O movimento espírita tem
demonstrado enorme interesse no desenvolvimento da Ciência
e, em particular, nos avanços da Física moderna. Idéias
como ligação não-local,
estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo, ou não estar
em nenhum lugar antes de uma medida, influência do observador
etc têm despertado a imaginação de leitores
leigos em Física (e mesmo em alguns não tão
leigos assim) com relação às questões
espirituais. E, em função do status
de verdade que a Ciência goza, capaz de revelar e orientar
o progresso intelectual da humanidade, desenvolveu-se um fenômeno
curioso dentro das diversas religiões que é o de buscar
apoio nas Ciências modernas para
doutrinas e teorias de natureza espiritualista. Como não
podia deixar de ser, o movimento espírita também tem
aderido a essa tendência e há décadas vemos
obras que pretendem unir conceitos da Ciência com o Espiritismo,
na intenção (boa, diga-se de passagem) de promover
ou valorizar o aspecto científico do mesmo.
Porém, boa intenção não é o suficiente
para mostrar que um conhecimento novo corresponde de fato à
realidade e mesmo na boa fé, pode-se prejudicar mais do que
ajudar. Se o interesse é valorizar o aspecto científico
do Espiritismo, importante se torna questionar se de fato idéias,
teorias, doutrinas, práticas que se dizem baseadas na Ciência
e que se propõem no meio espírita são de fato
tão dignas de mérito científico quanto qualquer
ideia, teoria ou prática novas que surgem dentro do contexto
puramente acadêmico ou científico.
O propósito desta série de posts
é, portanto, trabalhar um aspecto pouco presente no movimento
espírita: auto-crítica de suas teorias científicas.
E, se o assunto é falar de ciência, lembramos que uma
das formas da Ciência se desenvolver é através
de auto-críticas construtivas dos trabalhos anteriores, onde
se procura aprimorar e corrigir teorias e experimentos anteriores
para obter resultados mais precisos ou mesmo prever e descobrir
novos fenômenos.
Em um post
recente, foram apresentados alguns argumentos sobre a forma equilibrada
e cristã que o espírita tem como dever na hora de
realizar uma análise crítica do que dizem os adversários
do Espiritismo. Adotamos isso na análise que se segue de
uma das teorias científicas mais comentadas no meio espírita,
muito mais por méritos pessoais do seu autor, do que pela
própria teoria. Estamos falando das teorias A Teoria
Corpuscular do Espírito [1]
e Psi Quântico [2]
de Hernani Guimarães Andrade
(1913-2003). Conhecido confrade espírita pela sua dedicação
à pesquisa e divulgação no Brasil e no mundo
dos fenômenos psíquicos e, mais ainda, pela sua personalidade
fraterna e amável, Hernani escreveu duas obras de natureza
teórica a respeito da estrutura da matéria que comporia
o Espírito e/ou a matéria psi. Assim como se faz em
qualquer ciência madura, vamos analisá-las sob a luz
da ciência e da razão. Em uma série de três
posts, apresentaremos um resumo dos pontos críticos presentes
nas teorias acima.
Nosso objetivo principal é apresentar uma análise
aprofundada das teorias de Hernani de acordo com conceitos bem estabelecidos
da Física. As seguintes questões nortearão
a análise: i) teriam as teorias de Hernani, por utilizarem
conceitos da Física, sanção da mesma? ii) Apresentariam
elas o que chamamos de auto-consistência, isto é, ausência
de contradições entre si ou com outros conceitos da
Física? Analisaremos alguns conceitos das obras das Refs.
[1] e [2] da mesma forma como novas teorias e conceitos são
analisados dentro da área da Física.
Pontos falhos das bases da
A Teoria Corpuscular do Espírito
1. Sobre a necessidade de uma teoria com base
na Física
Uma justificativa para o desenvolvimento de uma teoria corpuscular
do espírito foi dada por Hernani na pág. 44 da edição
de 2007 da obra [1](1), cap. I, seção “O Espiritismo
e as Ciências”:
“No entanto o Espiritismo
ressente-se da falta de teorias que lhe facultem avanço
seguro na estrada da pesquisa metódica de laboratório.”
Esse comentário
é curioso, pois que o Espiritismo é uma doutrina ou
teoria fenomenológica, isto é, ligada aos fatos e
fenômenos e, portanto, ela naturalmente contém em si
orientações para pesquisas de natureza experimental,
metódica e em laboratório. Veja-se para isso a análise
do artigo da Ref. [3] e o post “Sobre
teorias fenomenológicas e construtivas” .
2. A natureza corpuscular do espírito
Sob esse título, numa das seções do cap. II
intitulado “As Bases da Teoria”, Hernani
afirma na pág. 61 que:
“Os mesmos argumentos
lógicos que levaram a admitir-se a descontinuidade da matéria
como necessária e imprescindível são aplicáveis
à noção que hoje temos do espírito.”
Essa afirmação
decorre de uma análise feita por Hernani em páginas
anteriores do chamado paradoxo de Zenon
de Eléia, como razão suficiente para concluir
que a matéria deve ser descontínua. Há dois
erros nessa consideração. Primeiro que o paradoxo
de Zenon é facilmente resolvido se considerarmos que o produto
de uma grandeza que tende a zero por outra que tende ao infinito,
pode ter resultado finito. Ou que a soma de um número infinito
de termos que individualmente tendem a zero, pode ter resultado
finito. Isso, por exemplo, permite definir o conceito de uma integral
em Cálculo como o limite da soma de infinitos termos que
tendem a zero. Isso resolve o paradoxo de Zenon de Eléia.
Outro erro é basear a hipótese de descontinuidade
da matéria nesse paradoxo. A Física clássica
trabalhou (e ainda trabalha) com o conceito de continuidade da matéria
muito bem. Muitos fenômenos materiais na escala macroscópica
são muito bem descritos por teorias que consideram um material
como sendo formado por elementos de volume maciços e justapostos.
A idéia de que a matéria era formada por partículas
discretas só surgiu depois de experimentos
como os realizados por Rutherford e sua equipe onde feixes de partículas
alfa (que
são núcleos de átomos de hélio) foram
arremessados contra uma folha fina de ouro. Os resultados mostraram
que a matéria não podia ser formada de átomos
de acordo com um modelo conhecido como pudim
de ameixas [4] em que os elétrons
se distribuiam uniformemente em uma esfera positiva de cargas do
tamanho do átomo. Para explicar seus experimentos, Rutherford
propôs um modelo do tipo planetário
para o átomo, isto é, em que os elétrons giravam
em torno de um núcleo bem pequeno assim como os planetas
giram em torno do sol.

