Introdução
Vamos procurar fazer um estudo sobre
a questão da ressurreição, na tentativa de encontrar
qual era o entendimento que os antigos tinham sobre isso.
Sabemos não ser muito fácil
fazer esse tipo de pesquisa, pois os textos bíblicos de hoje,
não sendo os originais e eivados de "vícios"
de tradução, torna o resultado dessa tarefa assaz comprometido
com a verdade, já que a verdade bíblica pode ser bem
diferente da realidade. Por outro lado, conceitos arraigados que servem
de arquétipo ao homem hodierno, talvez possam nos levar a um
caminho fora do nosso objetivo principal que é saber a verdade
verdadeira, vamos assim dizer.
Mas, para que não fiquemos
apenas numa opinião isolada, e mesmo de pouco valor, trazemos
a opinião do pesquisador holandês Emanuel Tov,
especialista nos Manuscritos do Mar Morto:
"Nas cavernas de Qumran e em
outros lugares de Israel, nós encontramos centenas de manuscritos,
todos da Bíblia hebraica, o Velho Testamento. Comparando
com as traduções que conhecemos hoje da Bíblia,
notamos que há passagens que eram mais curtas, outras mais
compridas ou com textos diferentes dos que conhecemos hoje. O Livro
de Jeremias nos manuscritos aparece em uma versão talvez
15% mais curta. Isso significa que, nas cópias feitas por
gerações após gerações, freqüentemente
os escribas mudavam os textos, acrescentando alguns detalhes, suprimindo
outros. Eles consideravam-se também autores e permitiam-se
fazer alterações. Isso ocorreu com os textos de Homero,
as tragédias gregas, não apenas com a Bíblia"
(Revista Veja, edição 1747,
ano 35, nº 15, 17 de abril de 2002, Ed. Abril, pág.
14).
Primeiramente, cabe-nos informar qual
é o significado daquilo que iremos tratar. Diz-nos
o Aurélio que ressurreição significa:
S. f. 1. Ato ou efeito de ressurgir
ou ressuscitar; ressurgência. 2. Rel. Festa católica
comemorativa da ressurreição de Cristo, ao terceiro
dia após a morte: 3. Fam. Cura surpreendente e imprevista.
4. Fig. Vida nova; renovação, restabelecimento. 5.
Quadro que representa a ressurreição de Cristo. 6.
Rel. Na doutrina cristã, o surgir para uma nova e definitiva
vida, distinta e, em certa medida, oposta à existência
terrestre, e que, a partir da ressurreição de Cristo,
aguarda todos os fiéis cristãos.
E que ressuscitar significa:
V. t. d. 1. Fazer voltar à
vida; reviver, ressurgir. 2. Restaurar, renovar, reproduzir: V.
int. 3. Voltar à vida; tornar a viver; reviver, ressurgir.
4. Tornar a surgir; reaparecer, ressurgir: 5. Escapar de grande
perigo.
Assim, podemos, para o nosso estudo,
concluir que ressurreição é a ocorrência
pela qual faz volta à vida, tornar a viver ou reviver, quem
passou pelo derradeiro momento da morte física. Nesse conceito
mais abrangente podemos, também considerar como ressurreição
a volta do Espírito à sua condição anterior
no plano espiritual, ou seja, a ressurreição do espírito.
Já pelo conceito encontrado no Dicionário Bíblico
Universal é:
Ressurreição não
é a volta à vida. É de maneira inexata que se
fala de ressurreição a propósito das crianças
curadas por Elias e Eliseu (1Rs 17, 2Rs 4), a propósito do
filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17), de Lázaro (Jo 11)
etc. Os textos se referem somente a um retorno à vida que não
dispensa a pessoa beneficiada de ter que morrer um dia. Ressuscitar
é descobrir, além da morte, uma vida de tipo novo, comportando
relações novas dos homens entre si e dos homens com
Deus.
O que não conseguimos estabelecer
é quando e porque o povo hebreu passou a acreditar na ressurreição,
pois os textos bíblicos, só mais tardiamente, por volta
de 175 a 161 a.C., passam a falar dessa possibilidade.
Histórico
Nos livros que compõem o Antigo
Testamento, percebemos que essa idéia aparece, como que caída
de um pára-quedas, já que até o século
II a.C, nem se pensava nisso, antes ao contrário, não
tinham nenhuma perspectiva para a existência de alguma coisa
depois da morte.
A cultura egípcia admitia a
vida após a morte. Leiamos:
"A morte, para os egípcios,
tinha um especial interesse. Havia entre eles uma crença
absoluta no renascer dos mortos. Por isso, a preocupação
em preservar o cadáver e o desenvolvimento da técnica
de mumificação. De acordo com sua religião,
a alma precisava de um corpo para morar por toda a eternidade".
