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Uma das frases mais comentadas e polêmicas
do Espiritismo, atribuída a Léon Denis, é constantemente
repetida no meio espírita, mas um estudo mais detalhado da
questão nos mostra outra realidade.
É comum ouvirmos essa frase:
"A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal
e acorda no homem", cuja autoria é atribuída
a Léon Denis. Só que, curiosamente, até hoje
ninguém nos provou que ele tenha dito exatamente isso. Mas,
na busca em que nos empenhamos para encontrá-la, acabamos por
nos deparar com a frase verdadeira, vejamo-la:
"Na planta, a inteligência
dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se,
possui-se e torna-se consciente; a partir daí, o progresso,
de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só
se pode realizar pelo acordo da vontade humana com as leis Eternas"
(O Problema do Ser, do Destino e da Dor,
Léon Denis. FEB, 1989, p. 123. Grifo nosso)
Obviamente, mesmo em sentido figurado,
dormir na planta não é o mesmo que dormir na pedra,
que é o assunto que ainda causa polêmica em nosso meio.
Bom, a questão é saber se o sucessor do codificador
contrariou aquilo que foi dito por ele. Particularmente, acreditamos
que não.
Inicialmente, recorreremos ao que
ele, Kardec, disse na Introdução da primeira edição
de O Livro dos Espíritos:
"Qualquer que seja, é
um fato que não se pode contestar, pois é um resultado
de observação, é que os seres orgânicos
têm em si uma força íntima que produz o fenômeno
da vida, enquanto que essa força existe; que a vida material
é comum a todos os seres orgânicos e que ela é
independente da inteligência e do pensamento: que a inteligência
e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies
orgânicas; enfim, que entre as espécies orgânicas
dotadas de inteligência e de pensamento, há uma dotada
de um senso moral especial que lhe dá incontestável
superioridade sobre as outras, é a espécie humana".
Nós chamamos enfim inteligência
animal o princípio intelectual comum aos diversos graus nos
homens e nos animais, independente do princípio vital, e cuja
fonte nos é desconhecida" (O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec. IPECE, 2004, p. a 3.
FEB, p. 15. Grifo nosso).
Isso foi necessário apenas
para verificar que, já na primeira edição desse
livro, Kardec, sem meias palavras, disse que "a inteligência
e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies
orgânicas", definindo-as dessa forma:
"Os seres orgânicos
são os que têm em si uma fonte de atividade íntima
que lhes dá a vida. Nascem, crescem, reproduzem-se por si mesmos
e morrem. São providos de órgãos especiais para
a execução dos diferentes atos da vida, órgãos
esses apropriados às necessidades que a conservação
própria lhes impõe. Nessa classe estão compreendidos
os homens, os animais e as plantas" (p.
65. Grifo nosso).
ENTÃO, SEGUNDO KARDEC, PODEMOS
classificar os seres orgânicos em homens, animais e plantas.
Quando, no livro A Gênese, ele estuda
o Instinto e a Inteligência (Capítulo III), faz diversas
considerações, nas quais vamos encontrar alguma coisa
para dirimir possíveis dúvidas. Diz lá:
"O instinto é a força
oculta que solicita os seres orgânicos a atos espontâneos
e involuntários, tendo em vista a conservação
deles. Nos atos instintivos não há reflexão,
nem combinação, nem premeditação. É
assim que a planta procura o ar, se volta para a luz, dirige suas
raízes para a água e para a terra nutriente; que a flor
se abre e fecha alternativamente, conforme se lhe faz necessário;
que as plantas trepadeiras se enroscam em torno daquilo que lhes serve
de apoio, ou se lhe agarram com as gavinhas. É pelo instinto
que os animais são avisados do que lhes convém ou prejudica;
que buscam, conforme a estação, os climas propícios;
que constroem, sem ensino prévio, com mais ou menos arte, segundo
as espécies, leitos macios e abrigos para as suas progênies,
armadilhas para apanhar a presa de que se nutrem; que manejam destramente
as armas ofensivas e defensivas de que são providos; que os
sexos se aproximam; que a mãe choca os filhos e que estes procuram
o seio materno. No homem, só em começo da vida o instinto
domina com exclusividade; é por instinto que a criança
faz os primeiros movimentos, que toma o alimento, que grita para exprimir
as suas necessidades, que imita o som da voz, que tenta falar e andar.
No próprio adulto, certos atos são instintivos, tais
como os movimentos espontâneos para evitar um risco, para fugir
a um perigo, para manter o equilíbrio do corpo; tais ainda
o piscar das pálpebras para moderar o brilho da luz, o abrir
maquinal da boca para respirar, etc." (pp. 64-65. Grifo
nosso)
Nessa fala de Kardec fica claro que
ele admite o instinto nas plantas, nos animais e nos homens. Mas,
"o que tem a ver instinto com inteligência?",
poderia alguém nos perguntar. Pois bem, essa dúvida
foi respondida pelos Espíritos, que afirmaram que o instinto
é uma espécie de inteligência, uma inteligência
não racional (resposta à pergunta 73). Um pouco mais
à frente, ao comentar a resposta à pergunta 75, o codificador
explica:
"O instinto é uma
inteligência rudimentar, que difere da inteligência propriamente
dita, em que suas manifestações são quase sempre
espontâneas, ao passo que as da inteligência resultam
de uma combinação e de um ato deliberado".
"O instinto varia em suas
manifestações, conforme as espécies e as suas
necessidades. Nos seres que têm a consciência e a percepção
das coisas exteriores, ele se alia à inteligência, isto
é, à vontade e à liberdade" (p.