Diagrama esquemático do experimento
de Rutherford
3. Quanta
de vida, de percepção e inteligência
Na seção “Componentes do Átomo Espiritual”
do cap. II de [1], Hernani apresenta a definição de
três novas partículas (pág. 67): “quantum
de vida; quantum de percepção-memória; e quantum
de inteligência.”.
Na página anterior, Hernani argumenta que essas três
características, vida, percepção-memória
e inteligência são parte integrante e presente nos
seres vivos. Na página seguinte, ele propõe a existência
das partículas, bíon, percepton
e intelecton para representarem esses quanta, respectivamente.
A primeira observação que fazemos é notar que
a teoria acima não seguiu o esquema de desenvolvimento das
teorias atômicas da Física. As falhas dessa proposta
são as seguintes:
1) Em Física,
até hoje jamais se postulou a existência de partículas
relacionadas com o comportamento de sistemas complexos. Seres vivos,
para a Física atual, são sistemas abertos e longe
do equilíbrio termodinâmico apresentando, assim, comportamento
rico e complexo. Apesar de bem intencionada, a proposta de que as
características de vida, de percepção-memória
e inteligência decorram de partículas individuais não
soluciona de fato o problema de se descobrir qual é
a origem da vida. Filosoficamente alguém pode perguntar mas
por quê essas partículas se comportam assim?
A única forma de aceitar essa proposição seria
demonstrar experimentalmente a existência de tais partículas,
e com as tais propriedades especiais, da mesma forma como, por exemplo,
a Ciência material, hoje, busca medir a existência do
Bóson Higgs. Por mais sensata seja a proposta do Bóson
de Higgs para explicar a massa de todas as partículas de
acordo com o chamado Modelo Padrão da Física de Partículas,
sem a medida direta da sua existência, a teoria não
é considerada 100% correta. A existência da massa das
diversas partículas não serve de comprovação
para a existência do bóson de Higgs. Essa falha, infelizmente,
é cometida na Teoria Corpuscular do Espírito. A forma
de demonstrar a existência de bíons, intelectons e
perceptons foi proposta ser através da análise do
comportamento complexo dos seres vivos. Na verdade, Hernani não
percebeu que não se pode usar um fenômeno complexo
para provar um postulado baseado no próprio fenômeno
complexo.
A Ciência ainda não sabe descrever de modo completo
o comportamento biológico e menos ainda psicológico
dos seres. Mas isso não sugere que a solução
está na definição simples da existência
de partículas que tenham as funções que não
sabemos descrever ainda! Em Ciência, partimos de poucas hipóteses
fundamentais e com elas tentamos descobrir o comportamento de uma
gama enorme de sistemas e materiais. O sucesso de novas teorias
depende disso.

Tubo de raios catódicos
2) Que na Física
a descoberta das partículas subatômicas decorreram
de experimentos como, por exemplo, o de J. J. Thomson com tubos
de raios catódicos, que permitiram descobrir os elétrons.
Que experimentos poderiam demonstrar a existência de bíons,
perceptons e intelectons individualmente? Que experimentos
poderiam demonstrar que perceptons
estão associados à percepção-memória
e intelectons estão associados
a inteligência nos seres vivos? Foram experimentos como o
de Thomson que mostraram que a matéria é formada por
partículas subatômicas, e não os fenômenos
complexos em escala macroscópica! Além disso, ao elétron
e ao próton não foram associados nada mais que propriedades
de possuírem determinado valor de carga elétrica e
massa que, por sua vez, foram medidas por experimentos. Já
as propriedades complexas como energia de coesão, condutividades
elétricas e térmicas, elasticidade e outras, são
obtidas sem a necessidade de definir um quantum
de cada uma dessas propriedades.
3) Outra falha dos fundamentos da teoria de Hernani
consiste em não definir o significado dos quanta apresentados
por ele. Por exemplo, ele diz na pág. 67 que:
“Esta expressão
– quantum – é aqui tomada como constituindo
a menor fração possível, tendo, porém,
um valor constante, fixo e determinado para cada componente-tipo.”
Perguntamos o que entender por “menor
fração possível”? Fração
possível do quê? Valor constante e fixo de que quantidade?
Em termos de quê? Em Física Quântica, um quantum
é uma quantidade fixa numérica e bem definida [4].
Quando Planck propôs a quantização das trocas
de energia entre radiação e matéria, ele analisou
o espectro de radiação do corpo negro em termos de
quantidades de energia proporcionais a kBT
[4], onde kB
é a constante de Boltzmann e T a
temperatura do corpo. Quando Einstein propôs que a radiação
era composta de partículas de luz, ou fótons, ele
propôs uma forma quantitativa de mensurar a quantidade de
energia de um fóton [4]. Mas na teoria de Hernani, quanto
vale um quantum de percepção ou inteligência?
Cremos poder responder essa última pergunta afirmando que
não sendo material o objeto de estudo da teoria, que é
o espírito, não se pode tratá-la de maneira
material ou análoga à matéria. Como podemos
ler nos seguintes comentários de Kardec após a questão
28 de O Livro dos Espíritos
[5]:
Um fato
patente domina todas as hipóteses: vemos matéria
destituída de inteligência e vemos um princípio
inteligente que independe da matéria. (...) Elas se nos
mostram como sendo distintas; daí o considerarmo-las
formando os dois princípios constitutivos do Universo.
(...).(Grifos em negrito, meus).
Esse é um importante detalhe que precisa ser levado em conta
em qualquer teoria para a interação espírito-matéria.
Concluímos dessa parte da análise que os fundamentos
da teoria de Hernani não possuem respaldo experimental direto.
No próximo post, continuaremos a análise dos fundamentos
da Teoria Corpúscular do Espírito. No terceiro post
realizaremos alguns comentários sobre a teoria do Psi Quântico
[2].
Referências
[1] H. G. Andrade, A Teoria Corpuscular do Espírito,
re-impresso pela Editora DIDIER, Votuporanga, (2007).
[2] H. G. Andrade, Psi Quântico - Uma extensão dos
conceitos quânticos e atômicos à ideia do Espirito,
3ª edição, Editora Pensamento LTDA, São
Paulo (1991).