"Acreditava-se que a morte
apenas separava o corpo da alma. Daí, a obrigação
a ser cumprida pelos parentes quanto ao morto querido: a mumificação
de seu corpo".
"Se a vida poderia durar eternamente,
desde que a alma encontrasse no túmulo o corpo destinado
a servi-lhe de morada, era precioso, portanto, preservar suas características
físicas". (A Magia do Egito, nº 01, pág.
47).
É interessante o que pensavam
a respeito do após morte:
"A vida no outro mundo começava
no próprio túmulo com uma viagem pelo subterrâneo.
Primeiro, o ka (energia vital) deixaria o corpo acompanhado por
ba (alma). O deus Coros conduz o ba através dos portais de
fogo até o salão do juízo final".
"O julgamento final era a prova
de fogo para que a pessoa morta alcançasse, finalmente, a
vida eterna".
"No julgamento final, o morto
deveria provar que foi verdadeiro e justo durante a vida, sem ter
faltado com a verdade".
"Se a pessoa não passasse
pelo julgamento final, estaria condenada a uma espécie de
coma perpétuo, ou seja, teria então uma segunda morte
porque, agora, o acesso à eternidade estaria vedado"
(A Magia do Egito, nº 05, pág.
12).
"Os egípcios acreditavam
que o corpo ressuscitaria magicamente do outro lado da vida por
meio de um ritual chamado de ‘abertura da boca’. O sacerdote
ou alguém da família tocava a boca do morto com um
instrumento de metal para que ele pudesse ter uma boa passagem para
o outro mundo e conseguisse pronunciar as palavras necessárias
na hora do julgamento".
"No mundo dos mortos, os egípcios
eram julgados pelo deus Osíris e seus 42 assessores. Diante
de cada juiz, o defunto declarava não ter passado por determinada
infração. Seu coração era pesado numa
balança. ‘Se pesasse mais que a pluma da justiça
de Maat, a deusa da ordem universal, o morto seria engolido por
um monstro em forma de crocodilo, leão e hipopótamo
e teria, assim, uma morte definitiva, deixando por completo de existir’,
afirma o historiador Ciro Flamarion Cardoso, da Universidade Federal
Fluminense" (As Religiões, pág.
42).
Ora, sabemos que o povo hebreu permaneceu
por 430 anos em escravidão no Egito, tempo suficiente para
incorporar, em sua cultura, os costumes do povo que o subjugava. O
que nos causa espécie é por que a ressurreição
não aparece na Bíblia desde a época dos hebreus
no Egito?
O que vemos é que inicialmente
nem tinham idéia de vida após a morte. Não aparece
nem mesmo, quando promulgados, no monte Sinai, os Dez Mandamentos.
Observamos que todas as recompensas e penalidades, estabelecidas por
Deus, estão relacionadas às situações
terrenas, não para uma vida futura.
Na visão que tinham, todos
iam para o mesmo lugar; o sheol. Com o passar dos anos, desenvolveu-se
a idéia que somente os injustos é que iam para lá.
O sheol era na verdade a sepultura comum, da qual não viam
nenhum corpo voltar, razão de pensarem que a vida só
se resumia a essa aqui na terra. Quando imaginavam que alguém
estava nas graças de Deus, davam a ela uma vida longa. É
por isso que aparecem na Bíblia pessoas com tempo de vida inverossímil.
A idéia da ressurreição
aparece, pela primeira vez, no período histórico situado
entre 175 a.C a 161 a.C., narrados em 2 Macabeus e em Daniel, ambos
relatos se referem a esse mesmo período.
É certo que alguns teólogos
admitem que Isaías teria falado a respeito dela. Mas é
difícil saber com certeza, pois quê "suas palavras
foram conservadas e sofreram acréscimos. ... São acréscimos
mais extensos ‘o Apocalipse de Isaías’ (24-27),
que por seu gênero literário e por sua doutrina não
pode ser situado antes do século V a.C.;..." (Bíblia
de Jerusalém, pág. 1238).
Quando lemos em Is 26,19: "Os
teus mortos tornarão a viver, os teus cadáveres ressurgirão",
ficamos na dúvida sobre o que se trata realmente, mas, em nota
de rodapé, explicam-nos:
"O texto poderia se entender
como restauração nacional (cf. Ez 37) ou como afirmação
da fé na ressurreição dos mortos (Dn 12,2).
(Bíblia Ed. Vozes, pág. 912).
Reportando-nos a Ezequiel, lemos: 37,1-14. Cumprindo-se os castigos
anunciados pelo profeta (Ez 4-24) os exilados caíram em profunda
prostração. Longe de sua terra, sem templo nem culto,
estavam ameaçados de perder a identidade de povo eleito (cf.
