Dados
de pesquisas na área social mostram que as
teorias atuais sobre o bem-estar em Psicologia e Economia
falham na descrição dos resultados.
Uma nova proposta teórica busca interpretar
a felicidade em termos de valores mais duradouros.
Tais dados comprovam a assertiva dos espíritos
e do Evangelho de que os bens materiais não
trazem felicidade.
1. INTRODUÇÃO
Recentemente, numa das revistas científicas mais importantes
do mundo, a Proceedings of The National Academy of Sciences of
The USA, um artigo interessantíssimo foi publicado sobre
a felicidade [1]. O
autor, com base em dados de levantamentos sociais sobre os aspectos
determinantes do bem-estar e felicidade de vários grupos de
cidadãos dos Estados Unidos, questiona duas correntes teóricas
atuais sobre essa questão. O chamado modelo do ponto fixo,
pertencente à Psicologia, diz que as circunstâncias da
vida alteram o nível de felicidade de um indivíduo apenas
temporariamente. Isso significa que em pouco tempo ele retorna ao
seu ponto fixo normal de felicidade. A outra teoria, conhecida pela
idéia do mais é melhor, é chamada de preferência
revelada, ou algo que diz respeito as opções e desejos
de adquirir bens de cada pessoa.
Neste artigo pretendemos comentar o assunto verificando que um
passo significativo foi dado pela ciência em direção
daquilo que o Espiritismo ensina sobre a felicidade.
Os dados foram obtidos de levantamentos realizados nos Estados Unidos
com questões do tipo “como você diria que a sua
vida está hoje – você diria que você está
‘muito feliz’, ‘razoavelmente feliz’ ou ‘não
muito feliz’?” A cada uma dessas respostas é atribuído
um número (3 para muito feliz, 2 para razoavelmente feliz e
1 para não muito feliz). Após analisar todas as respostas,
uma média era calculada em função de grupos ou
tipos de pessoas, como diferentes faixas etárias, sexo, estado
de saúde, estado civil, etc. Apesar das respostas a esse tipo
de questão, de forma isolada, serem incompletas ou carregarem
erros, quando realizadas com um grande número de pessoas e
periodicamente, revelam informações bastante confiáveis,
conforme dizem os especialistas [1].
Primeiramente, apresentaremos os pontos básicos das duas teorias
atuais, mencionadas acima. Lembramos que não existe unanimidade
dentre os cientistas de ambas as áreas e que elas refletem
as tendências em cada disciplina.
Em Psicologia, a tendência atual é a chamada
“teoria do ponto fixo” que diz que cada indivíduo
possui um ponto fixo de felicidade ou bem-estar devido tanto às
características genéticas quanto à personalidade.
Eventos e circunstâncias da vida como casamento, perda de emprego
ou lesões sérias e doenças podem defletir uma
pessoa acima ou abaixo do seu ponto fixo mas após um período
de tempo conhecido como adaptação hedônica ele(a)
retornará ao ponto fixo inicial. Adaptação hedônica
significa a perda de entusiasmo quando algo excita o indivíduo
ou o ganho de ânimo quando algo o entristece. Segundo essa teoria,
nada pode contribuir para uma melhora ou piora na satisfação
de vida de cada indivíduo.
Em Economia, acredita-se que as circunstâncias
da vida e, especialmente, o aumento da renda financeira possuem efeitos
duradouros na felicidade de um indivíduo. Eles preferem não
entrar no mérito sobre os estados subjetivos da mente e discutem
essa teoria apenas em termos de comportamentos observados.
Segundo a teoria da preferência revelada uma pessoa pode melhorar
o seu bem-estar aumentando sua renda financeira. Os economistas reconhecem
que a felicidade depende de uma série de fatores mas eles acreditam
que o aumento da renda financeira leva a um aumento na felicidade.
2. DISCUTINDO OS DADOS DA
PESQUISA
Não é difícil perceber o caráter
completamente materialista dessas duas correntes de pensamento.
Elas refletem dois limites. Um é o limite materialista genético.
O outro é o limite materialista do consumismo. Sabemos, como
espíritas, que ambas as direções são equivocadas.
Porém, no trabalho da referência [1]
o autor apresenta e demonstra que os dados sociais experimentais revelam
que nenhuma das duas teorias se verifica de uma forma geral. É
importante lembrar que essas análises dizem respeito à
médias estatísticas sobre todas as pessoas entrevistadas.
Existem os desvios da média que representam as diversidades
na personalidade humana. No entanto, a média reflete
o comportamento da maioria e por isso ela é considerada um
importante fator. Vamos apresentar um resumo desses resultados que
contradizem as duas teorias acima.
A primeira questão respondida pelos dados experimentais é
se existe, de fato, um ponto fixo de felicidade para o qual retornamos
independente das circunstâncias da vida. A resposta é
não. Os primeiros dados apresentados em [1]
comparam as respostas sobre a felicidade de pessoas com algum tipo
de deficiência com o de pessoas saudáveis. Segundo Easterlin
[1], autor do artigo, a satisfação
de vida é, em média, significativamente mais baixa naqueles
que possuem deficiências do que naqueles que são normais.
