É comum vermos as expressões: "a Bíblia
diz", "a Bíblia fala",
"porque está na Bíblia",
"a Bíblia emprega a palavra tal em tal sentido",
etc., como se ela fosse um ser vivo com capacidade de pensar e até
de se expressar. Não entendem alguns teólogos, principalmente
os dogmáticos, que na verdade foram os autores bíblicos
que pensaram e se expressaram, e ao longo do tempo, foi ela,
por força da afirmativa de ser "a palavra de Deus",
adquirindo essa vida própria.
Se tivermos mente aberta, para analisar seu conteúdo, veremos
que existem várias passagens que não podem, de forma
alguma, ser atribuídas a Deus. Isso, por outro lado, colocaria
em cheque a questão de ser ela somente a palavra de Deus. Ora,
como ela fazia parte dos rituais religiosos, era lida nos templos,
e esses rituais assumem, em todos os tempos e lugares, um caráter
sagrado, assim, a Bíblia, adquiriu também o caráter
de Sagrada, passando a ter, por isso, a denominação
de Bíblia Sagrada, como a conhecemos hoje.
Devemos, para extrair a verdade que ela contém, analisar os
fatores culturais e os de época que, de maneira irrefutável,
influenciaram os autores bíblicos. Sabemos que muitas pessoas
não admitem essas coisas, mas não podemos compactuar
com a ignorância, e deixar as coisas como estão. Assim,
para o próprio bem dela, devemos mostrar que determinadas coisas
foram mudando de sentido (ou significado) com o passar dos tempos.
De uma maneira geral, para o ser humano, parece ser muito mais fácil
acreditar em algo, mesmo que ele não exista, do que mudar o
seu pensamento a respeito de alguma coisa em que ele já acredita.
Assim, com certeza, o que iremos colocar não será ouvido
por muitos. E talvez sejamos execrados por outros, além de
aqueles que irão nos mandar "arder no mármore do
inferno". Mas, nada disso nos fará silenciar diante do
que nossa consciência nos diz para fazer, já que buscamos
"a verdade que liberta", não a que querem a todo
custo nos impor. Achamos isso uma afronta à nossa inteligência,
pois agem como se ninguém, a não serem eles, tivesse
capacidade de pensar.
Os cinco primeiros livros da Bíblia
formam o Pentateuco. O Pentateuco é uma palavra
grega que significa "cinco livros". Antigamente foram atribuídos
a Moisés. Hoje em dia, não mais, porque entre eles se
relata a morte de Moisés. Compõe-se dos seguintes livros:
Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio.
A este é que os judeus chamavam "a Lei", já
que nele se encontravam os mandamentos e os estatutos de Deus.
O primeiro mandamento Divino
aos homens, com a sua conseqüente penalidade, nós
vamos encontrá-lo em Gn 2, 16-17:
"E Javé Deus ordenou
ao homem: ‘Você pode comer de todas as árvores
do jardim. Mas não pode comer da árvore do conhecimento
do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, com certeza morrerá’".
Assim, a pena para a desobediência
ao mandamento seria a morte. Relaciona-se, pois,
a uma situação presente, e não para o futuro.
Mas, estranhamente, as penas
impostas, é o que se supõe, ao primeiro casal
humano foram: a) mulher: parir com dor, paixão que a arrastaria
para o marido (graças a Deus), e que seria dominada por ele;
b) homem: ter que trabalhar até o "suor do rosto",
para tirar da terra os produtos dos quais deveria alimentar-se, e
voltar ao pó, ou seja, morrer. Devemos observar que todos os
castigos impostos estão relacionados à sua vivência
diária, nada de vida após a morte.
Embora não tenha estabelecido
que seria uma desobediência matar alguém, Deus exige
explicação de Caim sobre a morte de seu irmão
Abel, e acaba por penalizá-lo. Dizendo a Caim que o solo não
lhe daria mais o seu produto, mesmo que o cultivasse, e que seria
errante e perdido pelo mundo. Continua tudo relacionado com a vida
presente.
O homem cumprindo o "crescei
e multiplicai-vos" foi povoando a Terra. E não
sabemos por que, a certa altura, Deus viu que a maldade do homem crescia
na Terra, e que todo o projeto do coração do ser humano
era sempre mau. Arrepende-se de tê-lo criado, e resolve eliminá-lo
da face da Terra. Assim, escolhe entre os homens um justo, chamado
Noé, e o orienta a construir uma arca, pois iria salvá-lo
e à sua família da catástrofe que se iria iniciar
com o dilúvio. A maldade do homem trouxe-lhe o castigo da morte.
Depois do dilúvio, Deus diz
a Noé um mandamento: "Não comer os animais
com o sangue", sem estabelecer a penalidade para quem
não o cumprisse.