20,32; 33,10). As esperanças de uma restauração
pareciam perdidas (37,11). Neste contexto Ezequiel anuncia uma restauração
milagrosa de Israel, a ser produzida pelo espírito de Deus"
(Bíblia Ed. Vozes, pág. 1072).
E, confirmando essa afirmativa, citamos:
"Como em Os 6,2; 13,14 e Is
26,19, Deus anuncia aqui (cf. 11-14) a restauração
messiânica de Israel, após os sofrimentos do Exílio
(cf. Ap 2-,4+)".
Até aí estavam indo
muito bem, mas...
"Contudo, pelos símbolos
utilizados, ele já orientava os espíritos para a idéia
de ressurreição individual da carne, entrevista em
Jó 19,25+, explicitamente afirmada em Dn 12,2; 2Mc 7,9-14;
12,43-46; Cf. 2Mc 7, 9+. Para o NT, ver Mt 22, 29-32 e sobretudo
1Cor 15" (Bíblia de Jerusalém,
pág. 1534).
Do texto de Ezequiel:
"estes ossos representam toda a casa de Israel, que está
a dizer: ‘Os nossos ossos estão secos, a nossa esperança
está desfeita. Para nós está tudo acabado. Pois
bem, profetiza e dize-lhe: Assim diz o Senhor Iahweh: Eis que abrirei
os vossos túmulos e vos farei subir dos vossos túmulos,
ó meu povo, e vos reconduzirei para a terra de Israel"
(37,11-12), confirmando o que foi dito a respeito da restauração
do povo de Israel, não é, portanto, uma ressurreição
coletiva e nem individual o que se pode deduzir do texto. Vemos apenas
como sendo uma tentativa de se achar uma saída para justificar
a crença na ressurreição da carne.
Embora não fosse desta forma que pensávamos em tratar
desse assunto, devemos, para uma melhor compreensão, ver o
que se narra nos livros 2 Macabeus e Daniel.
a) Livro de Macabeus
"O Segundo Livro dos Macabeus não é
uma continuação dos fatos narrados por 1Mc. É
antes um relato paralelo a 1 Mc 1-7. Começa com os fatos do
tempo do Sumo Sacerdote Onias III e do rei Seleuco IV (180 aC.). E
termina pouco antes da morte de Judas Macabeu, com a derrota de Nicanor
(161 a.C.). Apresenta-se como um resumo de uma obra mais ampla, em
cinco volumes, de um tal de Jasão de Cirene (2,19-32). Este
Jasão mostra-se bem informado ao menos sobre a situação
em Jerusalém, a administração selêucida
e seu funcionamento".
"O autor do resumo é um
desconhecido, profundamente religioso, talvez um fariseu. É
um apaixonado pela causa dos judeus e grande admirador de Judas Macabeu,
seu herói principal. A obra de Jasão de Cirene deve
ter sido composta em torno de 130 a.C. E o ‘resumo’ deve
ser posterior a 124 aC (data da primeira carta; 1,9) e anterior a
63 a. C., quando Jerusalém foi ocupada pelos romanos. Como
se nota pelas duas cartas iniciais e pelo prólogo, o ‘resumo’
foi composto em Alexandria e sobretudo para leitores da comunidade
judaica local."
(Bíblia Vozes, pág. 573).
"As informações
que Jasão possuía – segundo o que podemos deduzir
do resumo fiel – especialmente as notícias minuciosas
e exatas sobre certas particularidades da história dos Selêucidas,
informações precisas sobre títulos, cargos etc.,
nos levam a crer que tenha consultado arquivos palestinenses e ouvido
boas testemunhas. É sabido, com efeito, que os judeus cultos
da época costumavam empreender tais viagens e pesquisas".
"A exatidão das notícias,
que Jasão só poderá ter recolhido por via oral,
leva-nos a crer que as tenha escrito quando ainda vivas as testemunhas
oculares dos fatos, e que, portanto, sua obra tenha sido escrita nos
últimos 20 anos séc. II a.C.".
(Bíblia Paulinas, pág. 553).
"Por que o autor sentiu necessidade
de retomar uma história já conhecida? Qual a originalidade?
Podemos dizer que a intenção do autor é reler
os mesmos fatos, para mostrar que a luta em defesa do povo se enraíza
na atitude de fé, que confia plenamente no auxílio de
Deus".
(Bíblia Pastoral, pág. 611).
