência, quando
estamos no estado de vigília, gerando a sensação
de “insight”.
Antes de concluirmos, gostaríamos
de citar, também, a seguinte questão do Livro dos Espíritos
[3]:
24. Espírito é sinônimo
de inteligência?
“A inteligência é um atributo essencial do Espírito.
Uma e outro, porém, se confundem num princípio comum,
de sorte que, para vós, são a mesma coisa.”
Sendo a inteligência um atributo
essencial do espírito então não é o cérebro
que origina o “insight”. Seja da forma que for, o
processo psíquico que culmina com o “insight” tem
origem no espírito e não no cérebro,
respondendo à questão formulada no título deste
artigo. Em nossa análise, propomos que a origem dos “insights”,
de acordo com a Doutrina Espírita, advém do fenômeno
de emancipação da alma através do sono. A alma,
gozando de mais amplas faculdades, seja através de uma melhor
visão dos seus problemas ou seja através dos contatos
com os espíritos superiores, pode obter as respostas para as
questões que lhe interessam. Essa proposta, que não
constitui novidade alguma para os espíritas, não entra
em conflito e constitui uma perfeita explicação para
as experiências dos cientistas alemães que demonstraram
que o sono estimula ou promove a criatividade ou o surgimento de “insights”.