Deus faz uma aliança com Abraão:
Se ele o considerasse o seu Deus, lhe daria uma descendência
numerosa, como as "estrelas do céu". Estabelece a
circuncisão, como sinal dessa aliança perpétua.
Diz ter escolhido Abraão, para que ele instrua seus filhos,
sua casa e seus sucessores, a fim de que se mantivessem no caminho
de Javé, praticando a justiça e o direito.
Deus diz a Abraão que o clamor
contra Sodoma e Gomorra era muito grande, e o pecado
de seus habitantes era muito grave. Ora, até o presente momento,
Deus não havia definido o que era pecado ou não, assim
não poderia culpar a ninguém de estar pecando, não
é mesmo? Para atender a esse clamor, resolve destruir as duas
cidades, salvando apenas Ló, sobrinho de Abraão.
Para isso "Javé fez chover do céu enxofre e fogo
sobre Sodoma e Gomorra, destruindo essas cidades e toda a planície,
e viu a fumaça subir da terra como fumaça de uma fornalha".
Passa-se o tempo. Estamos agora no
Deserto de Sur, após a saída do povo hebreu da escravidão
no Egito. Apesar de ainda não ter estabelecido nenhuma Lei
para ser cumprida, Deus diz:
"Se você obedecer
a Javé seu Deus, praticando o que Ele aprova, ouvindo seus
mandamentos e observando todas as leis, eu não mandarei sobre
você nenhuma das enfermidades que mandei sobre os egípcios".
A pena para a desobediência
seriam as enfermidades, ou seja, coisas, também, para uma vida
terrena.
Moisés exercia a função
de uma espécie de Juiz nas questões em que o povo o
procurava, para que resolvesse. Pela narrativa, era o único
que conhecia os estatutos e as Leis de Deus, muito embora, até
aquele momento, não ficamos sabendo como Deus as tinha passado
a ele. Somente após três meses no deserto, diante do
Monte Sinai, é que Deus aparece a Moisés, e lhe entrega
as tábuas com os Dez Mandamentos. Nessa ocasião, Moisés,
apresenta ao povo várias outras normas de conduta, dizendo
ser por ordem de Javé, muitas das quais a morte era a pena
a ser aplicada ao infrator, contrariando a determinação
de "não matarás", contidas
nas duas Tábuas que acabara de receber, as quais ainda deveriam
estar debaixo de seus braços.
Entre essas normas, encontramos: "quem
trabalhar no dia de sábado será réu de morte".
A grande questão é saber se essa pena realmente procede
de Deus. Vejam que uma falta tão insignificante não
poderia, por bom senso, ter uma pena tão grande como essa.
Por isso, não a vemos como Divina, mas como uma necessidade
de época, ou seja, Moisés, para implantar o culto a
um Deus único, impôs essa medida extrema para atingir
seu objetivo. Fizeram o mesmo na implantação do Cristianismo,
quando, "a ferro e fogo", o queriam impor a todos os seres
humanos, através das Cruzadas e da Inquisição,
ambas de triste memória, como atos de extrema barbárie,
praticados pela humanidade, só comparáveis com os da
2ª Guerra Mundial.
Moisés sobe, pela segunda vez,
ao monte, e como estava demorando, o povo resolve fazer um bezerro
de ouro, e passa a adorá-lo como o deus de Israel. Atitude
que fez Deus inflamar-se em sua ira, ordenando a Moisés:
"Cada um coloque a espada
na cintura. Passem e repassem o acampamento, de porta a porta, matando
até mesmo o seu irmão, companheiro e parente".
Morrendo, naquele dia, três
mil homens. Talvez Deus tenha se esquecido do "não
matarás", e até aqui não se tinha estabelecido
nenhuma penalidade para quem não cumprissem os Mandamentos.
Encontramos, sim, rituais que deveriam ser feitos
para expiação dos pecados. Estabeleceu-se que se alguém
transgredisse, sem querer, algum dos Mandamentos de Javé, fazendo
uma coisa proibida, deveria oferecer animais, sem defeito, em sacrifício
pelo pecado; se fosse um sacerdote, deveria imolar, pela violação
cometida, um bezerro, animal grande; se fosse a comunidade, deveria
ser oferecido um bezerro, animal grande, se fosse um chefe, um bode;
se fosse um homem do povo, uma cabra, e estabeleceu-se, ainda que:
"O sacerdote fará, assim, o rito pelo pecado desse
homem, e este ficará perdoado". Depois, são
ditadas outras normas para casos especiais e sacrifícios de
reparação. Diz, ainda, quais são os animais puros
e impuros, da purificação depois do parto, sobre as
doenças de pele, a lei sobre o leproso, a lei da purificação
do leproso, impurezas sexuais.
