Por essas palavras de Kardec no ítem
16 do Cap. I, em A Gênese, muitas pessoas
podem imaginar que o Espiritismo necessita da Ciência para
ser comprovada. Porém uma análise mais profunda [2-4]
mostra que o Espiritismo é uma Ciência legítima
cujo valor não necessita do aval das outras ciências.
Além disso, uma explicação para essa afirmativa
de Kardec aparece em seguida à frase acima, no mesmo ítem
do Cap. I de A Gênese[1]: “O estudo
das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade,
porque a matéria é que primeiro fere os sentidos.
Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas,
teria abortado, como tudo quanto surge antes do tempo.”
Kardec, assim, explica a dependência que o Espiritismo teve
com o desenvolvimento das ciências materiais. Elas deveriam
vir antes de modo que as idéias pudessem ser preparadas para
o advento do Espiritismo.
No ítem 18 do Cap. I do mesmo
livro [1], Kardec
afirma: “O Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um
dos elementos constitutivos do Universo, toca forçosamente
na maior parte das ciências; só podia, portanto, vir
depois da elaboração delas; nasceu pela força
mesma das coisas, pela impossibilidade de tudo se explicar com o
auxílio apenas das leis da matéria”.
Desta forma fica claro que não
são os conceitos da Física, Química e Biologia
que devem confirmar ou comprovar os princípios básicos
do Espiritismo. Isso está presente nas seguintes palavras
de Kardec no ítem VII da Introdução
de O Livro dos Espíritos [5]:
“A Ciência, propriamente dita, é, pois, como
ciência, incompetente para se pronunciar na questão
do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer
que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum
peso poderá ter.”
No entanto, mesmo conhecendo essas
afirmativas, ao nosso ver, muito claras de Kardec, vários
irmãos nossos têm conferido enorme valor a resultados
de pesquisas científicas, mormente na área de Física,
como sendo resultados que comprovam os princípios espíritas
quando, uma análise mais séria e profissional nos
mostra que isso não é verdade. Existe, não
só no meio espírita, uma excessiva valorização
da Física Quântica como sendo a teoria científica
que vai confirmar a existência de Deus e/ou do Espírito.
Confrades valorosos, entusiasmados com as perplexidades que a Física
Moderna apresenta, agem, sem o saberem, de forma imprudente ao supervalorizarem
algumas teorias da Física como favoráveis ao Espiritismo.
Um exemplo é a afirmativa de que “A Física Quântica
está em busca da partícula divina”. Cita-se
mesmo cientistas premiados com o Nobel, como o Dr. Leon Lederman
que afirma que a ciência está “procurando a partícula
divina” a partir da qual todas as outras seriam constituídas.
O que não se percebe é que estes cientistas não
estão procurando Deus mas sim estão querendo encontrar
a partícula que seja a “causa primária”
de todas as outras o que eliminaria, por sua vez, a idéia
da necessidade de um Criador Divino.
Recentemente, no IV Congresso
Nacional da Associação Médico Espírita
do Brasil, ocorrido em São Paulo, entre os dias
19 e 20 de junho de 2003, um conferencista internacional, Prof.
Dr. Amit Goswami, foi convidado para proferir palestra
sobre a Física Quântica. Apesar de ser muito importante
conhecer as pesquisas de cientistas internacionais, o movimento
espírita deve receber as propostas do Prof. Goswami com cautela,
antes de considerar suas idéias como sendo espíritas.
Em seu recente livro intitulado O Universo Autoconsciente
[6], o Prof. Goswami propõe
a existência de uma consciência maior como solução
para os paradoxos que os fenômenos quânticos apresentam.
Uma característica dessa consciência é ser de
caráter coletivo. É importante frisar que as propostas
do Prof. Goswami ainda não foram aceitas pela comunidade
científica. Porém ele tem recebido apoio dos grupos
espiritualistas em geral. Mesmo sendo uma proposta embasada de forma
mais séria nos conhecimentos científicos, a interpretação
do Prof. Goswami não considera a existência da nossa
consciência individual. A Doutrina Espírita é
clara a esse respeito: “Os Espíritos são
a individualização do princípio inteligente...”(questão
79 de O Livro dos Espíritos [5]).
É preciso estudar e analisar como o espírito se caracterizaria
perante essa consciência maior e se as propostas dele estão
em desacordo com outros princípios espíritas. Esse
estudo necessita ser feito antes de afirmarmos que a proposta dele
“prova” alguma idéia espírita.