[3] S. S. Chibeni, “O Espiritismo em seu tríplice aspecto:
científico, filosófico e religioso”, Reformador
Agosto, p. 37 (2003); Setembro, p. 38 (2003); Outubro, p. 39 (2003).
[4] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica –
Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos
e Partículas, Editora Campus, 21a. Reimpressão (1979).
[5] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, FEB, 1ª. edição,
Rio de Janeiro (2006).
Notas
(1) As páginas citadas aqui se referem
às edições usadas como referência. O
leitor deve buscar procurar as páginas corretas nas edições
anteriores ou posteriores
Fonte: http://eradoespirito.blogspot.com.br/2012/12/13-analise-de-teoria-corpuscular-do.html
_________
PARTE 2
2/3 - Análise de 'A Teoria
Corpuscular do Espírito' e 'Psi quântico' (por Alexandre
F. da Fonseca)

"Se é certo que a
utopia da véspera se torna muitas vezes a verdade do dia
seguinte, deixemos que o dia seguinte realize a utopia da véspera,
porém não atravanquemos a Doutrina de princípios
que possam ser considerados quiméricos e fazer que a repilam
os homens positivos."
Allan Kardec, Obras Póstumas, Constituição
do Espiritismo, "Dos Cismas"
- CONTINUAÇÃO DA PARTE
1 -
4) Outra falha de fundamentos é
não discutir e descrever como tais quanta de percepção-memória
e inteligência levam às propriedades dos seres vivos,
ou mesmo do Espírito. Ter mais intelectons
significa ter mais inteligência? Ter mais perceptons
significa ter mais memória e percepção? Se
o Espiritismo ensina que na medida que evoluímos, nosso perispírito
se torna mais e mais sutil, nos tornando menos ligados à
matéria, então deixamos de ter intelectons
e perceptons, perdendo assim inteligência
e percepção-memória? Na pág. 68, o autor
afirma que:
“os atributos do espírito
resultarão, dessa forma, das características de
seus componentes, número, disposição e combinação,
tal como observamos no caso da matéria...”.
Essa afirmação de
Hernani deixa claro um caráter reducionista
de sua proposta. Se “tal como observamos
no caso da matéria” o que determina a forma,
componentes, número e disposição
das partículas nos átomos são forças
cegas entre essas partículas, quer dizer que os atributos
de inteligência e percepção-memória do
espírito dependerão também de forças
cegas? Os espiritualistas não criticam os materialistas por
dizerem que a inteligência e o sentimento decorrem de componentes,
disposição e número de partículas
materiais que formam o cérebro e o corpo físico? Em
que a teoria de Hernani difere das teorias materialistas? Esse tipo
de contradição conceitual depõe contra a consistência
interna da teoria. A intenção do autor foi boa mas,
infelizmente, a forma de abordagem teórica é inconsistente
com o Espiritismo.
5) Outro ponto fundamental da teoria de Hernani
é a definição da partícula bíon.
Sobre o bíon, é dito na pág. 69 que:
“O
Bíon é a partícula correspondente à
vida em si mesma, independente de prévia organização.
É o agente vivificador da matéria.”
Essa afirmação contradiz
a definição feita pelo próprio autor, na pág.
66 de [1], do conceito de vida
como sendo “representada pela coordenação
das atividades físicas, químicas e biológicas
dos seres chamados vivos.” Essa definição
de vida é puramente material e decorreu de observações
do comportamento dos seres vivos. Ele afirma, porém, que
sua causa (o bíon) não é material. Isso mostra
que os conceitos estão definidos de forma incongruente entre
si.
Problemas com conceitos de Física
As falhas apontadas acima decorrem de inconsistências internas
da teoria com ela mesma ou com conceitos bem estabelecidos pelo
Espiritismo. Porém, há também erros de Física,
indicando que o autor aplicou alguns conceitos de maneira errada
na teoria.
Na pág. 70, na seção
intitulada “O “Bíon” e o “Campo Biomagnético”
ou “Campo Vital”, do cap. II de [1],
ao explicar ao leitor sobre o surgimento do campo magnético,
o autor faz a seguinte afirmativa:
“A direção
e o sentido deste campo são tais, que sua reação
sobre a própria carga indutora tende a impedí-la
de deslocar-se livremente.”
O autor faz referência à
chamada lei de Biot e Savart, para a qual o campo magnético
gerado pelo movimento de uma carga elétrica não afeta
ela mesma [6]. Talvez a influência a que o autor se refere
seja a chamada lei de Lenz [6], que diz que quando o fluxo de um
campo magnético através de uma espira ou circuito
fechado é feito variar, uma corrente ou movimento de cargas
é induzido na espira de tal modo a gerar um campo magnético
que se oponha à variação desse fluxo.
Outra possibilidade seria o efeito de irradiação eletromagnética
de cargas aceleradas. Isso resultaria em perda de energia cinética,
o que causaria alteração na trajetória da carga.
Porém, isso seria mais um problema para a teoria de Hernani
e não solução, pois o destino de uma carga
elétrica em órbita circular em torno do núcleo
seria cair sobre ele por causa da perda de energia devido à
irradiação. Por essa razão, não se utiliza
análise clássica para o magnetismo orbital dos elétrons.
Porém, como não há no texto do autor nenhuma
análise ou indicação mais segura sobre isso,
a impressão que temos é que o autor tinha dificuldades
com conceitos mais básicos de física.
Para a definição dos quanta de vida, percepção-memória-inteligência,
a teoria atômica serviu de inspiração à
teoria de Hernani. Porém, ele não aplica a teoria
quântica de momentos angulares para analisar os momentos magnéticos
orbitais, sejam eles de elétrons ou bíons, nem considera
o spin dos mesmos. O autor considera toda a sua análise dos
campos magnéticos de “modo clássico”.
Não se pode usar conceitos quânticos numa parte da
teoria e ignorá-los em outra parte. Isso torna a teoria de
Hernani incoerente com os princípios da Física que
ele se propõe a seguir.
