No Brasil, as reuniões mediúnicas
(RMs) são dedicadas ao atendimento, através do diálogo
fraterno, de Espíritos sofredores. Por sofredores,
entende-se os Espíritos infelizes que experimentam dores físicas
ou morais. Dentre eles, há os chamamos Espíritos obsessores
que também são sofredores apesar de apresentarem perfil
mais endurecido do que sofredor. A obra O céu e o inferno
(KARDEC, 2000) apresenta exemplos, dentre outros, de perfis de Espíritos
sofredores, de sofrimento mediano, suicidas e endurecidos.
Embora os diferentes graus de lucidez e sofrimento dos Espíritos,
um resultado bastante comum das RMs é o relativo sucesso desses
diálogos fraternos. Através deles se consegue aliviar
dores; consolar; esclarecer; mostrar novos caminhos; e até
mesmo apaziguar sentimentos agressivos; dentre outros. Mesmo nos casos
de maior sofrimento como naqueles em que o Espírito se apresenta
com o seu perispírito mutilado, deformado ou animalizado, alguns
se perguntam como é possível que através de um
ou poucos diálogos, um Espírito assim recobre seu equilíbrio,
alivie-se de suas dores, recomponha seu perispírito e se sinta
em condições melhores. O propósito deste artigo
é mostrar, com base em Kardec, quais os mecanismos do auxílio
e melhoria espiritual desses Espíritos através do diálogo.
Ao mesmo tempo mostraremos, também com base em Kardec, a importância
do conteúdo desses diálogos. Veremos que essa atividade
requer não apenas boa vontade, mas estudo evangélico
e doutrinário.
O fundamento da doutrina espírita necessário ao entendimento
dos mecanismos do diálogo fraterno com os Espíritos
é a conformidade das modificações do fluido universal
ao pensamento e vontade do Espírito (item 14, do cap. XIV de
A gênese). Duas consequências importantes desse
primeiro princípio são: i) os fluidos são “impregnados
das qualidades boas ou más dos pensamentos que os fazem vibrar”
(KARDEC, item 15, idem); ii) o perispírito, que é “uma
condensação desses fluidos em torno de um foco de inteligência”
(item 7, idem), tem sua natureza determinada pelo “grau
de adiantamento moral do Espírito” (item 9, idem).
Como veremos a seguir, essas duas consequências são importantíssimas
para o sucesso do trabalho do diálogo fraterno com Espíritos
sofredores.
No item 81 do capítulo XXVIII de O Evangelho segundo o
Espiritismo (ESE), Kardec analisa os efeitos da prece em favor
de pessoas obsidiadas. Ele apresenta duas condições
para o sucesso de um diálogo com um Espírito endurecido.
Primeiro, após comentar a importância de uma ação
fluídica que ele chama de “mecânica”,
no sentido de ser necessário eliminar o fluido mau com um fluido
bom em um obsidiado, ele diz:
Esta a ação mecânica,
mas que não basta; necessário, sobretudo,
é que se atue sobre o ser inteligente, ao qual importa
se possa falar com autoridade, que só existe
onde há superioridade moral. (KARDEC,
item 81, cap. XXVIII, ESE, grifos em negrito meus, em itálico
originais).
A questão da autoridade moral
é muito importante. Conforme item i) acima, ela faz com que
os fluidos irradiados pelo dialogador contenham qualidades morais
elevadas. Porém, ao contrário do que se imagina em geral,
só autoridade moral não é suficiente para realizar
um bom atendimento de socorro a um Espírito sofredor. Não
que bons fluidos irradiados pelo dialogador não possam auxiliar
o Espírito. Dependendo da capacidade de afinidade fluídica
do Espírito, isso irá auxiliar (DA FONSECA, 2022). Entretanto,
se a autoridade moral, sozinha, fosse suficiente para libertar Espíritos
sofredores, bastaria que Jesus ou os bons Espíritos se aproximassem
de um sofredor para livrá-lo do sofrimento, aclarar-lhe a mente
e reequilibrar seu íntimo e perispírito. É necessário,
então, mais um ingrediente para o sucesso de um trabalho de
auxílio aos Espíritos sofredores. É o próprio
Kardec quem esclarece isso no mesmo item do ESE:
E não é tudo: para
garantir-se a libertação, cumpre induzir o
Espírito perverso a renunciar aos seus maus desígnios;
fazer que nele despontem o arrependimento e o desejo do
bem, por meio de instruções habilmente ministradas,
em evocações particulares, objetivando a sua educação
moral. Pode-se então lograr a dupla satisfação
de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.
(Idem, grifos meus).
Por quê Kardec recomenda que
seja necessário “induzir” um Espírito
perverso a renúncia dos maus desígnios ou “fazer
que nele despontem” o arrependimento e o desejo do bem?
E mais, por quê Kardec recomenda que se faça isso “por
meio de instruções habilmente ministradas”?
A autoridade moral não seria suficiente? O que “instruções
habilmente ministradas” podem fazer pelo Espírito infeliz?
Veremos que isso tem a ver com as duas consequências, i) e ii)
acima, do princípio de que os fluidos obedecem apenas ao pensamento
e à vontade.
Kardec explica no item 14 do cap.
XIV de A gênese que das transformações
que o fluido universal sofre pela ação do pensa mento
e da vontade algumas “resultam de uma intenção,
outras, são o produto de um pensamento inconsciente. Basta
que o Espírito pense em uma coisa, para que ela seja feita.”