"Os minúsculos que atestam
a recensão do sacerdote Luciano (300 d.C.) conservam por vezes
um texto mais antigo que os dos outros manuscritos gregos, texto que
se reencontra nas Antiguidades Judaicas do historiador Flávio
Josefo, que segue geralmente 1Mc e ignora 2Mc. A Vetus Latina, também,
é a tradução dum texto grego perdido e freqüentemente
melhor que o dos manuscritos que conhecemos. O texto que está
na Vulgata não foi traduzido por são Jerônimo
– para quem os livros dos Macabeus não eram canônicos
– e não representa senão uma recensão secundária".
(Bíblia de Jerusalém, pág.
718).
As informações acima
são necessárias para compreendermos bem o que nos traz
esse livro, observar principalmente o que grifamos em negrito. Podemos
tirar que esse livro foi escrito por alguém que acreditava
na ressurreição e o escreveu depois dos fatos acontecidos.
2 Mc 7, 9: "Estando prestes a
dar o último suspiro, disse: ‘Tu, execrável como
és, nos tiras desta vida presente. Mas o Rei do universo nos
ressuscitará para uma vida eterna, pois morremos por fidelidade
às suas leis".
Analisando a frase "nos tira
desta vida presente" presumimos que acreditavam em outra vida,
e quando se disse: "nos ressuscitará para uma vida eterna",
confirma essa idéia. Então, a ressurreição
aqui tratada é a do espírito. E sobre essa última
expressão, nos informam na Bíblia de Jerusalém
que: "Lit. ‘para uma revivificação eterna
da vida’" (Bíblia de Jerusalém,
pág. 777), o que sustenta idéia concluída
por nós.
2 Mc 7, 11: "dizendo com dignidade:
‘De Deus eu recebi esses membros, e agora, por causa das leis
dele, eu os desprezo, pois espero que ele os devolva para mim’".
Aqui, ao que parece, a ressurreição que esperavam é
a do corpo.
2 Mc 7,13-14: "Passado também
este à outra vida, submeteram o quarto aos mesmos suplícios,
desfigurando-o. Quase a expirar, disse: ‘É desejável
passar para a outra vida às mãos dos homens, conservando
em Deus a esperança de ser um dia ressuscitado por ele Para
ti, porém, não haverá ressurreição
para a vida!".
Essa passagem é singular,
pois volta à questão de se acreditar em "outra
vida", entretanto o texto já induz à idéia
de uma ressurreição futura, talvez a do juízo
final. Mas, é aí que a coisa fica difícil de
entender, pois em outras Bíblias encontramos coisa diferente,
vejamos:
"Morto este, aplicaram os mesmos
suplícios ao quarto, e este disse, quando estava a ponto de
expirar: ‘É uma sorte desejável perecer pela mão
humana com a esperança de que Deus nos ressuscite. Mas para
ti, certamente não haverá ressurreição
para a vida".
(Bíblia Ed. Ave Maria).
Tiram a idéia do início
de acreditarem em uma "outra vida", mas já não
se tem a idéia que a ressurreição seja para um
tempo futuro, dá-nos a entender que é próxima.
Ao dizer que "para ti, não haverá ressurreição
para a vida", que vida? Não seria a vida espiritual? Não
seria a ressurreição do Espírito? Se for, ficaria
contrário a idéia da ressurreição do corpo.
Assim esse livro não nos fornece elementos seguros para saber
o que realmente pensavam.
2 Mc 7, 23: "Por isso, é
o Criador do mundo, que organizou o nascimento dos homens e preside
à geração de todas as coisas, ele mesmo é
quem, na sua misericórdia, vos dará de novo o espírito
e a vida, pois agora desprezais a vós mesmos, por amor às
suas leis".
Será que aqui poderemos entender
que "vos dará de novo o espírito e a vida"
como a ressurreição espiritual? Acreditamos que sim.
Observar que é mais forte essa ocorrência do que a ressurreição
do corpo.
2 Mc 12, 43-44: "Em seguida fez
uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas,
para que se oferecesse um sacrifício pelos pecados: belo e
santo modo de agir, decorrente de sua crença na ressurreição,
porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria
sido vão e supérfluo rezar por eles".
Ao se oferecer sacrifícios
pelos pecados apenas teria sentido se acreditassem que já estariam
ressuscitados, para que esses sacrifícios tivessem valor imediato.
b) Livro de Daniel
"A data desta [composição] é fixada pelo
testemunho claro fornecido pelo cap. 11. As guerras entre Selêucidas
e Lágidas e uma parte do reinado de Antíoco Epífanes
nele são narradas com grande luxo de pormenores insignificantes
para o propósito do autor. Este relato não se
parece com nenhuma profecia do Antigo Testamento e apesar de seu estilo
profético, relata acontecimentos já ocorridos.