Estabeleceu-se, ainda, o dia do grande perdão, no qual deveria
ser oferecido o bode do sacrifício pelo pecado do povo, e cujo
ritual consistia:
"Colocará as duas mãos
sobre a cabeça do bode e confessará sobre ele todas
as culpas, transgressões e pecados dos filhos de Israel.
Depois de colocar tudo sobre a cabeça do bode, mandará
o animal para o deserto. Assim, o bode levará sobre si, para
uma região deserta, todas as culpas deles".
Completando:
"Esta será uma lei perpétua
para vocês: uma vez por ano será feita a expiação
por todos os pecados dos filhos de Israel".
O que será que ocorreu com
esse mandamento, já que, apesar de ser uma lei perpétua,
não vemos ninguém o cumprindo? Observar que transferiram
a Jesus a função desse "bode", ou melhor,
"cordeiro expiatório".
Mais à frente é dito:
"Não comam o sangue
de nenhuma espécie de ser vivo, pois o sangue é a
vida de todo ser vivo e quem o comer será exterminado".
Como ninguém cumpre esse mandamento,
não seria o caso de se obedecer a essa ordem divina, exterminando
todos os que o contrariam?
Estamos agora em Levítico,
capítulo 26, onde Deus fala das bênçãos
e maldições, como conseqüência do cumprimento
ou não dos seus Estatutos e suas normas, é o momento
em que se estabelecem as penalidades para a desobediência.
Vejamos, primeiramente, quais seriam
as bênçãos:
"Se vocês seguirem
meus estatutos, guardarem meus mandamentos e os colocarem em prática,
eu darei a vocês a chuva no tempo certo. Então a terra
dará seus produtos e a árvore do campo seus frutos.
A debulha se estenderá até a colheita da uva, e esta
chegará até a semeadura. Vocês comerão
até ficar saciados e habitarão tranqüilos no
país de vocês. Eu farei reinar a paz no país
e vocês dormirão sem alarmes de guerra. Farei desaparecer
do país as feras, e a espada não passará pelo
país. Vocês perseguirão os inimigos, e eles
cairão diante de vocês ao fio da espada. Cinco de vocês
perseguirão cem, e cem de vocês perseguirão
dez mil, e os inimigos cairão diante de vocês ao fio
da espada. Eu me voltarei para vocês e os farei crescer e
se multiplicar, mantendo com vocês a minha aliança.
E vocês comerão colheitas armazenadas e terão
que jogar fora a colheita antiga, para poderem guardar a nova. Colocarei
a minha morada no meio de vocês e nunca mais os rejeitarei.
Eu caminharei com vocês. Serei o Deus de vocês, e vocês
serão o meu povo".
O que podemos tirar dessas bênçãos
não é o céu que as religiões dizem ser
o destino dos que seguem fielmente a Deus. Todas essas recompensas
prometidas estão relacionadas a uma vida terrena, não
a uma vida futura no céu. Ou será que estamos interpretando
erradamente essa passagem? Quem sabe se pelas maldições
não poderíamos esclarecer isso? E, se aí, nas
entrelinhas, não estaria a questão da existência
de várias vidas?
Mas, vamos às maldições:
"Mas se vocês não
me obedecerem e não colocarem em prática todos esses
mandamentos, se vocês rejeitarem meus estatutos e desprezarem
minhas normas, não pondo em prática meus mandamentos
e rompendo minha aliança, então eu os tratarei do
seguinte modo: mandarei contra vocês o terror, a fraqueza
e a febre, que embaçam os olhos e consomem a vida. Vocês
espalharão as sementes em vão, pois o inimigo de vocês
é que as comerá. Eu me voltarei contra vocês,
e vocês serão derrotados pelos inimigos. Seus adversários
os dominarão. E vocês fugirão sem que ninguém
os persiga. Apesar de tudo isso, se vocês ainda não
me obedecerem, eu lhes darei uma lição sete
vezes maior, por causa de seus pecados. Quebrarei a teimosia
orgulhosa de vocês, fazendo com que o céu seja como
ferro, e a terra de vocês como bronze. Vocês consumirão
inutilmente suas energias, pois a terra não dará colheita,
e as árvores do campo não produzirão frutos.
