A fábula conhecida pelo nome "A
História dos Três Porquinhos" foi divulgada
por Joseph Jacobs em 1853 (1).
Ela conta a estória de três porquinhos chamados Prático,
Heitor e Cícero que decidiram sair da casa da mãe
e construir suas próprias casas. A fábula também
descreve um lobo que desejava comê-los. Cícero, considerado
o mais preguiçoso, construiu sua casa com palha e lama; Heitor
construiu sua casa de madeira, mas sem pregos; e Prático
construiu uma casa de tijolos e cimento, bem mais segura do que
as casas dos seus irmãos. Como sua casa demorava mais tempo
para ser construída, Prático via seus irmãos
brincarem e se divertirem enquanto ele se esforçava no trabalho
de construção de sua casa.
Quando o lobo veio atrás deles, primeiro
foi até a casa de Cícero e com um sopro forte, derrubou
sua casa. Enquanto Cícero corria, o lobo foi até a
casa de Heitor e, novamente, com um sopro forte, derrubou sua casa.
Heitor e Cícero correram para a casa de Prático que,
por ser de alvenaria, não foi derrubada pelo sopro do lobo.
Conta a fábula, que o lobo ainda tentou entrar pela chaminé,
porém Prático deixou a lareira acesa e um caldeirão
com água fervente. O lobo então, desistiu de pegar
os três porquinhos.
A moral dessa história pode ser resumida assim: o esforço
no trabalho bem feito e a busca pelo aprimoramento são recompensados
com a segurança, a felicidade e a preservação
da vida. Nossa intenção aqui é comparar essa
ideia com a postura de nós espíritas perante o estudo
da Doutrina Espírita. Diante das provações
que a vida apresenta, qual o nosso preparo para reagir com segurança
perante elas?
O Espiritismo é uma doutrina cristã que levanta o
véu sobre a existência e sobrevivência da alma,
a comunicação com os ‘mortos’ e, com base
em fatos e na luz da razão, esclarece a mensagem de Jesus.
É, assim, um forte auxiliar para o avanço moral da
Humanidade (2).
Para que o Espiritismo promova o avanço da Humanidade, é
necessário estudá-lo profundamente.
Com relação à profundidade no estudo do Espiritismo,
podemos discernir três tipos de espíritas: o espírita
de superfície; o espírita pseudo-científico;
e o espírita refletido. O primeiro, só conhece
o Espiritismo de cursos iniciais que assistiu em um Centro Espírita,
de palestras que assiste eventualmente, ou de leitura de romances.
O segundo, embora conhecedor dos princípios espíritas,
tem predileção por questões científicas
sem contudo aprofundá-las devidamente. Tem hábito
de fazer relações diretas e superficiais entre conceitos
da ciência e do Espiritismo. O terceiro, por fim, é
aquele que não se contentando com cursos e palestras, permanece
em constante estudo do Espiritismo, sempre lendo as obras básicas
e participando de grupos de estudo. Perante as novidades, age com
prudência como recomenda o Espiritismo. Em analogia com a
fábula dos três porquinhos, descrevemos a seguir como
cada espírita, dos três tipos acima, “constrói”
sua vida.
O espírita de superfície não é
necessariamente uma pessoa má. Como todos nós, quer
ser feliz e pensa ter encontrado no Espiritismo uma forma de se
libertar de dores e dificuldades. Após sentir-se bem pela
ajuda fluídica que recebe através do passe ou da presença
em ambientes equilibrados de um bom centro espírita, crê
que já aprendeu tudo de Espiritismo e não precisa
fazer mais do que frequentar cursos, palestras e passes. Tem noção
de que somos Espíritos encarnados; tem alguma ideia sobre
a reencarnação e a justiça divina; acredita
em Deus; acredita na possibilidade de comunicação
com os Espíritos ou sente isso em si mesmo se tem mediunidade
ostensiva. Mas, como faltam-lhe o estudo aprofundado dos conceitos
espíritas; dos exemplos de casos nas obras básicas;
das bases científicas e filosóficas dos principais
conceitos espíritas, bem como do seu alcance moral; da importância
do cuidado com as mensagens e novidades; etc, o espírita
de superfície é uma pessoa que age assim: faz
uso de práticas não-espíritas como se benzer,
usar amuletos, etc, para garantir segurança; tem medo de
obsessores; toma passe regularmente; inveja a posição
de destaque de médiuns e dirigentes do movimento espírita;
se melindra com críticas e recomendações para
mais estudos; não policia seus pensamentos, palavras e atos
na vida cotidiana; se encanta com obras mediúnicas alarmantes
e espalhafatosas; supervaloriza fenômenos espiritualistas
de cura ou de efeitos físicos; supervaloriza conselhos de
médiuns; etc.
O espírita pseudo-científico também
é pessoa boa, com intenções de progresso e
crescimento como todos nós, mas que acredita que é
preciso contribuir com algo excepcional pelo progresso da Humanidade.