69. Grifo nosso).
PORTANTO, PELA ORDEM, AS PLANTAS,
os animais e os homens possuem o princípio inteligente, variando
apenas quanto ao grau de sua manifestação. Entretanto,
até agora, não houve nada relacionado aos minerais terem
esse princípio, ou que o mesmo tenha, por alguma vez, estagiado
em seres inorgânicos. Coisa difícil de entender, já
que esses seres não possuem vitalidade; portanto, não
estão sujeitos ao "nascer-crescer morrer",
ciclo indispensável para que ocorra o progresso intelectual
desse princípio.
O esclarecimento a respeito do instinto
de conservação vai nos ajudar a clarear mais ainda essa
questão. Vejamos em O Livro dos Espíritos:
"702. É lei da Natureza
o instinto de conservação?"
"Sem dúvida. Todos os seres vivos o possuem, qualquer
que seja o grau de sua inteligência. Nuns, é puramente
maquinal, raciocinado em outros".
"703. Com que fim outorgou
Deus a todos os seres vivos o instinto de conservação?"
"Porque todos têm que concorrer para cumprimento
dos desígnios da Providência. Por isso foi que Deus
lhes deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária
ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente,
sem disso se aperceberem".
"728. É lei da Natureza
a destruição?"
"Preciso é que tudo se destrua para renascer e se
regenerar. Porque, o que chamais destruição não
passa de uma transformação, que tem por fim a renovação
e melhoria dos seres vivos".
Do que concluímos que todos
os seres vivos possuem a inteligência em algum grau, que a vida
é necessária a seu progresso e que a destruição
é necessária para que isso ocorra; então, no
que concerne aos minerais, acreditamos que nada disso se aplica.
Voltando ao livro A Gênese,
iremos encontrar uma fala de Kardec que, a nosso ver, põe um
ponto final sobre como ele via o assunto.
Vejamos quando ele fala da união
do princípio espiritual e da matéria, no capítulo
XI, item 10:
"Devendo a matéria
ser o objeto de trabalho do Espírito, para o desenvolvimento
de suas faculdades, era necessário que pudesse atuar sobre
ela, por isso veio habitá-Ia, como o lenhador habita a floresta.
Devendo ser a matéria, ao mesmo tempo, o objetivo e o instrumento
de trabalho, Deus, em lugar de unir o Espírito à pedra
rígida, criou, para seu uso, corpos organizados; flexíveis,
capazes de receber todos os impulsos de sua vontade, e de se prestar
a todos os movimentos".
"O corpo é pois, ao
mesmo tempo, o envoltório e o instrumento do Espírito,
e à medida que este adquire novas aptidões, ele reveste
um envoltório apropriado ao novo gênero de trabalho que
deve realizar, como se dá a um obreiro ferramentas menos grosseiras
à medida que ele seja capaz de fazer uma obra mais cuidada"
(pp. 182-183. Grifo nosso).
PELO QUE PODEMOS DEDUZIR dessa fala,
não há como admitir que o princípio inteligente
tenha se estagiado nos minerais, a não ser contrariando o que
aqui foi dito por Kardec.
Na explicação da resposta
à pergunta 71 (LE), o codificador faz a seguinte consideração:
"A inteligência é
uma faculdade especial, própria de certas classes de seres
orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade
de agir, a consciência de sua existência e de sua individualidade,
assim como os meios de estabelecer intercâmbio com o mundo
exterior e de prover às suas necessidades".
"Podem distinguir-se assim:
1º. - os seres inanimados,
constituídos de matéria, sem vitalidade nem inteligência,
que são os corpos brutos; 2º - os seres animados não
pensantes, formados de matéria e dotados de vitalidade, mas
desprovidos de inteligência; 3º - os seres animados pensantes,
formados de matéria, dotados de vitalidade e tendo a mais
um princípio inteligente que lhes dá a faculdade de
pensar" (p. 68. Edição
da FEB, p. 78).
Classificam-se, portanto, os reinos
da natureza em três: o mineral, o vegetal e o animal, conforme
essa ordem citada por Kardec. Assim, fica claro, pelo que ele coloca,
que o reino mineral não tem vitalidade nem inteligência,
o que também se confirma com: "A matéria inerte,
que constitui o reino mineral, não tem senão uma força
mecânica" (O Livro dos Espíritos.
IDE, p. 245). Buscando-se também a questão 136a,
veremos que a hipótese do princípio inteligente no mineral
e de todo improvável, porquanto: "A vida orgânica
pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar
um corpo privado de vida orgânica" (idem,
p. 91. Grifos nossos).
Conforme descobrimos, essa hipótese
está nos livros No Mundo Maior e
Evolução em Dois Mundos, da
série André Luiz. Não seremos nós quem
irá contestar o autor; entretanto, talvez por ousadia, questionamos
a seguinte fala dele:
"A crisálida de consciência,
que reside no cristal a rolar na corrente do rio, aí se acha
em processo, Iibertatório ... " (No
Mundo Maior. FEB, p. 45). Como um cristal, que rola no leito
de um rio, "morre" para que a crisálida, que possivelmente
esteja nele, passe para o estágio evolutivo seguinte? Quando
nós usamos esses cristais, incrustando-os nas paredes de nossas
casas, a crisálida ficaria ali presa indefinidamente? Devemos
proteger os cristais como estamos querendo fazer em relação
aos seres vivos dos outros reinos da natureza?
É por essas coisas que temos
enorme dificuldade em aceitar tal premissa, que também, se
não estivermos enganados, não é aquela que encontramos
nas obras da codificação.
Dessa forma nos alinhamos com outros
autores, já consagrados no meio espírita, que já
responderam à pergunta que dá título a esse nosso
texto, com um sonoro não.