Se vocês ainda se opuserem a mim e não me obedecerem,
eu os castigarei sete vezes mais, por causa de
seus pecados. Mandarei as feras do campo contra vocês. Elas
deixarão vocês sem filhos, reduzirão seu gado
e dizimarão vocês, a ponto de lhes deixar desertos
os caminhos. E, apesar desses castigos, se vocês ainda não
se corrigirem e continuarem a se opor a mim, eu também continuarei
a ficar contra vocês, e os castigarei sete vezes
mais, por causa de seus pecados. Mandarei contra vocês a espada
vingadora da minha aliança. E quando vocês se refugiarem
em suas cidades, eu mandarei a peste, e vocês terão
de se entregar aos inimigos. Quando eu cortar de vocês o sustento
de pão, dez mulheres irão assar o seu pão no
mesmo forno, e darão a vocês o pão racionado,
e vocês comerão, mas não ficarão saciados.
E, apesar disso tudo, se vocês ainda não me derem ouvidos
e continuarem a se opor a mim, eu ficarei furioso contra vocês,
e os castigarei sete vezes mais, por causa de seus
pecados. Vocês comerão a carne de seus filhos e a carne
de suas filhas. Eu destruirei seus lugares altos, destroçarei
seus altares de incenso, jogarei seus cadáveres sobre os
cadáveres de seus ídolos, e rejeitarei vocês.
Devastarei suas cidades, destruirei seus santuários e não
aspirarei o perfume do incenso de vocês. Devastarei o país
de vocês, e os inimigos que o ocuparem ficarão horrorizados.
Quanto a vocês, eu os espalharei no meio das nações
e os perseguirei com a espada desembainhada. Seus campos ficarão
desertos e suas cidades em ruínas. Então a terra desfrutará
de seus próprios sábados, durante todos os dias em
que estiver desolada, enquanto vocês estiverem na terra dos
inimigos. Então a terra descansará e desfrutará
de seus próprios sábados. E durante todos os dias
em que estiver desolada, ela descansará o descanso do sábado
que vocês não lhe deram enquanto nela habitavam. Quanto
aos seus sobreviventes, farei com que se acovardem na terra dos
inimigos; ficarão assustados com o barulho das folhas que
voam, fugirão como se fosse da espada, e cairão sem
que ninguém os persiga. Tropeçarão uns nos
outros, como se estivessem diante da espada, sem que ninguém
os persiga. Vocês não poderão resistir aos inimigos,
perecerão entre as nações, e a terra dos inimigos
devorará vocês. Aqueles de vocês que sobreviverem
apodrecerão no país inimigo, por causa da sua própria
culpa e da culpa de seus pais. Confessarão a própria
culta e a culpa de seus pais, a culpa de terem sido infiéis
e de se oporem a mim. Eu também me oporei a eles e os conduzirei
ao país de seus inimigos, para ver se eu dobro o coração
incircunciso deles, e para ver se eles fazem penitência de
sua culpa. Então eu me lembrarei da minha aliança
com Jacó, da aliança com Isaac, da aliança
com Abraão, e me lembrarei do país. No entanto, eles
terão que abandonar o país, e este poderá então
desfrutar de seus sábados, enquanto permanecer desolado com
a ausência deles. Farão penitência pela culpa
de terem rejeitado meus mandamentos e desprezado minhas leis. Apesar
de tudo, quanto eles estiverem no país inimigo, eu não
os rejeitarei, nem os desprezarei até o ponto de exterminá-los
e de romper minha aliança com eles".
Mesmo em relação
às penalidades, os castigos são sempre relacionados
com a vida aqui na terra, ou seja, na vida presente. Apesar
das penas serem extremamente rigorosas, nada de inferno para ninguém.
E é até importante ressaltar que, se Deus dá
vários castigos cada vez maiores (a expressão "sete
vezes mais" foi utilizada por quatro vezes), é porque
espera a recuperação do infrator, por mais tardia que
seja. E, ao final, diz que "não os rejeitarei, nem os
desprezarei até o ponto de exterminá-los", ou seja,
mesmo que errem muito, Deus ainda possui uma enorme comiseração
para com os infratores. Excluindo, portanto, qualquer idéia
de penas eternas. É o que podemos deduzir
de Ezequiel 33, 11:
"Não sinto
nenhum prazer com a morte do injusto. O que eu quero é que
ele mude de comportamento e viva".
Seguindo, vamos parar em Deuteronômio,
capítulo 25, onde encontramos algo novo, pois até
aqui nada merece destaque, e algumas narrativas são repetições
de outras que constam dos livros anteriores. Vejamos a passagem:
"Quando houver demanda
entre dois homens e forem à justiça, eles serão
julgados, absolvendo-se o inocente e condenando-se o culpado. Se
o culpado merecer açoites, o juiz o fará deitar-se
no chão e mandará açoitá-lo em sua presença,
com número de açoites proporcional à culpa.
Podem açoitá-lo até quarenta vezes, não
mais; isso para não acontecer que a ferida se torne grave,
caso seja açoitado mais vezes, e seu irmão fique marcado
diante de vocês".