Mas a partir de 11,40 muda o tom: o ‘Tempo do fim" é
anunciado de um modo que recorda os outros profetas. O livro teria
sido composto, portanto, durante a perseguição de Antíoco
Epífanes e antes da morte dele, antes mesmo da vitória
da insurreição macabaica, isto é, entre 167 a
164.
(Bíblia de Jerusalém, pág.
1245).
"O livro de Daniel já
não representa a verdadeira corrente profética. Não
contém mais a pregação dum profeta enviado por
Deus em missão junto de seus contemporâneos; foi
composto e imediatamente escrito por um autor que se oculta por detrás
dum pseudônimo, como já sucedera no opúsculo
de Jonas". (Bíblia de Jerusalém,
pág. 1246).
"Autor e tempo de origem: Dn
1-6 nos coloca no tempo do exílio babilônico (séc
VI a.C.). Dn 7-12, onde Daniel fala de si na primeira pessoa, é
atribuído a Daniel, judeu deportado em 606 aC. De fato, até
o séc. XIX o livro foi atribuído a este profeta exílico;
mas deste então tornou-se opinião generalizada
entre autores não-católicos e católicos que na
realidade o livro foi escrito no séc. II a.C, no tempo
da perseguição de Antíoco IV, entre os anos 167
a 163 a.C., no início do período macabeu. ... Portanto,
o autor é um desconhecido, talvez pertencente ao grupo assideu
(cf. 1Mc 2,27), o que não exclui que o livro contenha elementos
mais antigos".
"O Autor desconhecido
quis oferecer aos seus contemporâneos, cruelmente perseguidos
pelo rei Antíoco, um livro de conforto e consolação".
(Bíblia Vozes, pág. 1086).
"Com efeito, este escrito foi
redigido em três línguas: em hebraico, em grego e em
aramaico; ora, os dois últimos idiomas não
eram ainda utilizados no tempo em que o livro coloca o profeta. O
seu redator, que escreveu certamente no segundo século a.C,
b, que podem remontar até a própria época de
Daniel".
(Bíblia Ave Maria, pág. 40).
"Pouco depois dele, Dn 12,2 explicitará
a fé numa retribuição após a morte e no
pensamento dele esta fé estará ligada à fé
na ressurreição dos mortos, já que a mentalidade
hebraica não concebe a vida do espírito separada
da carne. No judaísmo alexandrino a doutrina
progredirá em caminho paralelo e irá mais adiante. Depois
que a filosofia platônica, com sua teoria da
alma imortal, tiver libertado o pensamento hebraico de seus entraves,
o livro da Sabedoria afirmará que "Deus criou o homem
para a imortalidade (2,23) e que depois da morte a alma fiel gozará
de felicidade sem fim junto de Deus, enquanto os ímpios receberão
seu castigo (3,1-12).
(Bíblia de Jerusalém, pág.
798).
"A situação histórica
coloca o nosso Daniel no reinado do Antíoco IV Epífanes,
que determinou o extermínio da religião judaica e a
consecutiva helenização da Palestina. O autor do livro
de Daniel (a nós desconhecido) serve-se de histórias
antigas, segundo o gênero agádico, então muito
em voga (cc.1-6; 13-14), para inculcar esperança e fé
aos judeus perseguidos por Antíoco IV. Assim como Deus protegeu
Daniel e os seus companheiros de todos os perigos, assim acontecerá
com os judeus que forem fiéis à Lei e às tradições
religiosas. O autor não tem em vista descrever fatos
históricos, mas histórias moralizadoras, que
poderiam, na realidade, ter um fundo ou um núcleo histórico,
mas de segunda importância. Os dados internos do livro, lingüístico,
histórico e teológico obrigam-nos a datar o livro por
altura da morte do rei Antíoco IV (165-164 a.C)".
(Bíblia Santuário, pág.
1313).
A explicação que encontramos
para o grupo dos assideus: "Forma grecizada
do hebr. Hasîdîm, os ‘piedosos’, comunidade
de judeus apegados à Lei. Eles resistiram à influência
pagã deste antes dos Macabeus e tornaram-se a tropa de choque
de Judas (cf. Mc 14,6), mas sem se subordinarem à política
dos Asmoneus (cf. 1Mc 7,13). Segundo Josefo, durante a chefia de Jônatas,
por volta de 150, eles se dividiram em fariseus (Mt 3,7+ e At 4,1+)
e essênios, mais bem conhecidos desde as descobertas de Qumrã
(cf. Ant. XIII, 17s)".
(Bíblia de Jerusalém, pág.
724).
Os fariseus acreditavam na ressurreição,
anjo, espírito, imortalidade da alma, coisas que dariam para
justificar o aparecimento da idéia de ressurreição
somente agora, já que estes dois livros; Macabeus e Daniel,
provavelmente tiveram como autores pessoas com essas origens.
