O entusiasmo é sempre natural em
quem faz novas descobertas. Mas é preciso amadurecer a forma
como elas são apresentadas à comunidade espírita,
pois temos responsabilidades em trabalhar o avanço do espiritismo
de modo sério e de acordo com o exemplo de Kardec, que agiu
conforme a ciência.
Isso não é desrespeito
aos que apresentam descobertas, mas uma forma madura e científica
de validá-las se forem corretas, e esclarecê-las se estiverem
equivocadas, limitadas ou incompletas. Afinal, esse é o sentido
da fé raciocinada.
É verdade que parte do movimento
espírita vem clamando por atuar com menos excessos no caráter
religioso e mais presença dos aspectos filosófico e
científico, mas aceitar descobertas sem analisá-las
de modo científico é semelhante a aceitar também
a infalibilidade do conteúdo oriundo de médiuns ou Espíritos.
A forma segura, madura e séria
de desenvolver o caráter progressivo do espiritismo é
trabalhar de modo similar ao científico e com respaldo doutrinário.
Assim, vale lembrar e colocar em prática os pontos fundamentais
destacados por Allan Kardec. Eles são conceitos e procedimentos
básicos que continuarão a dar ao espiritismo a devida
autoridade como “ciência de observação”
e “doutrina filosófica com consequências morais”1.
Sabemos que por sua própria
natureza, o espiritismo é progressivo. Esse progresso, porém,
não ocorrerá sem critérios. Afirma Kardec em
A Gênese (capítulo 1, item 55) que “uma
última característica da revelação espírita
é que ela é essencialmente progressiva, como todas as
ciências de observação. (...) O espiritismo, assim,
só estabelece como princípio absoluto o que está
demonstrado com evidência, ou o que resulta logicamente da observação.”.
Destaca também Kardec no item
14 da obra como se dá a elaboração do espiritismo:
“O espiritismo procede exatamente da mesma maneira que as ciências
positivas, quer dizer, aplica o método experimental”.
Esclarece ainda que sem a experiência de avanço do conhecimento
da ciência, o espiritismo não teria forças para
se justificar: “o espiritismo sem a ciência careceria
de apoio e de controle e poderia equivocar-se. Se o espiritismo tivesse
vindo antes das descobertas científicas, teria fracassado,
como tudo quanto surge antes do tempo”, comenta no item 16.
Na Revista Espírita de dezembro de 1868, sobre a questão
da interpretação e aplicação dos princípios
da doutrina, Kardec diz que "essa autoridade será, em
matéria de espiritismo, o que é a de uma academia em
matéria de ciência."
O laboratório
Não se deve esquecer, aliás,
que a Revista Espírita foi criada por Kardec justamente
para a apresentação de novas ideias e princípios,
antes que esses viessem a ser considerados como partes da Doutrina.
No prefácio de A gênese,
Kardec explica o trabalho realizado. “(...) A Revista
é, frequentemente, para nós, um campo de experiência,
destinado a sondar a opinião dos homens e dos Espíritos
sobre certos princípios, antes de admiti-los como partes constituintes
da Doutrina”. E destaca na edição de julho de
1868: “Sendo a Revista um terreno de estudo e de elaboração
dos princípios, e nela dando sem rodeios a nossa opinião,
não tememos empenhar a responsabilidade da Doutrina, porque
a Doutrina a adotará, se for justa, e a rejeitará, se
for falsa.”
Se seguirmos, portanto, as orientações
deixadas por Allan Kardec, não haverá dificuldade para
a compreensão sobre a forma correta de como devemos agir com
relação ao caráter progressivo do espiritismo.
Por exemplo:
As propostas e descobertas
Não devemos aceitar, ainda,
como verdades ou princípios espíritas, as recentes propostas
de descobertas de adulteração de obras básicas,
a pretendida recuperação do sentido original do espiritismo,
a adoção de novas interpretações de conceitos
espíritas, etc.
O movimento espírita, seguindo
o exemplo de Kardec, deverá observar, portanto, os critérios
por ele adotados para o trabalho do espiritismo, a fim de trazer os
conhecimentos de forma similar à ciência no tocante à
validação, divulgação, acolhimento e desenvolvimento
das descobertas.
Seria interessante também que
as descobertas espíritas, portanto, não fossem apresentadas
no primeiro momento na forma de livros, mas publicadas em artigos
ou relatórios de pesquisa (veja quadro), de preferência
em periódicos que adotam o método de análise
por pares, ou seja, revisão e avaliação por especialistas
das diversas áreas do conhecimento e que, no nosso caso, sejam
também estudiosos do espiritismo.
Além de ser o método
adotado por Kardec, o quadro (abaixo) mostra como isso se alinha com
a forma pela qual a ciência, na atualidade, lida com as descobertas.
1 Allan Kardec, O que é
o espiritismo, FEB.

Coerência e trabalho coletivo
Para a realização de
análises sobre qualquer descoberta é preciso ter como
bases fundamentais a doutrina espírita e a ciência, a
elas submetendo todas as evidências e argumentos apresentados
(Veja esquema lógico). Deve-se analisar todos os ângulos
e consequências, questionando-se sua coerência com o conteúdo
das principais obras de Kardec, não e esquecendo, obviamente,
de analisar a qualidade das premissas científicas e filosóficas.
Seria extremamente interessante, inclusive,
se o movimento espírita se interessasse e valorizasse as contribuições
menores e até mesmo as mais simples para o avanço do
conhecimento espírita, uma vez que indivíduos ou grupos
podem e devem realizar estudos e, também, publicá-los
na forma de artigos. Isso aproximaria o movimento espírita
do aspecto democrático da ciência que incentiva o trabalho
coletivo de construção do conhecimento. Afinal, foi
de modo coletivo e democrático que o espiritismo se formou.


Alexandre Fontes da Fonseca responsável
pela Assessoria de Ciência e Pesquisa Espírita da USE-SP.