Merecem comentários:
-
"absolvendo-se o
inocente": isto significa que não se deve condenar
um inocente.
-
"condenando-se o
culpado": por questão de justiça o culpado
deverá ser condenado.
-
"se o culpado merecer
açoites": sinal que pode haver situação
especial em que o culpado não mereça receber um
castigo, uma repreensão poderia, talvez, ser mais útil.
-
"o juiz... mandará
açoitá-lo em sua presença": a presença
pessoal do Juiz indica a necessidade de se ter certeza do cumprimento
da pena, se o culpado a merecer.
-
"com número
de açoites proporcional à culpa": sendo o castigo
proporcional à culpa, significa que não poderá
haver pena igual para todos os tipos de infração
à lei.
-
"podem açoitá-lo
até quarenta vezes, não mais": significa, incontestavelmente,
que tudo tem um limite, que a pena não poderá ser
eterna.
Íamos passando, mas em Deuteronômio
24, 16, existe algo que, também, merece ser comentado. Diz
lá:
"Os pais não serão
mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais.
Cada um será executado por causa do seu próprio crime".
Isso acaba, de uma vez por todas,
com essa absurda idéia de que ainda estamos pagando pelo pecado
de Adão e Eva, já que o castigo está indo além
do culpado, e que, de certa forma, está se perpetuando a pena
imposta ao "primeiro casal", uma vez que todas as pessoas,
que vierem depois deles, continuarão indefinidamente pagando
pela desobediência deles.
Vejamos agora alguma coisa sobre o
profeta Isaías, já que o usam para
justificar o inferno eterno.
Na visão que Isaías
teve a respeito de Judá e Jerusalém, encontramos o seguinte:
"Lavem-se, purifiquem-se,
tirem da minha vista as maldades que vocês praticam. Parem
de fazer o mal, aprendam a fazer o bem: busquem o direito, socorram
o oprimido, façam justiça ao órfão,
defendam a causa da viúva. Então venham e discutiremos
– diz Javé. Ainda que seus pecados sejam vermelhos
como púrpura, ficarão brancos como a neve; ainda que
sejam vermelhos como escarlate, ficarão como a lã.
Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os
frutos da terra; mas, se vocês recusam e se revoltam, serão
devorados pela espada. Assim fala a boca de Javé".
Para estar de bem com Deus, é
necessária a prática do amor ao próximo, atendendo-o
em todas as suas necessidades. Como recompensa, Deus promete uma vida
terrena boa, se não, a morte, que aqui nada mais é que
estar sem Deus. Outro ponto importante é que Deus sempre usará
de misericórdia para os nossos erros, já que Ele é
um Deus de amor.
Mais à frente, lemos:
"Se absolvermos o malvado,
ele nunca aprende a justiça; sobre a terra ele distorce as
coisas direitas e não vê a grandeza de Javé".
A idéia central da passagem
vai de encontro ao simples perdão, como pensam alguns, já
que se diz ser necessário "castigar" o culpado, para
que ele, efetivamente, possa aprender a justiça.
Queremos lhes mostrar como é
grande a dificuldade com a qual sempre nos deparamos, quando estudamos
a Bíblia. Cada tradutor coloca o termo que lhe convém,
isso, muitas vezes, quando não muda o sentido do texto, fazendo
com que o leitor, menos avisado, o interprete fora do significado
original, levando-o, portanto, a uma conclusão errada.
Verifiquemos a passagem de Isaías
38, 10, como exemplo, que é um caso típico
disso:
1 – Bíblia Anotada:
"Eu disse: Em pleno vigor de meus dias hei de entrar nas portas
do além; roubado estou do resto dos meus anos".
Nota no rodapé: sepultura.
Lit., Sheol, aqui equivalente à morte, i.e., na morte o indivíduo
fica separado dos vivos que podem louvar a Deus.
2 – Bíblia Ave
Maria: "Eu dizia: ‘É necessário,
pois, que eu me vá, no apogeu da minha vida. Serei encerrado
por detrás das portas da habitação dos mortos,
durante os anos que me restariam viver".
3 – Bíblia Barsa:
"Eu disse: Na metade de meus dias irei para as portas do inferno.
Busquei o resto de meus anos".
Nota no rodapé: Inferno: propriamente,
Sheol, a residência dos mortos.
4 – Bíblia Pastoral:
"Eu dizia: ‘Bem no meio da minha vida, eu me vou; pelo
resto dos meus anos, ficarei postado à porta da mansão
dos mortos".
5 – Bíblia Vozes:
"Eu disse: No melhor de meus dias devo partir. Sou trazido às
portas do xeol pelo resto de meus anos".
6 – Bíblia Shammah
(em Bytes): "Eu disse: No cessar de meus dias ir-me-ei às
portas da sepultura; já estou privado do restante dos meus
anos".