Lei de Lenz
Nas páginas seguintes à pág. 70, o autor cita
como base de argumentação para a necessidade de um
campo organizador dos fenômenos biológicos, algumas
referências da época como, por exemplo, comentários
do Dr. Sinnott de que “A segunda lei
da termodinâmica, o princípio da menor ação,
é contrariado pela vida”. O que talvez Hernani
não soubesse na época, e que enfraquece os pontos
de apoio da sua teoria, foi o desenvolvimento da teoria da termodinâmica
de sistemas fora do equilíbrio por Ilya Prigogine [7], que
diz que sistemas abertos e longe do equilíbrio termodinâmico
podem se auto-organizar e, portanto, são candidatos naturais
para descrever sistemas biológicos (certamente sistemas vivos
são abertos e longe do equilíbrio, mas nem todo sistema
termodinâmico com essas características pode ser chamado
de ‘vivo’). Considerar que os sistemas biológicos
violam a 2ª lei da Termodinâmica é, hoje em dia,
um erro conceitual.
Na seção intitulada “A Diafaneidade do Espírito”,
do cap. IV de [1], na pág. 119 o autor afirma que:
“As
formações espirituais simples são verdadeiros
átomos espirituais. Todavia as distâncias entre o
núcleo e os bíons devem ser muito maiores
do que as distâncias que separam os elétrons dos
respectivos núcleos no átomo físico. É
esta uma condição necessária para que o espírito
seja mais diáfano do que a matéria. Consequentemente,
a velocidade dos bíons ao redor dos núcleos
vem a ser também grande, ...”
(Grifos em negrito, meus).
Na explicação acima,
encontramos diversos problemas de natureza física e filosófica.
Primeiro, a necessidade de impor aos bíons que circulem a
distâncias maiores do núcleo do que os elétrons
em torno dos núcleos materiais, para explicar a diafaneidade
dos Espíritos, significa que bíons e elétrons,
núcleos materiais e espirituais, não possuem naturezas
diferentes: seriam ambos matéria tão densa uma quanto
a outra. Isso mostra a oposição da teoria de Hernani
ao que ensina o Espiritismo.

Modelos planetários atômicos.
Continuam sendo usados para ilustrar o átomo, mas são
modelos ultrapassados.
Conceitos como velocidade e posição (que existem para
planetas girando em torno do Sol) não existem para elétrons
em torno do núcleo.
O segundo problema é de compreensão do significado
do continuum espaço-tempo. De
acordo com a Física [4], se a velocidade dos bíons
tiver que ser maior que a velocidade dos elétrons nos átomos
materiais, então ocorrerá com os átomos espirituais
uma contração espacial resultante do continuum
espaço-tempo, assim como ocorre com o átomo de mercúrio
[8] cujos elétrons de valência são acelerados
a velocidades maiores do que os elétrons de valência
de outros metais, e por isso ocorre uma contração
dos seus orbitais, e um enfraquecimento da força de interação
entre os átomos de mercúrio, tornando-o líquido
à temperatura ambiente. Como consequência disso, por
se movimentar mais rápido, a trajetória do bíon
em torno do núcleo espiritual será reduzida
em tamanho, contradizendo a própria hipótese (colocada
à mão) de que ela deve
ser maior em tamanho e distância do que a dos átomos
materiais. Esse é um erro de inconsistência interna
que revela, no fundo, a precariedade da proposta de Hernani em explicar
a diafaneidade dos Espíritos.
Na seção intitulada “Ação Mútua
Entre Espírito e Matéria”, do cap. VI de [1],
o autor faz o seguinte comentário:
“A
vivificação da matéria depende da possibilidade
de interação de dois campos. Um deles é o
biomagnético, gerado pelo bíon. O outro seria o
eletromagnético ... Para explicar o fenômeno, precisamos
transpor algumas barreiras conceituais da própria Física,
admitindo-se que o movimento dos elétrons, quando
cobrindo uma superfície fechada em torno do núcleo,
possa desenvolver um momento magnético perpendicular,
ao mesmo tempo, aos três eixos cartesianos que definem um
espaço físico. Este momento magnético originaria
um campo atuando no hiperespaço. A presença de qualquer
substância material suscitaria, como conseqüência,
a manifestação deste tipo de campo orientado para
uma das direções do hiperespaço.”
(Grifos em negrito, meus).
Aqui, há um erro que consideramos
ser grave dentro dos métodos de trabalho da Física.
Não se pode propor hipóteses que extrapolem conceitos
bem estabelecidos sem bases experimentais! A importância da
hipótese é diretamente proporcional à necessidade
de respaldo experimental. Na ausência desta, a hipótese
não tem valor científico, nem apoio da Física.
Não se pode “transpor
barreiras conceituais da Física” sem realizar
um trabalho de demonstração experimental que sustente
essa “transposição”.
Exemplos: a proposta de quantização de Planck, além
de bem explicada, permitiu ajustar com precisão matemática
os dados experimentais para a radiação de um corpo
negro [4]; a proposta de quantização
da radiação eletromagnética permitiu Einstein
explicar de modo muito simples o efeito fotoelétrico [4].
Há, porém, outro erro de natureza fundamental
a respeito do significado do continuum espaço-tempo. A quarta
dimensão não sendo espacial, nenhum campo magnético
pode estar orientado na direção do tempo. Logo, essa
proposta também é incoerente com a Física.
Divergências no conceito de alma
No fim do cap. VII de [1], o autor analisa o conceito de alma segundo
sua teoria. Na seção intitulada “A Alma”,
na pág. 291, ele diz:
“No
caso do espírito encarnado, pode assinalar-se, do mesmo
modo, a presença de um fluxo biomagnético atravessando
o soma físico. Suas linhas de força estão
dispostas de acordo com as vibrações do campo, as
quais apresentam os delineamentos característicos dos tecidos
orgânicos. Todas as minúcias das configurações
moleculares protoplásmicas, celulares, fisiológicas,
etc., acham-se estampadas no espectro biomagnético, formando
uma duplicata biomagnética do corpo carnal. (...) Destruído
o equipamento fisiológico, [...], cessam as manifestações
do espectro. A duplicata biomagnética deixa de agir. A
Teoria Corpuscular do Espírito reconhece como a
alma a referida duplicata biomagnética acima descrita.”
(Grifos em negrito, meus).
Esse conceito de alma da teoria de Hernani deixa claro como
sua teoria está em desacordo com o Espiritismo. A alma, de
acordo com o Espiritismo (itens 10 a 14 de O Que É O Espiritismo[9]),
é o “princípio inteligente em que residem o
pensamento, a vontade e o senso moral”. Logo, a alma não
pode consistir de um campo biomagnético, pois campos magnéticos,
segundo a Física, são efeitos
da presença e movimento de cargas elétricas. O conceito
de alma do Espiritismo está relacionado com o elemento inteligente
do universo, que é aquilo que pensa e tem vontade e, portanto,
não pode ser efeito da distribuição espacial
e temporal de partículas, mesmo que espirituais.