Reconhece o valor do Espiritismo como verdade espiritual, como orientação
cristã, mas pensa que o Espiritismo está ficando para
trás, em comparação com outras doutrinas espiritualistas
e com a ciência. Estuda o Espiritismo de modo mais aprofundado
que o espírita de superfície, mas abrigou a ideia
de que o Espiritismo é pequeno, fraco ou incapaz de auxiliar
a Humanidade em nossa época atual. Difícil determinar
todas as razões desse tipo de pensamento, mas pode decorrer
do orgulho de querer ser um grande colaborador da causa espírita
ou do bem de todos. Na verdade, falta ao espírita pseudo-científico
o conhecimento mais profundo sobre o que é o Espiritismo
e o valor de suas bases. Falta, também, conhecimento real
e profissional do significado dos conceitos de Ciência e Filosofia.
Assim, acredita possuir conhecimento científico e filosófico
profundos o bastante para ver erros no Espiritismo e implementar
novos conceitos e práticas no movimento espírita.
Justifica suas ideias inovadoras com as palavras de Kardec no item
55 do cap. I de A Gênese (3),
de que o Espiritismo “assimilará sempre todas as
doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam...”
sem se dar conta da ressalva que Kardec fez ao dizer logo em seguida:
“... desde que hajam assumido o estado de verdades práticas
e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele [o Espiritismo]
se suicidaria.” Enfim, o espírita pseudo-científico
é uma pessoa que age assim: procura e valoriza mais os erros
do que os acertos nas obras básicas da codificação;
considera racionais descrições místicas de
conceitos espíritas; valoriza obras mediúnicas acima
das obras básicas do Espiritismo; se encanta com comparações
entre conceitos da Ciência e conceitos espíritas; supervaloriza
fenômenos de cura ou de efeitos físicos; considera
ortodoxo e antiquado aquele que destaca o valor o Espiritismo; avalia
novidades pelo nome ou títulos acadêmicos de seus Autores;
não recebem com humildade as críticas ao que escrevem
ou falam.
O espírita refletido é uma pessoa como todos
nós, que tem seus problemas, suas provações,
virtudes e fraquezas. Também quer ser feliz e encontrou no
Espiritismo um caminho para chegar à paz e à felicidade
almejadas. Mas, o espírita refletido descobriu que
o tesouro do Espiritismo está na compreensão do que
ele ensina, mais do que no aspecto exterior de suas práticas
e atividades. Descobriu que o Espiritismo só pode lhe ajudar
se ele o incorporar em “espírito e verdade”.
Não se contenta com o nível de estudo de cursos e
palestras iniciais. Decidiu se aprofundar no conhecimento do Espiritismo.
Para isso, o espírita refletido lê e relê,
sempre que pode, as obras básicas, aprimorando sempre a compreensão
daquilo que lê. Participa, sempre que pode, de grupos de estudo
do Espiritismo. Busca observar como aplicar na própria vida
tudo o que aprende com o Espiritismo. Mantém sempre a reflexão
sobre os conceitos espíritas perante fatos do cotidiano que
acontecem com ele ou com outrem. Compreende que estudar sempre para
compreender mais e melhor é uma forma de caridade
já que estará se capacitando para ajudar mais e melhor.
Sente admiração perante o avanço dos conhecimentos
humanos, mas só se aventura a explorar relações
entre Ciência, Filosofia e Espiritismo, na medida em que pode
estudar essas áreas muito além das obras de divulgação.
Valoriza o Espiritismo não porque “os outros dizem
isso”, mas porque analisa o significado dos conceitos espíritas
tanto de modo isolado quanto em comparação com o conjunto
dos conceitos espíritas, buscando perceber a harmonia, coerência
e consistência da codificação. Estuda a história
do Espiritismo e a forma como Kardec lidou com os fenômenos
e ensinos dos Espíritos para avaliar com segurança
a solidez dos princípios espíritas. O espírita
refletido se esforça para viver as características
do verdadeiro “homem de bem” (item 3 do capítulo
XVII do Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE)(4))
com consciência de que “Bem compreendido, mas sobretudo
bem sentido, o Espiritismo leva aos resultados acima expostos, que
caracterizam o verdadeiro espírita, como o cristão
verdadeiro, pois que um o mesmo é que outro.”
(item 4, cap. XVII do ESE).
O que poucos percebem, é que o espírita refletido
está muito mais perto de merecer o título de *verdadeiro
espírita* porque, mais que os outros, **sabe** das razões
para promover a sua “transformação moral”,
o que fortalece seu desejo de envidar todos os “esforços”
possíveis “para domar suas inclinações
más” (idem ESE).
Apresentemos, agora, a fábula dos três espíritas,
em comparação com a fábula dos três porquinhos.
O espírita de superfície se identifica com
o Cícero; o espírita pseudo-científico
com o Heitor; e o espírita refletido com o Prático.