Observar as expressões: "do
além", "habitação dos mortos",
"inferno", "mansão dos mortos", "xeol"
e "sepultura", todas são repetidas em Eclesiastes
9, 10, pelo contexto, de ambas as passagens, deveriam ter
o mesmo significado. Entretanto, não é o que vemos sendo
usado, principalmente, para a palavra "inferno",
que adquiriu status de um lugar somente para os maus. Inclusive, notamos
que a Bíblia protestante é que mais usa essa palavra.
O que podemos confirmar pelas informações
contidas nelas, nas explicações e em notas no rodapé:
"Habitação
dos mortos: expressão freqüente que traduz o vocábulo
hebraico Cheol. Os antigos hebreus não tinham, da vida futura,
uma idéia tão clara como nós. Para eles, a
alma separada do corpo permanecia num lugar obscuro, de tristeza
e esquecimento, em que o destino dos bons era confundido com o dos
maus. Donde a necessidade de uma retribuição terrestre
para os atos humanos".
"Os hebreus concebiam o cheol como imensa caverna subterrânea,
tenebrosa, aonde acreditavam fossem as almas para passar uma vida
amorfa, sem consolação, esquecidas de todos e esquecidas
elas mesmas".
"Para o autor (Eclesiastes), como para os seus contemporâneos,
todos os homens vão, depois da morte, para um único
lugar, o cheol, ou a região dos mortos. A existência
nesse lugar é descrita como uma existência sem consolações,
nas trevas, sem felicidade alguma, onde nenhuma relação
mais se tem com o que acontece na terra".
Ressaltamos, para melhor localizar
a época desse pensamento, que o livro Eclesiastes foi escrito
entre os anos 190 a 180 a.C. Ele relata as condições
sociais do período dos Ptolomeus (323-145 a.C).
Seguindo:
"Ao sair, eles verão
os cadáveres daqueles que se revoltaram contra mim, porque
o verme que os corrói não morre jamais e o fogo que
os consome jamais se apaga". A mão de Javé se
manifestará para os seus servos, mas se indignará
contra seus inimigos. Porque Javé vem com fogo, e seus carros
parecem furacão, para desabafar sua ira com ardor e sua ameaça
com chamas de fogo. É com fogo que Javé fará
justiça sobre toda a terra, e com sua espada ameaça
o mundo todo: são muitas as vítimas que ele faz".
É dessa passagem que as correntes
religiosas buscam sustentar o "inferno eterno", entretanto,
se bem observamos, é apenas uma figura de linguagem, sendo,
portanto, um simbolismo, não uma coisa objetiva.
Na realidade "este inferno
foi localizado no vale de Hinon, a Geena, lugar maldito, profanado
outrora pelo culto de Moloc, deus dos mortos, tornado em seguida desaguadouro
e ossuário, onde eram jogados, sem sepultura, os corpos dos
apóstatas".
E, "Geena. (do hebr. Gê-hinnon,
vila de Hinnon). Conhecido também por ‘Vale de Josafá’
está situado ao sul de Jerusalém e era considerado lugar
maldito por causa dos sacrifícios de crianças que ali
fizeram ao ídolo Moloc (ou Tofet) ao qual chegaram a construir
um templo. O santo rei Josias, na restauração que fez
de Israel destruiu o templo e transformou o lugar em depósito
de lixo. Por óbvios motivos de higiene, aí mantinham
os judeus um fogo permanentemente aceso. Com o tempo, passou naturalmente
esta palavra a ser empregada como sinônimo de maldição
e Jesus usou-a para designar o Inferno".
Busquemos a passagem de Marcos
9, 43:
"Se tua mão for
para ti ocasião de perda, corta. Melhor te será entrares
na vida aleijado do que com duas mãos ires para o inferno,
o fogo que não se apaga".
Várias traduções,
ao invés de inferno colocam geena. Só que o significado
de geena não é o inferno que os teólogos dizem.
Podemos confirmar isso na explicação dada nesta passagem
de Marcos constante da Bíblia Vozes:
"Para o "inferno",
literalmente, para a "geena", isto é, o vale a
ocidente de Jerusalém, lixeira da cidade, onde um fogo permanente
queimava os detritos, e vermes fervilhavam na podridão".
Sendo, portanto, de sentido completamente
diferente do que querem dar.
E, quanto à questão
do significado de fogo, devemos entender:
"O fogo que fulmina a imaginação
dos israelitas é fogo do trovão, admirado por sua
dupla eficácia: o raio destruidor e a tempestade, fonte de
chuva benfeitora. Considerado pelos semitas como o símbolo
de sua divindade, o fogo se torna sinal de Javé, cenário
necessário de suas manifestações, símbolo
de sua presença".