Ilustração de uma 'estrutura
do hiperespaço' usando as ideias de Hernani G. Andrade.
O eixo vertical é o tempo.
A discrepância entre a teoria de Hernani e o Espiritismo fica
mais clara com as afirmativas contidas na pág. 292, de que
a alma:
“surge juntamente com o
corpo” e “se dissipa à medida que os veículos
somáticos se desagregam;”.
Vê-se daí que essa
teoria, além de se basear em premissas cientificamente erradas,
destoa em suas consequências dos conceitos espíritas.
Continua no próximo e último post
com análise de outra obra de Hernani G. Andrade: 'O Psi Quântico'.
Referências
[1] H. G. Andrade, A Teoria Corpuscular do Espírito,
re-impresso pela Editora DIDIER, Votuporanga, (2007).
[2] H. G. Andrade, Psi Quântico, 3ª edição,
Editora Pensamento LTDA, São Paulo (1991).
[3] S. S. Chibeni, “O Espiritismo em seu tríplice aspecto:
científico, filosófico e religioso”,Reformador,
Agosto, p. 37 (2003); Setembro, p. 38 (2003); Outubro, p. 39 (2003).
[4] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica –
Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos
e Partículas, Editora Campus, 21a. Reimpressão (1979).
[5] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, FEB, 1ª. edição,
Rio de Janeiro (2006).
[6] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos da Física
– Volume 3 – Eletromagnetismo, Editora LTC, 8a. Edição
(2009).
[7] I. Prigogine, Introduction to Thermodynamics of Irreversible
Processes. 3rd edition, Wiley Interscience, New York (1967).
[8] L. J. Norrby, "Why is mercury liquid? Or, why do relativistic
effects not get into chemistry textbooks?" Journal of Chemical
Education 68, 110 (1991).
[9] A. Kardec, O Que É O Espiritismo, Ed. FEB, 1ª Edição
de bolso, Rio de Janeiro (2008).
Fonte: http://eradoespirito.blogspot.com.br/2012/12/23-analise-de-teoria-corpuscular-do.html
PARTE 3
3/3 - Análise de 'A Teoria
Corpuscular do Espírito' e 'Psi quântico' (por Alexandre
F. da Fonseca)

"Cada um é livre para encarar
as coisas à sua maneira, e nós, que reclamamos essa
liberdade para nós, não podemos recusá-la
aos outros. Mas, do fato de que uma opinião seja livre,
não se segue que não se possa discuti-la, examinar-lhe
o forte e o fraco, pesar-lhe as vantagens ou os inconvenientes".
Allan Kardec - Revue Spirite -1866
Algumas
observações nas bases de 'O Psi Quântico - Uma
extensão dos conceitos quânticos e atômicos à
ideia do espírito'
Ultima parte da sequência de
três posts de Alexandre Fontes da Fonseca.
Vamos analisar agora alguns conceitos presentes na obra "Psi
Quântico - Uma extensão dos conceitos quânticos
e atômicos à ideia do Espírito"
[2]. Ela inicia-se com uma interessante
revisão de conceitos do átomo na antiguidade, passando
pela descrição sucinta dos experimentos que levaram
à descoberta da estrutura atômica da matéria.
EM seguida, ao fim do capítulo II, Hernani comenta que irá
se utilizar de modelos atômicos “...
quando tentarmos abordar o problema da matéria psi.”.
Por que o autor teria modificado sua ideia inicial de propor uma
teoria corpuscular *do espírito* para, agora, descrever algo
que ele chama de matéria psi?
Estaria ele apenas mudando os nomes? Ou reviu sua ideia inicial
e passou a considerar sua teoria como sendo para os fluidos espirituais?
O capítulo III parece responder a essa questão. Na
pág. 58, Hernani diz:
“À
outra realidade demos o nome de mundo psi, em contraposição
a esta nossa realidade que denominamos mundo físico (no
sentido material normal). O mundo psi seria também material,
porém constituído de outra espécie
de matéria.”
(Grifos em negrito, meus).
Aparentemente, essa afirmativa parece se referir à parte
fluídica do mundo espiritual. Infelizmente, porém,
na página 97 ele diz que:
“...
a matéria psi é a substância de que são
feitos os Espíritos e demais seres ou objetos
do mundo espiritual”. (Grifos
em negrito, meus).
Essa afirmação suscita
mais dúvidas do que certezas. Isso porque, se a matéria
psi é a substância de que são feitos os Espíritos
e os objetos do mundo espiritual, então, onde estaria o princípio
inteligente? Uma única substância não poderia
servir para os Espíritos e os objetos fluídicos ao
mesmo tempo. Se a intenção era modelar apenas os fluidos
espirituais, deveria ser dito que a teoria era para o perispírito,
e não para o Espírito, que, de acordo com o Espiritismo,
é um ser duplo, formado de Alma + Perispírito (itens
10 a 14 de O Que é o Espiritismo [9]).
Como a teoria propõe que a Alma seja um campo magnético,
então na prática a teoria está definindo o
Espírito como sendo feito da mesma substância que os
fluidos e, portanto, que o princípio inteligente é
algo de natureza idêntica à material.

Capa de 'Psi Quântico'.
Por não diferir muito do que é apresentado na
Teoria Corpuscular do Espírito [1],
o Psi Quântico [2]
apresenta as mesmas falhas comentadas nos dois posts anteriores.
Em o Psi Quântico, observamos que para tentar
relacionar a vida e os fenômenos espíritas com os fundamentos
da teoria, Hernani define inúmeras propriedades ou atributos
do ser inteligente de maneira ad hoc,
isto é, colocados e forçados à
mão para a finalidade da teoria, diferente das teorias
científicas que partindo de um conjunto reduzido de princípios,
deduzem e descrevem uma enorme gama de fenômenos. Essa falha
conceitual torna sua teoria apenas um ensaio filosófico sem
bases científicas reais, e com um sério problema de
pretender atribuir ao Espírito propriedades que somente a
matéria possui.
Contamos na obra
[2] 14 hipóteses propostas de maneira
ad hoc, isto é, colocadas à
mão. Isso é um detalhe que enfraquece a teoria.
