Um dos graves problemas que trazem as teologias
dogmáticas é fazer com que as pessoas percam completamente
o senso crítico, passando a aceitar tudo que lhe dizem sem
o mínimo questionamento. O Espiritismo, ao contrário,
incentiva a análise crítica de tudo, exatamente como
recomendou Paulo: “Examinai tudo e retende o que
é bom”. (1Ts 5,21).
Vejamos essa passagem:
Iahweh! Iahweh... Deus de ternura
e de piedade, lento para a cólera, rico em graça e
em fidelidade; que guarda sua graça a milhares, tolera a
falta, a transgressão e o pecado, mas a ninguém deixa
impune e castiga a falta dos pais nos filhos e nos filhos dos seus
filhos até a terceira e a quarta geração. (Ex
34, 6-7) (ver tb Ex 20, 5-6 e Dt 24,9-10).
(Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Paulus, 2002).
Quem é “ternura e piedade”
imputaria um castigo ao inocente no lugar do verdadeiro culpado? Como
alguém “rico em graça e fidelidade” penalizaria
os filhos pelos erros de seus pais? Se se “tolera a falta, a
transgressão e o pecado”, como, diante disso, ainda se
fala em castigo eterno? Se “a ninguém deixa impune”,
como alguém pode dizer que os erros estão simplesmente
perdoados ou foram redimidos? Quando se “castiga a falta dos
pais nos filhos”, como fica a questão da justiça?
Apesar de ser “lento para a cólera”, como não
falar em vingança se o castigo se estende “até
a terceira e quarta geração”?
Será que a teologia tradicional
conseguiria, usando argumentos coerentes, explicar todos esses questionamentos?
Acreditamos que não. Tentariam é claro, mas usando de
sofismas, que poderiam convencer os néscios. Entretanto, longe
dela, podemos encontrar explicações razoáveis
para tudo isso, sem perdermos o senso de lógica.
Para nossa análise
do castigo partiremos da seguinte questão: Como, por
ele, se poderia atender simultaneamente a tudo quanto foi questionado,
sem a mínima contradição?
Antes diremos que a mudança
de uma preposição é que coloca todo o texto em
conflito, mas se a mantivermos como deveria ser então as coisas
irão facilmente se encaixar. Estamos falando da preposição
“até” que, segundo os mais entendidos, foi colocada
no lugar de “na”, alterando o significado do texto original,
para fugir, qual diabo da cruz, de um princípio que condiz
plenamente com a justiça divina, mas que entra em conflito
com os dogmas impostos pelos teólogos do passado.
Então o trecho ficaria assim:
“castigo a falta dos pais nos filhos e nos filhos dos seus filhos
na terceira e quarta geração”, isso nada mais
é que o princípio da reencarnação, escamoteado
por interesses escusos. Qualquer um de nós pode muito bem,
pela reencarnação, nascer como seu neto ou bisneto,
ficando justo o castigo, pois, na verdade, está se atingindo
o verdadeiro criminoso, agora encarnado como um de seus descendentes.
Observar que, de acordo com o que
estamos pensando, o texto não ficaria em contradição
com: “Sim, a pessoa que peca é a que morre! O filho não
sofre o castigo da iniqüidade do pai, como pai não sobre
o castigo da iniqüidade do filho: a justiça do justo será
imputada a ele, exatamente como a impiedade do ímpio será
imputada a ele”.
(Ez 18, 20). (Bíblia de Jerusalém,
São Paulo: Paulus, 2002).
Por outro lado, haveria plena concordância
com tudo quanto está se falando de Deus, porquanto, Ele é
realmente um Deus “de ternura e de piedade, lento para a cólera,
rico em graça e em fidelidade”. O que faz também
a questão da “tolerância da falta, da transgressão
e do pecado”, ficar clara, mas, devemos convir que, tolerância
não implica em perdão puro e simples, pois seria contrário
à afirmativa de que Deus “a ninguém deixa impune”.
Haverá sim, por questão de justiça, o castigo.
Entretanto, esse terá que se harmonizar com o que já
foi dito. O castigo divino deverá ser entendido como
algo que tenha objetivo corretivo-educativo, buscando, dessa
forma, o nosso aprendizado espiritual, conduzindo-nos à evolução
e não como algo apenas de conotação punitiva.
Assim, caro leitor, a única
coisa que pode atender à passagem analisada é o princípio
da reencarnação, que apesar de ser um ensinamento claro
de Jesus, ainda é negado pela liderança religiosa, que
parece não estar muito preocupada em “juntar tesouros
nos céus”, mas prefere isso sim juntar os daqui da Terra
mesmo. “Pai, perdoai-lhes, pois não sabem o que falam”
(Lc 23,34), diria Jesus a eles.