O fogo é considerado um elemento
purificador, como bem podemos ver na passagem Ezequiel 24,
9-13:
"Por isso, assim diz o
Senhor Javé: Ai da cidade sanguinária! Eu também
vou fazer uma grande fogueira. ...Coloque a panela vazia em cima
das brasas, para que esquente até o ferro ficar vermelho,
para que a sujeira se derreta e a ferrugem desapareça. Por
mais que alguém se esforce, nem com o fogo a ferrugem se
descola. A devassidão é a sua sujeira; eu quis purificar
você, mas você não se deixou purificar. Por isso,
você não será purificada de sua sujeira enquanto
eu não derramar sobre você a minha ira".
Vejamos a palavra Eternidade.
"Em parte alguma da Bíblia se encontra a idéia
de uma eternidade que seria imobilidade perfeita, ‘fora do tempo’.
Mas a palavra hebraica olam para o AT e sua tradução
grega aiôn para os LXX e o NT designam um período completo,
determinado, apesar da incerteza de sua duração. Porque
a palavra hebraica olam visa o que está oculto, secreto, cujo
começo e fim são ignorados: o que é indefinido
ou indeterminável. ... O "fogo" é chamado
"eterno" porque é misterioso e faz parte da "duração
que vem".
Assim, a expressão "fogo
eterno" poderia, dentro da perspectiva de que a "misericórdia
triunfa sobre o juízo" (Tg 2, 13),
ser entendida como um período de purificação,
do qual não se sabe o fim, nada mais que isso. Podemos comprovar
usando a passagem Salmos 103, 8-9: "O
Senhor é misericordioso e compassivo; longânimo e assaz
benigno. Não repreende perpetuamente, nem conserva para sempre
a sua ira".
Chegamos a uma interessante conclusão:
que apesar da palavra inferno constar da Bíblia, não
o podemos aceitar a não ser no sentido de "um longo tempo
de purificação", o que se confunde com
o conceito de purgatório, que somos forçados
a aceitar, mesmo não constando da Bíblia, já
que alguém poderia alegar isso.
Kardec, analisando essa questão,
diz:
"O princípio do purgatório
está, pois, fundado na eqüidade, porque, comparado à
justiça humana, é a detenção temporária
ao lado da condenação à perpetuidade. O que
se pensar de um país que não tivesse senão
a pena de morte para os crimes e os mais simples delitos? Sem o
purgatório, não há para as almas senão
duas alternativas extremas: a felicidade absoluta ou o suplício
eterno. Nessa hipótese, em que se tornam as almas culpadas
somente por faltas leves? Ou elas participam da felicidade dos eleitos
sem serem perfeitas, ou sofrem o castigo dos maiores criminosos
sem terem feito muito mal, o que não seria nem justo nem
racional". (...)
"O purgatório não é, pois, uma idéia
vaga e incerta; é uma realidade material que vemos, tocamos
e experimentamos; está nos mundos de expiação,
e a Terra é um desses mundos; os homens nela expiam seu passado
e seu presente em proveito de seu futuro. Mas, contrariamente à
idéia que deles se faz, depende de cada um abreviar ou prolongar
a sua estada, segundo o grau de adiantamento e de depuração,
que tenha alcançado pelo seu trabalho sobre si mesmo, deles
se sai, não porque se terminou seu tempo ou por méritos
de outrem, mas pelo fato de seu próprio mérito, segundo
estas palavras de Cristo: ‘A cada um segundo as suas obras’,
palavras que resumem toda a justiça de Deus".
Devemos ressaltar a idéia de
Orígenes, escritor e teólogo cristão do século
III, que ensinava que a finalidade desse castigo era purgatorial e
proporcional à culpa dos indivíduos. Com o tempo, o
efeito purificador chegaria a todos (cfe. Enciclopédia Encarta).
Achamos que a mudança de sentido
se deve, principalmente, à influência cultural dos povos
que dominaram os hebreus. Vejam o que lemos no livro "A
História da Bíblia":
"Durante a longa residência
na Pérsia, os judeus travaram conhecimento com um novo sistema
religioso. Os persas seguiam um grande mestre de nome Zaratustra,
ou Zoroastro".
"Zaratustra considerava a vida
como uma eterna luta entre o Bem e o Mal. O deus do Bem, Ormuzd,
estava sempre em guerra com o deus do Mal e da ignorância
– Ariman. Ora, isto era uma idéia nova para maior parte
dos judeus".