O cap. V de [2] é dedicado à
apresentação do conceito de psiátomo.
Neste capítulo, entretanto, encontramos uma afirmação
contraditória. Na pág. 94 é dito que:
“Postulamos
que as propriedades da matéria psi seriam decorrentes desse
aumento no número de dimensões.”
Daí, Hernani enumera cinco
propriedades da matéria psi:
“1)
capacidade de vivificar a matéria física; 2) ser
suscetível de sofrer a influência modeladora do pensamento
organizado; 3) possuir um psiquismo latente e capaz de desenvolver-se
por meio de uma auto-organização; 4) capacidade
de transmitir, receber e acumular informação; 5)
possibilidade de influenciar, de certa forma, a matéria
física, emprestando-lhe algumas de suas propriedades.”
Hernani afirma que as propriedades
da matéria psi decorrem do aumento do número de dimensões.
Porém não explica como as propriedades de 1) a 5)
decorrem do aumento do número de dimensões. A falta
de explicação é um ponto fraco da teoria.
Na ausência de explicações para o primeiro postulado
da teoria do Psi Quântico, podemos inferir que, na verdade,
as cinco propriedades são os cinco primeiras hipóteses
da teoria.
No cap. V de [2], na seção
intitulada “Psipartículas”,
lemos a sexta hipótese colocada à
mão na teoria (pág. 95):
“Propomos
admitir-se que as três propriedades comuns
aos seres vivos, por nós escolhidas como fundamentais,
possam manifestar-se em grandezas diversas, múltiplas inteiras
de um quantum indivisível que seria a unidade básica
de cada uma delas.”
(Grifo em negrito, meu).
Não havendo nada que justifique a quantização
dessas propriedades comuns aos seres vivos, Hernani as apresenta
como postulado. Há vários problemas nisso como comentado
nas partes anteriores.
Na seção intitulada “O Bíon”, do
cap. V de [2], na pág. 102, Hernani afirma:
“Visando
a acompanhar mais de perto as convenções adotadas
para as partículas subatômicas físicas, vamos
atribuir também ao bíon uma carga negativa.”
(Grifos em negrito, meus).
Esta é a sétima hipótese. Como não
há como verificar experimentalmente a existência de
carga elétrica nas psipartículas, Hernani se vê
obrigado a formulá-la como uma hipótese fundamental
da teoria. Note a imprecisão e inconsistência da teoria
ao perceber que as propriedades da matéria psi de 1) a 5),
que foram postuladas no começo do cap. V, não decorrem
somente da hipótese de que as psipartículas são
quadridimensionais. Essas propriedades dependem diretamente dessas
hipóteses adicionais feitas por Hernani.
Na mesma seção, Hernani apresenta sua oitava hipótese
(pág. 103):
“Quando associados às
estruturas psiatômicas, os bíons fazem parte das
camadas externas dos átomos psi. Ali, eles se distribuem
em regiões discretas, ocupando órbitas bem definidas,
caso escolhamos um modelo para o psiátomo, semelhante ao
de “Rutherford-Bohr”, a fim de descrevê-lo.”

Ilustração do 'psi-átomo'
proposto por Hernani G. Andrade
Novamente, sem poder realizar qualquer experimento a respeito da
estrutura atômica do psiátomo, o autor apresenta sua
oitava hipótese como um postulado, que é a de que
o psiátomo possui estrutura similar à de um átomo
material. Ele faz a ressalva de que essa estrutura é quadridimensional.
Porém, até o presente momento, Hernani ainda não
afirma o que ele considera ser a quarta dimensão, se o tempo
ou uma outra dimensão espacial. Se for espacial, antes de
levar adiante a teoria, seria interessante verificar a existência
de soluções da equação de onda da Mecânica
Quântica para um sistema quadridimensional. Como deveria ser
a interação de Coulomb para determinar os auto-estados
do sistema? Como são os orbitais, e que valores teriam os
momentos angulares? Na literatura acadêmica, há estudos
que tentam descobrir os efeitos de se considerar mais uma dimensão
do espaço (ver, por exemplo, artigo da Ref. [10]).
Para que tudo ficasse consistente com o que é conhecido na
matéria, seria necessário que houvesse um potencial
'infinito' que reduzisse a influência da 4a dimensão.
A existência desse potencial ainda está para ser verificada,
pois resultaria em efeitos bem definidos
na matéria ordinária.
A nona hipótese da teoria do Psi Quântico (pág.
103) é:
“Na
condição de correntes biônicas, os bíons
produzem um campo de natureza magnética. É o campo
biomagnético, semelhante ao campo magnético gerado
por um ou mais elétrons em movimento. O campo biomagnético
tem um papel proeminente no fenômeno da vivificação
da matéria orgânica.”
Na incapacidade experimental de
verificar a existência dos bíons e de seus campos magnéticos,
eles têm que ser postulados. Isso mostra a insuficiência
do primeiro postulado da teoria de Hernani que diz que a capacidade
de vivificar a matéria, decorre apenas do aumento do número
de dimensões. Isso é um exemplo de incoerência
interna da teoria.
A décima hipótese da teoria (pág. 103):
“Postulamos, mais adiante,
que os eléctrons, nas órbitas electrônicas
do átomo físico, também podem gerar um campo
biomagnético (CBM) dirigido para o hiperespaço.
Desse modo se estabelece a interação entre os átomos
físicos e os psiátomos.”
De novo, sem poder constatar experimentalmente a existência
de bíons e a interação com elétrons,
o autor introduz isso como mais um postulado. Se o elétron
não puder interagir com o campo biomagnético, não
haverá interação entre psiátomos e átomos.
O percepton é proposto de modo semelhante ao que foi apresentado
na Teoria Corpuscular do Espírito. Porém,
na descrição do Psi Quântico,
encontramos mais uma hipótese colocada à
mão (pág. 105), a décima primeira
hipótese:
“O percepton teria também
implicações com a função psi-gamma,
ou seja, a percepção extra-sensorial (ESP).”
Para acomodar a teoria às
novas observações da Parapsicologia, Hernani não
consegue fugir ao artifício de acrescentar à mão
mais propriedades que não pode mensurar.
Há um comentário no mínimo estranho, feito
na pág. 106:
“O percepton deve ser receptivo
a qualquer estímulo. Por isso, sua natureza energética
precisa ser neutra. Em outras palavras, o percepton isoladamente
é bioenergeticamente neutro.”