O historiador Flávio Josefo
registra nessa época os fariseus, saduceus e os essênios,
inclusive, os dois primeiros são citados no Novo Testamento.
Recapitulando: autor desconhecido,
escrito por volta de 165-164 a.C., o que nos coloca em data próxima
do livro anterior, ou seja, 2 Macabeus.
Dn 12, 2: "Muitos dos que dormem
na terra poeirenta, despertarão; uns para a vida eterna, outros
para vergonha, para abominação eterna".
Encontramos a seguinte nota na Bíblia
Santuário: "O profeta anuncia a libertação
de Israel após os horrores levados a efeito por Antíoco
Epífanes. Além da ressurreição nacional,
o v.2 anuncia a ressurreição da carne (Is 26,29; 2Mc
7,9-14, 23-36; 12,43-46). A doutrina da ressurreição
da carne é tipicamente bíblica e semita, enquanto que
a da imortalidade da alma é de sabor mais helênico".
(pág. 1338/9).
Aqui, como já explicamos anteriormente
sobre Ezequiel, é provável que a idéia
seja mesmo a da ressurreição nacional, ou seja, restauração
do povo de Israel.
Vejamos agora o que ainda
mais encontrarmos para desvendar qual era o conceito de ressurreição.
a) Voltar à vida no
mesmo corpo
Elias, que ressuscitou um filho da
uma viúva (1Rs 17,14),
Elizeu, que fez o mesmo com um filho
de uma sunamita (2Rs 4,32-37),
Pedro, por ter ressuscitado a jovem
chamada Tabita (At 9,36-40),
Paulo, que fez voltar à vida
o menino Êutico, que havia morrido após ter caído
de uma janela (At 20,9-12).
Jesus, a filha de Jairo (Mt 9,24),
o filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17) e Lázaro (Jo 11,1-44).
Será que realmente houve propriamente
uma morte? Devemos observar, que no caso da filha de Jairo, Jesus
disse: "a menina não morreu, está dormindo"
(Mt 9,24; Mc 5,39 e Lc 8,52). Em relação a Lázaro
(Jo 11,1-44) a coisa é mais complicada, pois apesar de Jesus
ter afirmado que "esta doença não é para
a morte", e "nosso amigo Lázaro dorme", o texto
bíblico apresenta uma contradição a partir do
versículo 13 a 16, dizendo que se trata de morte mesmo. Ora,
isso, a nosso ver, para se justificar a tese da ressurreição
corporal, fizeram um acréscimo ao texto original, cujo conteúdo
se retirarmos da passagem não perde a solução
de continuidade da narrativa.
Temos dito, em várias oportunidades,
que os médicos de hoje se tivessem vivido naquele tempo seriam
considerados "profetas", pois com certeza, com os atuais
conhecimentos de medicina, iriam "ressuscitar" inúmeras
pessoas. A grande questão é saber se Lázaro e
a filha de Jairo, e o filho da viúva de Naim estavam realmente
mortos, ou se passaram por uma EQM - Experiência de Quase Morte,
que tem despertado o interesse de vários pesquisadores nos
tempos atuais.
Esse conceito é o popular,
mas, como já demonstramos pelo Dicionário Bíblico,
ele não é exato.
b) Voltar à vida em
outro corpo
Lucas (9,7-9): "O tetrarca Herodes,
porém, ouviu tudo o que se passava, e ficou muito perplexo
por alguns dizerem: ‘É João que foi ressuscitado
dos mortos’; e outros: ‘É Elias que reapareceu’;
e outros ainda: ‘É um dos antigos profetas que ressuscitou".
Herodes, porém, disse: ‘A João eu mandei decapitar.
Quem é esse, portanto, de quem ouço tais coisas?’
E queria vê-lo". (ver Mt 14,1-2 e Mc 6,14-16).
Lucas (9,18-19): "Um dia Jesus
rezava num lugar retirado e seus discípulos estavam com ele.
Ele lhes fez a seguinte pergunta; ‘Quem sou eu no dizer das
turbas?’ Eles responderam: ‘Para uns, João Batista,
para outros, Elias ou algum dos antigos profetas ressuscitado’".
(ver também Mt 16,13-19; Mc 8,27-28).
Por essas passagens podemos perfeitamente
saber que o povo realmente acreditava que alguém que já
havia morrido poderia voltar como outra pessoa, senão não
teria sentido o que o povo pensava a respeito de Jesus. E se isso
não fosse possível, com certeza, Jesus teria dito dessa
impossibilidade. Assim, fica claro que o conceito de ressuscitar aqui
nessas passagens pode muito bem ser entendido por reencarnar.