"Até então haviam
eles reconhecido a um senhor único, ao qual deram o nome
de Jeová. Quando as coisas corriam mal, quando eles eram
derrotados nas batalhas ou assolados por moléstias, invariavelmente
atribuíam o desastre à falta de devoção
do povo. A idéia de que o pecado proviesse da interferência
dum espírito do mal, nunca lhes ocorrera. A própria
serpente no Paraíso parecia-lhes menos culpada que Adão
e Eva, os quais conscientemente haviam desobedecido à vontade
divina".
"Sob a influência das
doutrinas de Zaratustra, os judeus começaram a crer na existência
dum espírito que procurava desfazer a obra de Jeová.
E a esse adversário deram o nome de Satã".
"Passaram a odiá-lo
e temê-lo, e no ano 331 convenceram-se de que Satã
andava pela terra".
Podemos completar com as informações
da Enciclopédia Encarta a respeito do Zoroastrismo:
"Religião fundada na
antiga Pérsia por Zoroastro. Os zoroástricos, chamados
parsis, são numerosos na Índia. A pregação
de sua doutrina se conserva nos Gathas métricos (salmos),
que formam parte da escritura sagrada do Avesta".
"Os dogmas dos Gathas consistem
em um culto monoteísta de Ahura Mazda (o "Senhor da
sabedoria") e em um dualismo ético que contrapõe
a Verdade (Asha) e a Mentira (Druj). Tudo o que é bom se
apóia nas emanações de Ahura Mazda: Spenta
Maineu (o Espírito benfeitor); todo o mal é causado
por seu irmão gêmeo, Angra Maineu (o Espírito
diabólico). Após a morte, a alma de cada pessoa será
julgada na "Ponte da discriminação", quem
seguiu a Verdade chegará ao paraíso; os partidários
da Mentira cairão no inferno".
Isso tem muito a ver com o nosso tema,
pois acabamos de destronar o "pai da mentira", que tanto
horror causa aos adeptos das religiões dogmáticas, pois
dizem que ele irá arrastá-los para o fogo do inferno.
Concluindo nosso estudo vamos refletir:
"Se vocês, que são
maus, sabem dar coisas boas a seus filhos, quanto mais o Pai de vocês
que está no céu dará coisas boas aos que lhe
pedirem" e com absoluta certeza o inferno eterno é coisa
má.
E além do mais, se "o
Pai que está no céu não quer que nenhum desses
pequeninos se perca", isso indica que irá acontecer, pois
tudo o que Deus quer, de fato acontece, com absoluta certeza.
Acaba aqui o que muitas vezes é
utilizado como instrumento de pressão para exigir o dízimo
de pobres coitados, que com medo de irem para o inferno eterno pagam
a qualquer preço seu lugarzinho no céu.
Jesus ao dizer: "daí não
sairá, enquanto não pagar até o último
centavo" (Mateus 5, 26) e "O
patrão indignou-se, e mandou entregar esse empregado aos torturadores,
até que pagasse toda a sua dívida" (Mateus
18, 34) deixa claro que até pagar a dívida ou
o último centavo seria o tempo em que o devedor ficaria preso
ou entregue aos torturadores, não mais que isso, abolindo,
portanto, a idéia do inferno eterno.
As religiões dogmáticas,
ao invés de desenvolverem em seus adeptos a idéia de
um Deus de amor, para que cada um passe a verdadeiramente
amá-Lo, e assim deixem de praticar o mal por amor, confundem-nos
com ameaças do inferno, num sentido incompatível com
o amor de Deus para conosco, deixando seus fiéis em dúvidas
sobre o que mesmo seguir. Usam de uma psicologia negativa, querendo
que Deus seja TEMIDO, isso é puro TERRORISMO RELIGIOSO.
Bíblia Anotada = The Ryrie Study Bible/Texto
bíblico: Versão Almeida, Revista e Atualizada, com introdução,
esboço, referências laterais e notas por Charles Caldwell
Ryrie; Tradução de Carlos Oswaldo Cardoso Pinto, São
Paulo: Mundo Cristão -, 1994;
Bíblia Sagrada, Editora Ave Maria, São
Paulo, 1989, 68ª. Edição;
Bíblia Sagrada, Edição Pastoral,
Sociedade Bíblia Católica Internacional e Paulus, 14ª.
impressão, 1995;
Bíblia Sagrada, Edições Paulinas,
São Paulo, 37ª. Edição, 1980;
Bíblia Sagrada, Editora Vozes, Petrópolis,
1989, 8ª. Edição;
Dicionário Bíblico Universal, L. Monloubou
e F.M. Du Buit – Petrópolis, RJ, Vozes, Aparecida, SP:
Editora Santuário, 1997;
A História da Bíblia, Hendrik Willen
Val Loon, tradução de Monteiro Lobato, São Paulo,
Ed. Cultrix, 1981;
Enciclopédia Encarta (Eletrônica).