O problema dessas propostas e das
teorias da Física Moderna como a Teoria das Supercordas e
o Modelo Padrão é o alto nível de teoricidade
desses modelos. É muito difícil, para não dizer
quase impossível, verificar-se experimentalmente os resultados
destas teorias. Existe uma expectativa de se encontrar uma “Teoria
Final” ou “Teoria de Tudo” que fosse absoluta
no sentido de ser a base da existência de tudo no universo.
Num recente artigo [7] publicado na
Revista Brasileira de Ensino de Física,
uma pesquisa foi realizada com a comunidade de físicos brasileiros
sobre o que eles pensam a respeito dessas teorias “Final”
e “de Tudo”. Os resultados mostraram que a maioria dos
físicos brasileiros não concorda com a existência
de uma teoria absoluta para tudo. Se os físicos, que são
os profissionais no assunto, não aceitam ainda essas teorias
de forma absoluta, como é que nós espíritas
podemos dar crédito a elas? Se essas teorias ainda são
de difícil comprovação experimental, como nós
espíritas podemos nos basear nelas para afirmar, por exemplo,
que “o espaço -tempo negativo corresponde ao mundo
espiritual”? Isso tudo, sem contar que essas teorias modernas
em Física estão constantemente sendo renovadas e alteradas
enquanto que não procuramos sequer saber sobre por que o
Espiritismo permanece intacto ao longo dos seus quase 150 anos [8].
Citamos, mais uma vez Kardec
no ítem 14 do Cap. I de A Gênese[1]:
“Como meio de elaboração, o Espiritismo
procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas,
aplicando o método experimental.(...) É, pois, rigorosamente
exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação
e não produto da imaginação. As ciências
só fizeram progressos importantes depois que seus estudos
se basearam sobre o método experimental; até
então, acreditou-se que esse método também
só era aplicável à matéria, ao passo
que o é também às coisas metafísicas.”(grifos
nossos)
E ainda no ítem VII da Introdução
de O Livro dos Espíritos [5]:
“Desde que a Ciência sai da observação
material dos fatos, em se tratando de os apreciar e explicar,
o campo está aberto às conjeturas.
Cada um arquiteta o seu sistemazinho, disposto a sustentá-lo
com fervor, para fazê-lo prevalecer. Não vemos todos
os dias as mais opostas opiniões serem alternativamente preconizadas
e rejeitadas, ora repelidas como erros absurdos, para logo depois
aparecerem proclamadas como verdades incontestáveis? Os
fatos, eis o verdadeiro critério dos nossos juízos,
o argumento sem réplica. Na ausência dos fatos, a dúvida
se justifica no homem ponderado.” (grifos
nossos)
Essas duas citações
mostram claramente que Kardec sempre priorizou o método experimental
como reveladora da verdade. Teorias, por mais bonitas e engenhosas,
serão sempre teorias se não puderem explicar e prever
os fatos. Utilizar-se de teorias físicas ainda muito teóricas
para confirmar o Espiritismo é agir de forma precipitada
e contrária ao que ensinou Allan Kardec.
Acredito que muitos irmãos
nossos no movimento espírita se motivaram a procurar relações
entre o Espiritismo e essas teorias devido, também, ao trabalho
de André Luiz. O que não se percebeu,
foi que André Luiz foi muito cauteloso em apresentar suas
idéias. Estamos falando a respeito do livro Mecanismos
da Mediunidade [10]. Neste
livro, André Luiz propõe a explicação
para os mecanismos dos processos mediúnicos utilizando-se
os conceitos mais modernos de Física, à época
da 1a. edição do livro. O que acreditamos ter escapado
à análise da maioria das pessoas, foram os cuidados
que André Luiz deixou claro no prefácio escrito por
ele, intitulado “Ante a Mediunidade”. No oitavo parágrafo,
André Luiz afirma: “(...) Aliás, quanto
aos apontamentos científicos humanos, é preciso reconhecer-lhes
o caráter passageiro, no que se refere à definição
e nomenclatura, atentos à circunstância de que a experimentação
constante induz os cientistas de um século a considerar,
muitas vezes, como superado o trabalho dos cientistas que os precederam.”(grifos
nossos)
E acrescenta no parágrafo
seguinte que: “Assim, as notas dessa natureza, neste volume,
tomadas naturalmente ao acervo de informações e deduções
dos estudiosos da atualidade terrestre, valem aqui por vestimenta
necessária, mas transitória, da explicação
espírita da mediunidade, que é, no presente livro,
o corpo de idéias a ser apresentado.”(grifos
nossos)
Percebe-se claramente que André
Luiz não afirma que os conhecimentos científicos atuais
sejam a solução definitiva para os mecanismos da mediunidade.