Somente devemos fazer uma ressalva
quanto a João Batista, que não poderia se enquadrar
nesse conceito, nós o estaremos explicando no item "d".
c) Ressurgir em Espírito
Qual a ressurreição
foi pregada por Jesus, a da carne ou a do Espírito?
Para responder essa questão
é necessário lermos a resposta que Jesus deu aos saduceus,
negadores da ressurreição, sobre uma mulher que, para
cumprir a lei mosaica, teve que casar com os sete irmãos. A
dúvida deles era, quando da ressurreição ela
seria mulher de qual deles? A isso responde Jesus: "As pessoas
deste mundo se casam. Contudo, as que são julgadas dignas de
ter parte naquele mundo e na ressurreição dos mortos,
lá não se casam. E já não podem morrer
outra vez, porque são iguais aos anjos e filhos de Deus, sendo
participantes da ressurreição". (Lc 20, 34-36).
São iguais aos anjos, isso significa que serão seres
espirituais, daí não se justifica mais o casamento,
que é coisa para os que possuem corpos materiais.
Jesus disse que "O espírito
é que dá vida a carne de nada serve" (Jo 6,63),
o que vem reforçar a nossa natureza como sendo a espiritual.
Por outro lado, partindo de que "Deus é Espírito"
(Jo 4,24) e que somos a sua imagem e semelhança, é inevitável
concluirmos que, na verdade, somos também Espíritos.
Seguindo a leitura de Lucas, temos:
"E que os mortos ressuscitem, é Moisés quem dá
a conhecer através do episódio da Sarça Ardente,
quando chama ao Senhor: o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e
o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus dos mortos,
mas dos vivos; para ele, então, todos são vivos".
(Lc 20, 37-38). Considerando que se afirma, na narrativa, que Abraão,
Isaac e Jacó "todos são vivos" e que ainda
não aconteceu o juízo final, para a esperada ressurreição
dos corpos, se eles são vivos, são vivos, portanto,
em Espírito. E concluindo, pela comparação de
Jesus, eles já ressuscitaram, ou seja, estão vivendo
a vida do Espírito, por isso não morrem mais.
Assim, concluímos que, o que
Jesus ensinou foi a ressurreição do Espírito,
não a do corpo físico, dogma de igrejas tradicionais.
O que também poderá ser confirmado em Paulo, quando
diz: "a carne e o sangue não poderão herdar o reino
de Deus" (1Cor 15,50)
d) Ressurgir em Espírito
influenciando outra pessoa
Mateus 14,1-2: "Naquele tempo,
Herodes, o tetrarca, veio a conhecer a fama de Jesus e disse aos seus
oficiais: ‘Certamente se trata de João Batista: ele foi
ressuscitado dos mortos e é por isso que os poderes operam
através dele!’".
Essa passagem nós a estamos
colocando para explicar a questão de João Batista. Ora,
se acreditavam que Jesus estava fazendo prodígios porque "os
poderes de João Batista operam através dele", isso,
num português bem claro, seria a possibilidade de um morto exercer
algum tipo de influência sobre um vivo. Confirmando, pelo menos
como uma hipótese muito provável, que aceitavam a interferência
dos mortos sobre os vivos, ou seja, isso nada mais é que a
comunicação entre os dois planos da vida.
Assim, também, podemos
dizer que ressurreição, neste caso, seria a volta de
um morto à condição de espírito.
Conclusão
Podemos, para encerrar este estudo,
concluir que o conceito de ressurreição não é
só o que se nos têm passado pelas tradições
religiosas. É mais abrangente.
Mas ainda ficou uma questão
no ar, poderá nos falar. Sim, deixemos de propósito
para falar agora: Jesus não ressuscitou no corpo físico?
Não, apesar de que isso possa causar um certo choque. Explicaremos.
Quando se apresenta a Maria de Madalena,
Jesus disse "não me toques porque ainda não subi
para meu Pai" (Jo 20, 17), entretanto, em relação
a Tomé disse: "Põe aqui o teu dedo, vê as
minhas mãos, aproxima também a tua mão, põe-na
no meu lado" (Jo 20,27), nos parecendo uma contradição.
Ainda fica mais difícil compreender quando colocam Jesus dizendo
"porque um espírito não tem carne, nem ossos, como
vós vedes que eu tenho" (Lc 24, 39), e, na seqüência,
ele está comendo peixe com favo de mel (Lc 24,43). Tudo isso
nos parece montado para justificar a idéia que os hebreus tinham
que a alma não sobreviveria sem o corpo físico.