Além disso, a pesquisa foi feita levando-se em conta o grau
de severidade da deficiência e, em todos os casos, a felicidade
era menor para aqueles com mais sérios problemas. Apesar de
podermos dizer que tanto uma vida com satisfação promove
boa saúde (a antiga filosofia do mente sã corpo são)
e vice-versa, os estudos mostram que a falta de saúde leva
à infelicidade. Logicamente, como mencionado em [1],
existem adaptações às deficiências que,
com o tempo, amenizam o sofrimento. Mas segundo os dados, prevalece
um efeito negativo duradouro na felicidade quando a saúde é
afetada.
De outro lado, dados sobre a felicidade daqueles que são casados
e daqueles que são solteiros, separados e viúvos, foram
analisados na pesquisa. Apesar do casamento ser usado como um exemplo
de circunstância da vida que demonstra a teoria do ponto fixo,
os dados revelam outras conclusões. Quando os dados são
analisados de acordo com a idade, a média do nível de
felicidade das pessoas com idade de 18 e 19 anos (cuja maioria ainda
não se casou) é menor do que a das pessoas com idade
de 28-29 anos. Um dado interessante é que a diferença
entre os níveis de felicidade permanece os mesmos quando as
idades são ainda maiores. As comparações entre
os diferentes grupos revelam que o nível de felicidade, em
média, não diminui com a duração do casamento.
Esse dado é muito interessante e mostra justamente o contrário
do que muitas pessoas dizem sobre a as dificuldades da vida de casado.
Esses dados mostram que o nível de felicidade não foi
revertido ao nível inicial como sugere a teoria do ponto fixo.
Da mesma forma como o casamento afeta a felicidade, a dissolução
do casamento também traz um impacto negativo duradouro. É
interessante observar que o nível de felicidade do grupo cujo
casamento terminou por qualquer razão, é menor do que
o daqueles que não se casaram. Mais uma vez isso mostra a falha
da teoria do ponto fixo. Em resumo, o volume de dados sugere que a
formação de uniões matrimoniais promove um aumento
positivo e duradouro no nível de satisfação ou
felicidade enquanto que a dissolução da união
resulta em um efeito negativo permanente.
“Mais é melhor?” Voltando à teoria da área
econômica, o problema básico com a teoria da preferência
revelada é que o julgamento do nível de felicidade de
uma pessoa só pode ser feito por ela mesma e não pode
ser inferida a partir do que ela consome [1].
A questão, então, é se os dados suportam a idéia
de que a renda financeira e a felicidade crescem juntas. Num ponto
de vista imediato, existe uma associação entre renda
financeira e felicidade. Mas analisando ao longo de ciclos de vida,
os dados mostram que o aumento da renda financeira não altera
o nível de felicidade contradizendo a teoria econômica.
O problema ocorre porque com relação aos bens de consumo
a adaptação hedônica funciona perfeitamente como,
por exemplo, o entusiasmo que se reduz com um objeto novo após
um certo período de tempo. Isso, inclusive, é usado
para defender a teoria do ponto fixo que, como vimos, falha quando
outros aspectos, como a saúde, são analisados. Uma outra
razão para esse problema é a questão da comparação
social. As pessoas são levadas a pensar que a utilidade de
certos bens depende dos bens de outras pessoas.
Segundo Easterlin [1], toda essa
questão envolve os conceitos de aspiração e adaptação.
Em tese, uma adaptação completa implica em que as aspirações
se alteram com a mesma velocidade com que as circunstâncias
atuais de cada indivíduo alteram. Isto apenas parece ser o
que acontece devido às alterações na renda financeira.
Porém, as aspirações materiais aumentam muito
mais do que o aumento da renda financeira e, como resultado, o indivíduo
se torna cada vez mais longe dos seus objetivos materiais (porque
vive criando novos objetivos), fazendo com que o bem-estar desejado
nunca seja atingido. Num outro tipo de experiência com questões
sobre o tipo de coisas que as pessoas pensam proporcionar uma vida
boa e quais delas elas possuem, foi possível perceber e demonstrar
que as aspirações crescem proporcionalmente ao número
de itens que elas já possuem. Como a renda financeira não
aumenta na mesma proporção dos bens já adquiridos,
ocorre o desbalanço entre aspiração e adaptação
culminando com a falta de bem-estar.
3. OS PRIMEIROS PASSOS DA
CIÊNCIA
Acreditamos ter ficado claro, após a apresentação
dos resultados da pesquisa do Prof. Easterlin, que a felicidade não
depende dos fatores genético e de personalidade nem, muito
menos, ela pode ser adquirida com a obtenção de um bem
de consumo. Portanto, a felicidade não está nas coisas
materiais. Mas, isso, nós espíritas já sabíamos
a muito tempo. Vejamos, como exemplo, o primeiro parágrafo
da mensagem de François-Nicolas-Madeleine em Instruções
dos Espíritos, ítem 20, capítulo V de O Evangelho
Segundo o Espiritismo [2]:
“Não sou feliz! A felicidade
não foi feita para mim! exclama geralmente o homem em todas
as posições sociais. Isso, meus caros filhos, prova,
melhor do que todos os raciocínios possíveis, a verdade
desta máxima do Eclesiastes: "A felicidade não
é deste mundo."Com efeito, nem a riqueza, nem
o poder, nem mesmo a florida juventude são condições
essenciais à felicidade. Digo mais: nem mesmo reunidas essas
três condições tão desejadas, porquanto
incessantemente se ouvem, no seio das classes mais privilegiadas,
pessoas de todas as idades se queixarem amargamente da situação
em que se encontram.”