Em seguida, no mesmo item, ele descreve que:
É assim, por exemplo, que
um Espírito se faz visível a um encarnado que possua
a vista espiritual, sob a aparência que tinha quando estava
vivo, (...) Apresenta-se com as vestes, os sinais externos, enfermidades,
cicatrizes, membros amputados etc. que tinha. (...). Isso
não quer dizer que tenha conservado essas aparências,
não, certamente, porque, como Espírito, ele não
é coxo nem maneta, nem caolho, nem decapitado; mas seu pensamento,
se reportando à época em que era assim, seu
perispírito toma instantaneamente essa aparência,
a qual muda também instantaneamente. (KARDEC,
item 14, cap. XIV, A gênese, grifos meus).
No item 16 do mesmo capítulo
e obra, Kardec complementa: “Os fluidos viciados pelos eflúvios
dos maus Espíritos podem se purificar pelo afastamento deles,
mas seu perispírito será sempre o que é,
enquanto o Espírito não se modificar por si mesmo.”
Essa última afirmativa é consequência direta dos
itens i) e ii).
Então vejamos o que tudo isso significa. Pelo pensamento, o
Espírito modifica seu próprio perispírito, manifestando
nele seu estado de equilíbrio ou desequilíbrio, saúde
ou enfermidade. Um Espírito sofredor irá manifestar
enfermidade, deformação, desequilíbrio em seu
próprio corpo espiritual. Nessa última afirmação
de Kardec, ele deixa claro que se o Espírito “não
se modificar por si mesmo” ele continuará manifestando
o seu perispírito desequilibrado da mesma forma. Isso está
condizente com os itens i) e ii) porque a forma e qualidade dos fluidos
são efeitos enquanto que a causa está no pensamento
do Espírito. Como, então, um Espírito sofredor
pode se modificar? Dentre as diversas formas, existe a que depende
do diálogo fraterno que as RMs espíritas realizam. Através
desses diálogos fraternos, (parafraseando Kardec) instruções
são habilmente ministradas. Como assim habilmente?
Em que sentido? A habilidade das instruções consiste
em causar uma “educação moral” no Espírito
sofredor através do pensamento. Ao dialogarmos fraternalmente
com um Espírito sofredor, ao darmos atenção,
ouvimo-lo, nos apiedarmos do seu sofrimento e esclarece-lo, semeamos
neles bons e novos pensamentos. Essas “instruções”
que os dialogadores passam aos Espíritos sofredores, geram
pensamentos de consolo, de acolhimento, de entendimento, de reflexão,
de esperança, de arrependimento e muitos outros bons pensamentos.
Ao pensarem nessas coisas, instantaneamente conforme garantem os princípios
descritos nos itens i) e ii) anteriormente, seus perispíritos
começam a modificar refletindo esse estado de entendimento
novo que surge nas mentes desses Espíritos.
Por exemplo, se um Espírito começa um diálogo
pedindo para falar baixo ou nem falar com ele porque ele está
com medo de ser descoberto e atacado, se conseguimos explicar que
nós estamos com uma equipe que pode fornecer segurança
e que temos uma forma de “tirar” o Espírito do
lugar inseguro que ele acha que está, o simples fato do Espírito
sentir-se seguro, já muda o pensamento que de temor passa a
de segurança e confiança que, por sua vez, permite ele
formar sintonia com outros quadros que os bons Espíritos preparam
para ele(a).
Quando um Espírito que por qualquer razão passou a acreditar
que ele(a) é um animal e assim se apresenta com seu perispírito,
ao dizermos a esse Espírito que na verdade ele(a) é
humano como todos nós, e conversarmos fraternalmente, estimulando-o
através de afirmações bem positivas sobre si,
sobre sua dignidade, sugerindo se possível a se lembrar de
fatos vividos no passado, ele(a) vai retomando o pensamento na forma
anterior até começar a perceber uma modificação
consigo mesmo, no seu “corpo”.
Quando um Espírito endurecido é convidado a refletir
sobre o que de fato consiste a felicidade no mundo; quando lembrado
de que independente das razões que o tornaram revoltado e infeliz,
que há Espíritos que o querem bem, que o amam e querem
voltar a conviver com ele(a); pensamentos de saudades, de lembrança
de períodos de paz que viveu no passado, podem despertar sentimentos
que instantaneamente, gerarão nele(a) mesmo fluidos bons, renovados,
e que permitirão sintonizá-lo a outros Espíritos
mais evoluídos.

Notem que a instrução
ou palavra amiga do dialogador é importante não apenas
pela vibração boa que carrega, mas pela habilidade
que a instrução tem de fazer o Espírito pensar,
refletir, ponderar, revisar valores e, com isso, mudar seu íntimo
e, por consequência dos itens i) e ii), mudar seu próprio
perispírito para melhor.
Esse é o mecanismo doutrinário e simples da melhoria dos
Espíritos sofredores através do diálogo fraterno.
Não tem mistério, nem misticismo, nem ritual ou gesto
de natureza exterior que gere o mesmo resultado. Quando um diálogo
com um Espírito sofredor combina bons sentimentos (desejo sincero
de ajudar) com os conhecimentos doutrinários, evangélicos
e psicológicos que o ajudam a refletir melhor sobre si mesmo,
o resultado (mais uma vez parafraseando Kardec) é lograr a satisfação
de aliviar, consolar e/ou converter um Espírito imperfeito. É
por essas razões que o Espírito de Verdade recomendou
não apenas que amássemos uns aos outros, mas que também
nos instruamos, pois que o conhecimento também é ferramenta
necessária para bem cumprir a caridade. Na próxima parte
desta matéria, vamos analisar o papel (não apenas passivo)
do médium no sucesso de um diálogo fraterno com Espíritos
sofredores.