No livro de Tobias,
encontramos um anjo fazendo coisas comuns ao seres humanos, inclusive
comendo, mas ao final ele declara: "Eu sou Rafael, um dos sete
anjos... Vocês pensavam que eu comia, mas era só aparência...
E o anjo desapareceu. Quando se levantaram, não o puderam ver
mais". (Tb 12, 15-22). No caso de Jesus não poderia ser
uma materialização? Nessa hipótese estaria justificada
a questão de ser tangível.
Mas considerando que, em determinas
oportunidades, se manifesta e ninguém o reconhece, somente
acontecendo após algum gesto, como isso poderia ocorrer se
ele tivesse ressuscitado no corpo físico? Se fosse em espírito
poderia muito bem pela sua evolução espiritual transparecer
com tanta luz que não conseguiram mesmo prontamente identificá-lo.
Teria ele quando vivo dito algo que negaria depois de morto, já
que acreditamos que o que pregou mesmo foi a ressurreição
do Espírito?
Todos os evangelistas
são unânimes em dizer que o corpo de Jesus foi colocado
num túmulo novo. Enquanto pela narrativa de Mateis (27.59-60)
e Marcos (15,46) o túmulo era de José de Arimatéia,
Lucas (23,52) não dá a entender isso e João (19,41-42)
diz que o túmulo estava localizado no jardim perto do lugar
onde Jesus fora crucificado, e o colocaram lá porque estava
perto, ficando, portanto, a idéia que não pertencia
a José de Arimatéia. Prestem a atenção
"colocaram", não enterraram, não seria um
lugar provisório?
Em Atos (5,6.10),
quando se narra a morte de Ananias, e, logo após, a de Safira,
sua mulher, está dito: "levaram para enterrar", ou
seja, em definitivo. Assim, por falta de maiores comprovações,
podemos concluir que o lugar onde colocaram o corpo de Jesus não
seria o seu túmulo definitivo, o que, provavelmente, foi feito
depois, daí a razão do desaparecimento de seu corpo,
hipótese mais provável, pelas narrativas.
Por outro lado, no domingo de manhã,
dois dias depois da morte de Jesus, algumas mulheres compram perfumes
e foram ao sepulcro para embalsamar o corpo (Mc 16,1; Lc 24,1), reforçando
a idéia de que foi colocado ali provisoriamente. No relato
de João (20,1) somente Maria Madalena foi ao sepulcro, sem
dizer o motivo, que ao encontrá-lo vazio, diz: "Retiraram
do sepulcro o Senhor e não sabemos onde o puseram". (20,2),
ou seja, falou exatamente o que se esperava acontecer.
Por que estamos dizendo isso? Quem
vai nos tirar desse impasse? Em Atos (16,7) Paulo e Timóteo
tentam entrar na Bitínia, aí diz o texto: "mas
o Espírito de Jesus os impediu". Em 2Cor 3,17, Paulo afirma:
"O Senhor é Espírito". Pedro nos diz que Jesus:
"...sofreu a morte em seu corpo, mas recebeu vida pelo Espírito"
(1Pe 3,18) e nos dá outra informação dizendo
que Jesus foi pregar o Evangelho aos mortos (1Pe 4,4-6), e se isso
aconteceu, Jesus só poderia ter feito em Espírito. Assim,
tudo se converge para a idéia de que Jesus, após sua
morte, ressuscitou em Espírito.
A conclusão final,
portanto, fica-nos que a ressurreição contida na Bíblia
é a do Espírito e não do corpo. E sendo a do
Espírito, por ela também se admitia a influência
desse Espírito sobre um encarnado.
A Magia do Egito, Os mistérios da Civilização,
nº 01, Editora Escala.
A Magia do Egito, Deuses e Mitos, nº 5, Editora
Escala.
Bíblia Sagrada, Centro Bíblico Católico,
Editora Ave Maria, São Paulo, 1989, 68a. Edição;
Bíblia Sagrada, Edição Barsa,
Catholic Press, 1965.
Bíblia Sagrada, Edição Pastoral,
Paulus Editora, São Paulo, SP, 43ª. impressão, 2001;
Bíblia Sagrada, Edições Paulinas,
São Paulo, 37a. Edição, 1980;
Bíblia Sagrada, Editora Santurário Aparecida,
São Paulo, 5ª Edição, 1984.
Bíblia Sagrada, Editora Vozes, Petrópolis,
1989, 8a. Edição;
Bíblia de Jerusalém, Paulus Editora,
2002, nova edição, revista e ampliada;
Dicionário Bíblico Universal, L. Monloubou
e F.M. Du Bruit, Petrópolis, RJ, Vozes; Aparecida, SP: Editora
Santuário, 1996.
Revista das Religiões, edição
2, Editora Abril, agosto 2003.