O lobo, figura considerada malévola na fábula, representa
de um lado as influências negativas de encarnados e desencarnados,
mas também pode representar as provas e expiações
que a vida nos apresenta. Nesse último caso, não há
maldade, mas pode haver sofrimento como decorrência dessas
provações.
Como Cícero, o espírita de superfície
constrói sua vida em bases frágeis, com conhecimento
limitado sobre o significado tanto da vida, de si mesmo, dos outros
e das provações. Ao primeiro sopro das tentações,
desilusões, decepções, e todos os males que
o nosso mundo ainda comporta, “a casa cai”, isto é,
o conjunto de crenças formadas pelo espírita de
superfície não é capaz de abrigá-lo,
protegê-lo, acalmá-lo e apaziguá-lo, frente
as provações e ao convite do mal para a fuga, para
as drogas, para a violência, ou para o desespero.
Como Heitor, o espírita pseudo-científico
constrói sua vida em bases um pouco menos frágeis
do que Cícero, porque conhece melhor a mensagem do Espiritismo.
Na fábula dos três porquinhos, é dito que Heitor
não utiliza pregos(1)
que manteriam robusta a estrutura de sua casa frente à ação
do lobo. O espírita pseudo-científico incorpora
em sua “casa mental”, novidades e práticas sem
o devido reforço que só o aprofundamento no conhecimento
dos conceitos espíritas e conceitos científicos/filosóficos
poderia fornecer, assim como o “prego” que faltou na
casa do Heitor, manteria unidas e resistentes as partes da estrutura
de sua casa. Por desconhecer a validade real das ideias que abriga,
as atividades que adota não estarão 100% coerentes
e condizentes com as leis naturais, materiais e espirituais. O “prego”
que faltou na casa do Heitor é como a “fé raciocinada”
ensinada pelo Espiritismo: ela fornece segurança e confiança
naquilo que cremos. Perante os sopros das tentações
e desilusões da vida, dos convites às práticas
exteriores de culto, etc, a estrutura aparentemente brilhante dos
conceitos científicos misturados aos conceitos espiritualistas
não permite a compreensão simples e verdadeira do
Evangelho, nem oferece recursos para reerguimento, já que
como ensina o Espiritismo só a fé raciocinada, é
capaz de encarar a razão em todas as épocas da humanidade.
Como o Prático, o espírita refletido constrói
sua vida em bases completamente seguras. Compreende que o propósito
da vida é o progresso espiritual e este só se faz
pelo trabalho que elabora a inteligência, pela caridade que
elabora o sentimento, e pelo estudo e meditação que
concilia ambas as asas que elevam o homem em sabedoria. Perante
os sopros do mal ou das provações, o espírita
refletido estará preparado para reagir de modo cristão,
para se levantar e seguir a diante com a dignidade e o sentimento
do dever sempre cumprido. A paz e a felicidade naturalmente surgem
na fronte daquele que se dedica ao bem porque **sabe** pelo Espiritismo,
que esse é o caminho do crescimento. Como o mal nunca desiste
e tenta achar brechas para nos influenciar, como o lobo que tenta
adentrar a casa do Prático pela chaminé, o espírita
refletido mantém acesa tanto a chama do estudo quanto
da vigilância com relação a seus pensamentos
e atos, pois **sabe**, pelo Espiritismo, que são essas provações
que trabalham e moldam, dentro de nós, o sentimento maior
do Amor.
Nós espíritas devemos analisar essa fábula
sem tentar identificar, de modo absoluto, em qual dos três
tipos de espíritas nós nos encontramos. Na verdade,
todos nós temos um pouco dos três tipos de espírita.
Como estamos longe da perfeição, todos temos um pouco
da preguiça do espírita de superfície,
do orgulho do espírita pseudo-científico,
e do desejo sincero de crescimento espiritual do espírita
refletido. Precisamos incentivar o que for bom e combater o
que for mal, nos esforçando por incorporar mais e mais as
características do espírita refletido que reflete
o verdadeiro espírita e, por consequência, o verdadeiro
cristão.
Há um detalhe importante na fábula dos três
porquinhos que não é muito comentado. Após
o lobo derrubar suas casas, tanto o Cícero quanto o Heitor
correram para a casa do Prático e lá ficaram com ele
protegidos do lobo. Isso acontece conosco também. Quando
percebemos que nosso comportamento como espíritas ainda está
aquém do ideal, ou quando provações maiores
batem a nossa porta, façamos como Cícero e Heitor
e não tenhamos vergonha nem receio de buscar aquilo que é
mais seguro e nos abrigará dos males que, no caso, é
a busca pelo estudo aprofundado do Espiritismo. Se conhecer e estudar
o Espiritismo não fosse importante, Emanuel não teria
dito(5)
que “o Espiritismo nos solicita uma espécie permanente
de caridade – a caridade da sua própria divulgação.”
Alexandre Fontes da Fonseca
– Campinas – SP