O que a neutralidade energética
teria a ver com ser receptivo a qualquer estímulo?
Acreditamos que o autor inverteu a lógica das coisas: pois
um bom sensor é aquele capaz de interagir com qualquer tipo
de estímulo externo, o que significa que o sensor é
energeticamente ativo e influenciável. Um bom sensor tem
que ser capaz de alterar seu estado físico para registrar
a diferença devido ao registro do estímulo. Logo,
ele não deve ser energeticamente neutro.
Ainda na seção sobre o percepton, na pág. 106,
a décima segunda hipótese é apresentada:
“No entanto, devemos postular
que ele possa ligar-se ao intelecton, para compor o núcleo
do psiátomo. Esta ligação será análoga
à que ocorre entre o nêutron e o próton ao
formarem os núcleos dos átomos físicos.”
Se o percepton tem que ser bioenergeticamente
neutro, então como ele pode interagir com o intelecton, que
é bioenergeticamente ativo? (Ele tem carga bioenergetica
positiva que atrai o bíon.) Essa é outra inconsistência
interna não explicada nem resolvida pela teoria.
Na seção intitulada “O Intelecton”, pág.
106, vemos a décima terceira hipótese: “Postulamos
atribuir ao intelecton uma carga bioenergética positiva.”
Novamente, essa hipótese é introduzida à
mão por falta de experimentos que revelem tanto a
existência quanto as propriedades dos intelectons.
Incoerência de conceitos físicos
Na pág. 107, ao falar do “Modelo do Psiátomo”,
Hernani diz que:
“As
diferenças entre as psipartículas e as partículas
físicas resultam sobretudo das propriedades
oriundas do número de dimensões das mesmas. Essencialmente
falando, a natureza íntima de todas as duas categorias
de partículas é a mesma, ou seja, energia
simplesmente. (...) Ao adquirir quatro dimensões,
uma estrutura energética assume propriedades as
mais inusitadas, entre as quais conhecemos
algumas atribuídas aos objetos vivos, aos corpos espirituais,
ou as observadas nos fenômenos paranormais.”
(Grifo em negrito, meu)
Se “essencialmente falando”,
a natureza íntima de psipartículas e partículas
é a mesma, então não deveria haver diferenças,
ou as diferenças deveriam ser explicadas apenas em termos
das energias ou dos possíveis estados de energia de cada
partícula. Porém, não há nenhuma explicação
em termos de energia, somente a afirmação de que
“uma estrutura energética
assume propriedades as mais inusitadas” ao se considerar
mais dimensões. De um lado, essa afirmação
pode ser verdade, porém, ao dizer que “conhecemos”
essas propriedades inusitadas como sendo decorrentes da quarta dimensão,
há um equívoco de informação. A única
coisa que temos são indícios, através de fenômenos
de materialização e de transporte, de que talvez exista
uma quarta dimensão espacial que pode ser usada pelos Espíritos
para executar esses fenômenos. Mas não sabemos o que
acontece com as propriedades de um objeto físico quando se
considera que ele é quadridimensional. Aliás, o fato
de os Espíritos poderem mover um corpo através da
quarta dimensão, provaria que qualquer objeto é, na
verdade, quadridimensional e que apenas não é ordinariamente
movido através da quarta dimensão.
Campo
biomagnético - Décima quarta hipótese
Na seção intitulada “Conceito de Campo Biomagnético”,
do cap. VI, na pág. 123 é dito que:
“Como
explicamos no início deste subcapítulo, a principal
característica do CBM é a sua possibilidade de transitar
do espaço físico para o hiperespaço e, vice-versa,
do hiperespaço para o espaço físico. Esta
condição faz pressupor que o CBM possa ser também
gerado pelos átomos da matéria física. Podemos
postular esta circunstância, estabelecendo,
portanto, que todos os átomos materiais possuem um campo
de natureza magnética dirigido para o hiperespaço.”
(Grifo em negrito, meu).
Mais uma hipótese colocada
à mão. Interessante destacar aqui o comentário
de Hernani a respeito da teoria de campos “M” e “B”
de Wassermann. Iniciando na pág. 121, o autor comenta que:
“Enquanto
Wassermann tenta aplicar os campos “M” e “B”
a fenômenos puramente biológicos, ele parece estar
razoavelmente correto. Mas as dificuldades surgem justamente quando
se abordam os fenômenos psi. A aplicação da
teoria torna-se difícil, exigindo um número muito
grande de hipóteses ad hoc.” (Grifos
em negrito, meus).
Aqui, o autor critica exatamente o que ele próprio faz ao
apresentar uma série de hipóteses à
mão. O termo ad hoc é
uma expressão latina cuja tradução literal
é "para isto" ou "para
esta finalidade". Logo, uma hipótese ad
hoc é uma hipótese colocada à mão
para alguma finalidade explicativa.
Erros de Física 1: Força
centrífuga
Na seção intitulada “O Magnetismo na Matéria”,
do cap. VII, na pág. 134, Hernani afirma que:
“Focalizemos,
agora, exclusivamente os átomos físicos, constituintes
da nossa matéria física. Raciocinemos apoiados
no modelo de Bohr. Neste modelo, os elétrons gravitam
ao redor do núcleo. O núcleo tem cargas positivas
que atraem os eléctrons. Estes se mantém afastados
do núcleo; não caem sobre ele porque estão
em movimento circular, mantendo-se em suas órbitas, como
ocorre com os planetas, devido à força centrífuga.”(Grifos
em negrito, meus).
Em nenhuma parte do modelo de Bohr,
encontramos a afirmativa de que os elétrons não caem
sobre os núcleos por causa de forças centrífugas.
No caso de planetas, eles não se mantêm em suas órbitas
por causa de forças centrífugas, mas por causa da
resultante das forças gravitacionais serem do tipo centrípetas
[11].

Ilustração da direção
centrípeta da força gravitacional
Erros de Física 2: Tensionamento
do átomo
Na seção intitulada
“O CBM da Matéria”, Hernani afirma na pág.
139 que:
“Os
eléctrons circulando ao redor do núcleo, equivalem
a uma bobina esférica. Isto deverá
provocar uma espécie de “pressão” magnética
tensionando o átomo, de dentro para fora. O campo gerado
nestas condições deverá achar-se no hiperespaço
contíguo ao átomo. Nós não podemos
detectar diretamente o referido campo, mas é provável
que ele exista. O campo acima aludido está dirigido para
a quarta dimensão e tem natureza magnética.”