Antes de apresentarmos nossas conclusões
finais, vamos analisar a proposta científica de Easterlin [1].
O ponto central de sua teoria é que tanto a adaptação
hedônica quanto a comparação social operam de
forma idêntica em todos os domínios de circunstâncias
da vida. A adaptação hedônica é
menos completa com relação a circunstâncias familiares
e à saúde do que com bens de consumo. O autor sugere
que a comparação social é também menos
completa com relação à vida familiar e saúde
do que com relação aos bens de consumo já que
os primeiros são menos acessíveis ao olhar público
do que bens materiais. Ainda com relação a bens materiais,
um trabalho é citado (ver citações em [1])
que diz que bens culturais como músicas, literatura, arte,
são menos sujeitos à adaptação hedônica
do que bens de “conforto” como casas e carros.
Segundo Easterlin, a felicidade de um indivíduo poderia ser
maximizada se ele direcionar seu tempo aos domínios de circunstâncias
da vida em que a adaptação hedônica e a comparação
social são menos completas. O que tem acontecido, no entanto,
é que as pessoas têm alocado grande parte de seu tempo
em obter rendas financeiras que permitem adquirir bens materiais e
se preocupam pouco com as coisas que realmente possuem um efeito mais
duradouro no bem-estar. Este engano ocorre, segundo o autor, pelo
fato de que as pessoas, ao decidirem o que fazer com o seu tempo,
levam em conta as aspirações que elas pensam serem fixas
no tempo e falham em perceber que as aspirações mudam
por causa dos efeitos da adaptação hedônica e
da comparação social, que no caso de bens materiais,
agem de forma mais completa. Como resultado, as pessoas gastam um
enorme tempo e esforço em “ganhar dinheiro” e sacrificam
a vida familiar e a saúde que são os domínios
em que as aspirações permanecem mais constantes e onde
a obtenção dessas aspirações gera impactos
mais duradouros na felicidade. A proposta de Easterlin é
que as pessoas destinem mais tempo em favor da vida familiar e da
saúde aumentando, assim, a média no nível de
felicidade.
Outras circunstâncias da vida como, amizade e
trabalho também afetam a felicidade e não
foram analisadas aqui porque as pessoas que realizaram o experimento
de pesquisa citaram mais as questões materiais como fonte de
felicidade. Isso reflete, de certa forma, o nível de engano
e o apego ainda existente às coisas materiais. Isso revela,
também, o enorme campo de trabalho na educação
moral das pessoas rumo a verdadeira felicidade.
4. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Essas pesquisas não têm intenção de revelar
aspectos religiosos. Mas é surpreendente vermos que, mesmo
aos poucos, a ciência caminha em direção à
verdades comumente ensinadas pela maioria das religiões. Já
tivemos a oportunidade de comentar dois trabalhos sobre pesquisas
na área de Matemática que levam à interessantes
conclusões morais [3,4].
Apesar de não entrar no mérito religioso, um ponto muito
importante merece destaque no estudo do Prof. Easterlin. Em
sua proposta teórica, ele situa a felicidade como ligada àquilo
que tem valor mais duradouro. Tanto a saúde quanto
as questões familiares são, do ponto de vista material,
circunstâncias da vida que mais tem valor em termos de um período
mais longo de tempo. Ficamos imaginando o que o Homem não ganhará
em qualidade de vida quando perceber que a vida continua e que ela
é um dos bens mais preciosos e duradouros que dispomos. Que
paraíso a Terra vai se tornar um dia quando os Homens perceberem
que o Amor verdadeiro é o bem mais precioso e duradouro que
podemos oferecer e receber. Sugerimos o estudo da questão número
918 de O Livro dos Espíritos [5]
e os itens 3 e 4 de O Evangelho Segundo o Espiritismo [2]
sobre o “homem de bem”. Relacionado ao tema deste artigo,
encontramos o capítulo XVI de O Evangelho Segundo o Espiritismo
[2], “Não se pode servir
a Deus e a Mamon”, que apresenta uma importante discussão
sobre os bens que verdadeiramente terão valor na vida espiritual.
Sugerimos também a leitura do artigo da referência [6]
sobre a felicidade segundo o Espiritismo.
Se, aparentemente, as religiões têm tido dificuldades
em esclarecer a humanidade quanto a essas verdades duradouras, ficamos
particularmente felizes em saber que, aos poucos, elas estão
ganhando um novo aliado: a Ciência.