Muito menos, André Luiz os considera como prova científica
da mediunidade. Ele utiliza os conhecimentos científicos
como forma didática para melhor explicar os mecanismos
dos processos mediúnicos. Nesse aspecto, essa utilização
foi necessária. Mas deixou claro que, no futuro, com o desenvolvimento
da Ciência, novas formas de entendimento da mediunidade poderão
surgir. Nesse aspecto, essa utilização é transitória.
Assim, percebemos que André
Luiz foi muito cauteloso nesse trabalho de utilizar-se dos conceitos
científicos na explicação de um fenômeno
espírita. É importantíssimo que esse exemplo
de cuidado seja tomado por todos nós espíritas na
divulgação dos estudos e pesquisas que envolvam o
conhecimento científico.
A humanidade realmente carece dos
conhecimentos espirituais e todo esforço é nobre no
sentido de mostrar que esses conhecimentos são verdadeiros.
Por isso, não desejamos desestimular o estudo e pesquisa
em tópicos espíritas relacionados a tópicos
científicos. Enfatisamos que é preciso redobrar os
cuidados no nosso trabalho de divulgação destas pesquisas
que levarão o adjetivo de espíritas. É necessário
que exista conhecimento profissional no tema que se deseja trabalhar.
Isto pois, justamente os profissionais de cada área é
que saberão avaliar se a pesquisa está sendo realizada
com o mesmo rigor que um tema puramente material teria. Por outro
lado, se algo é uma opinião, ele deve ser divulgado
como opinião e não como verdade científica.
Além disso, toda idéia deve ser divulgada com a sua
devida explicação para que os leitores apreciem o
seu valor. O fato de uma idéia se relacionar com um assunto
científico não significa que ela seja uma verdade
científica. O fato de uma pessoa ser cientista não
significa que suas idéias serão verdades científicas.
André Luiz teve esse cuidado ao dizer que se utilizará
dos conhecimentos científicos como “vestimenta necessária,
mas transitória” na explicação dos mecanismos
da mediunidade. Por fim, não se esqueça o leitor que
os olhos da crítica são altamente especializados.
O movimento espírita sofre
quando idéias prematuras, ingênuas, pseudo-científicas
são divulgadas como verdades e que, ainda, são ditas
comprovar o Espiritismo. Portanto, vamos tomar mais cuidado com
relação aos tópicos ligados não só
à Física mas à Ciência como um todo.
Aproveitamos para sugerir às
editoras espíritas a criação
de mecanismos que permitam a análise de todo o conteúdo
daquilo que for submetido para publicação em livro
ou revista. Que não seja só o ponto de vista doutrinário
a ser analisado, mas também o ponto de vista técnico
e científico de acordo com cada caso. Não se trata
de censura e, sim, de zelo por aquilo que receberá o adjetivo
de espírita. Mais uma vez, nas palavras de Kardec
[11]: “(sobre comunicações
mediúnicas): Em grande número encontramo-las notoriamente
más, no fundo e na forma, evidente produto de Espíritos
ignorantes, obsessores ou mistificadores(...). Publicá-las
teria sido dar armas à crítica. (...)
O que dizemos não é para desencorajar de fazer
publicações. Longe disso. Mas para mostrar a necessidade
de escolha sine qua non do sucesso. (...) Todas
as precauções são poucas para evitar as publicações
lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso
de prudência, no interesse da causa.”(Grifos
nossos)
Uma sugestão
seria fazer o que todas as revistas científicas internacionais
fazem: cada artigo submetido para publicação é
enviado a, pelo menos, um assessor anônimo, especialista no
assunto que o artigo trata, para fazer uma análise. Acreditamos
ser esse um passo extremamente necessário e útil para
que a evolução e divulgação das idéias
espíritas possa ocorrer dentro de maiores padrões
de qualidade. Chamo Kardec para concluir esta matéria:
“é preferível rejeitar 10 verdades do que aceitar
uma só mentira.”(*) [12]