(Grifo em negrito, meu)
Elétrons circulando ao redor do núcleo não
equivalem a uma bobina esférica. Isso porque, numa bobina
esférica macroscópica, muitas cargas (elétrons)
nela se movimentam, enquanto que um orbital eletrônico pode
conter apenas dois elétrons (de spins diferentes). Cada elétron
não pode gerar força sobre sua própria trajetória,
pois, segundo a Mecânica Quântica, o auto-estado do
elétron ou seu nível eletrônico depende do hamiltoniano
do sistema completo formado por prótons e elétrons.
O correto teria sido utilizar a análise oriunda da teoria
quântica para momentos angulares, para descrever o magnetismo
eletrônico. Nisso reside a falta de consistência na
formulação da teoria de Hernani, pois se a quantização
da vida foi uma proposta conveniente para a teoria, a aplicação
da teoria quântica na descrição da dinâmica
dessas partículas não deveria ter sido esquecida.
Dentre os possíveis estados quânticos devido ao movimento
angular dos elétrons, existem quatro tipos de orbitais representados
pelas letras s, p, d
e f. O orbital tipo s
é o mais simples e tem forma esférica. O orbital tipo
p tem orientação ao longo
de uma das direções do espaço, e os orbitais
d e f
possuem formas ainda mais complicadas. O orbital tipo s,
por ter simetria esférica, corresponde a um valor total de
momento angular nulo e, consequentemente, momento de dipolo magnético
nulo. Os outros orbitais possuem momento total não nulo,
mas se uma camada atômica estiver totalmente preenchida, a
somatória vetorial dos momentos angulares será nula.
Por isso que o campo magnético resultante da maioria dos
elementos é nula.
É oportuno, aqui, mencionar algo a respeito da história
do famoso experimento de Stern-Gerlach que é ensinado nos
cursos de Física como aquele que demonstra a existência
do spin do elétron [4]. Isso
é correto, porém, na verdade, Stern e Gerlach não
pretenderam demonstrar a existência do spin, já que
isso não era conhecimento na época do experimento,
dentre 1921 e 1922 [12]. Eles usaram
feixes formados por átomos de prata na intenção
de, no fundo, demonstrar o modelo atômico de Bohr que postulava
a quantização do momento angular e, consequentemente,
esperavam que o feixe de átomos de prata se dividisse em
dois, como de fato ocorreu [12]. O
que eles não sabiam, e que ficou claro posteriormente, é
que, na verdade, o feixe de átomos de prata se dividiu em
dois por causa do magnetismo associado ao spin do elétron
de valência do mesmo. O átomo de prata possui 47 elétrons,
de onde 46 formam camadas fechadas e completas, o que implica num
momento angular total nulo. O último elétron que é
o de valência, está no orbital 5s
que, como dito acima, por ter simetria esférica, tem momento
angular nulo. Logo, os efeitos magnéticos sobre os átomos
de prata não podiam decorrer do magnetismo orbital, mas apenas
do spin deste elétron. Isso mostra como não se pode
inferir consequências sem uma análise completa de todas
as propriedades e características do sistema físico
em questão, e reforça o comentário de que sem
levar em conta a quantização do momento angular, a
análise das propriedades magnéticas de átomos
materiais e espirituais da teoria de Hernani se torna incapaz de
descrever a realidade.
Assim como os estados eletrônicos são soluções
possíveis da equação de onda de Schrödinger
[4], esses orbitais são todos
estáveis e os elétrons, nesses estados, estão
em equilíbrio, não se sentindo tensionados, nem implicando
em tensionamento do espaço.

Concepção artística moderna
das zonas de probabilidade de se encontrar um elétron ao
redor do núcleo de um átomo (um exemplo de 'órbital
atômico'. Essas 'núvens de probabilidade' nada tem
a ver com órbitas definidas ao redor do núcleo que
foram usadas em 'psi-quântico'.
Portanto, a analogia entre o campo gerado na terceira dimensão
por uma espira de corrente no mundo bidimensional e o campo gerado
na quarta dimensão por elétrons circulando ao redor
do núcleo não é correta, nem serve de base
para considerarmos a existência dos campos biomagnéticos.
A única forma de comprovar isso seria medir a existência
de campos biomagnéticos sem causa material, mas o próprio
autor afirma que “nós não
podemos detectar diretamente o referido campo”. Na
falta de uma comprovação, mesmo que indireta, essa
proposta teórica não tem utilidade.
Conceito 5. "Massa" do Espírito
No cap. VIII, na seção intitulada “Polarização
Magnética da Psimatéria”, encontramos uma análise
curiosa da densidade da psimatéria. Hernani, na pág.
148, estima valores dessa densidade com base em informações
antigas de experimentos de pesagem de Espíritos durante o
desencarne [13]. Ele encontrou valores
da ordem de ~ 9 x 10-4 g/cm3, 10 vezes maior, portanto, que a densidade
do hidrogênio, estimada em ~ 9 x 10-5 g/cm3.
Se a matéria psi tiver essa densidade, então independente
da sua evolução, jamais um Espírito desencarnado
pode se aproximar de uma estrela como o Sol, pois será capturado
e preso pela sua enorme atração gravitacional. Essa
ideia é mais um exemplo da diferença entre a teoria
de Hernani e os princípios espíritas, que sustentam
a independência entre o mundo espírita e o material.
Conclusões
O espaço não permite
analisar todos os detalhes críticos de ambas as teorias,
porém, citamos algumas que destacam a incapacidade dessas
teorias para descrever a realidade espiritual do ser. Os pontos
falhos são apenas com relação à teoria,
enquanto que Hernani, autor das mesmas, continuará sempre
merecendo nosso maior e profundo respeito pelo enorme trabalho de
divulgação dos fenômenos espíritas, bem
como na investigação de diversos deles.
Apenas frisamos que, se de um lado
constatamos que as críticas ao Espiritismo carregam vieses
pessoais e oriundos de visões materialistas da natureza,
precisamos saber reconhecer os erros de teorias que saem às
vezes de mãos e mentes espíritas, para que possamos
dar um testemunho legítimo de fé raciocinada, isto
é, de uma fé que tem consciência naquilo que
crê e que é capaz de “encarar a razão,
face a face, em todas as épocas da Humanidade”.